terça-feira, março 29, 2011

coisas

- Lumen, uma nova revista online sobre cinema. Bem legal.

- Jacques Rancière e Pedro Costa estiveram juntos em uma mesa redonda sobre arte. Jacob Wren estava presente, fez anotações e as postou em seu blog, "A radical cut in the texture of reality".

- Nesta sexta, às 10h, no auditório do PPGCOM da UFF, Marion Schmid dará uma palestra sobre Chantal Akerman. O sugestivo título da apresentação é: “The Archaeology of Suffering: Chantal Akerman's Documentary Trilogy”.

segunda-feira, março 28, 2011

cópia fiel ****


“Cópia fiel” nos conta a história do encontro entre um homem e uma mulher numa pequena aldeia no Sul da Itália. O inglês James (William Shimell) é um conhecido filósofo da arte que vai até Lucignano, na Toscana, para apresentar o seu mais recente livro sobre o valor artístico da cópia/réplica. A francesa Elle (Juliette Binoche) é uma simpática galerista que vive na Itália com o seu filho pré-adolescente. O filme começa com uma longa palestra de James. Em resumo, o que ele defende em seu livro é o seguinte: há verdade na relação que se estabelece entre o espectador e a cópia – algo como um lema para o próprio filme, embora Kiarostami recheie a cena com outras pequenas ações para nos roubar a atenção (o filho dela que entra e sai, o celular, etc.). Pouco depois, os personagens resolvem passear pela pequena vila da Toscana. Eles falam sobre arte, filhos, vida, trabalho. Os diálogos, no entanto, vêem aparentemente cheios de segundas intenções, como se James e Elle estivessem em uma estranha espécie de jogo.

A encenação, as cores, os atores, a narrativa, tudo soa diferente em relação ao que Kiarostami vinha fazendo. Será mesmo? Logo de cara, é possível identificar algumas de suas preferências, como as conversas dentro do carro, a paisagem de pequenas estradas, a maneira como elementos ou objetos à margem dos protagonistas são capazes de alterar a cena. E eis que, em determinado momento, James e Elle se sentam em um pequeno café. Algo se passa ali. Kiarostami muda as regras do jogo. Os personagens não são mais tão claros. A encenação muda de tom. Kiarostami procurava a autenticidade da cena, frontalmente, na aparência. Era já palpável um certo espírito de encenação, a auto-consciência dos personagens/atores e o rigor do cineasta. As cenas eram transparentes como cenas. Agora, no entanto, Kiarostami acrescenta mais uma camada e vem nos dizer que, embora tenhamos apenas as aparências, elas enganam. James e Elle são casados? Talvez o filme comece como um flashback – sem recorrer às mudanças de roupas e espaços. Talvez sejam mesmo histórias sobre casais que se assemelham bastante. “Cópia fiel” é a história de dois casais em um. A história de múltiplos casais.

O que impressiona é como essa torção narrativa se mostra plausível, como uma evolução natural do homem e da mulher que vimos no início do filme. Isso se deve em grande parte ao fato de que, para Kiarostami, a realidade não é unicamente aquilo que se passa diante de nossos olhos, mas o que poderia se passar. Dessa maneira, a partir do momento em que alguém vê os dois personagens como um casal, assim que essa realidade se torna possível, James e Elle podem muito bem ser um casal. Pois é. Kiarostami é Kiarostami. Um cineasta empenhado em bagunçar a maneira que nós vemos o mundo. Um cineasta do artifício sem perder a ternura. Para ele, a imagem não visa o engano, não se trata de uma farsa do real, apenas algo recheado de opacidade.

quinta-feira, março 24, 2011

cineclube cinética

Hoje tem Cineclube da Cinética lá no IMS. Às 17h será exibido "Um Assunto de Mulheres" (1988), de Claude Chabrol, e às 19h é a vez de "Desejo Humano" (1954), de Fritz Lang.

segunda-feira, março 21, 2011

bruna e johnny

“Bruna Surfistinha” quer agradar todo mundo. Este talvez seja o seu maior problema. É um filme cheio de receios, com uma cega disposição para o consenso. Ora, estamos falando de um longa sobre uma menina tímida de classe média que sai da casa dos pais, vira garota de programa, alcança uma certa fama, chega à overdose com cocaína, para, pouco depois, largar o mundo da prostituição. Uma sinopse recheada de temas polêmicos, controversos, etc. Anos atrás seria complicado fazer um blockbuster como este. Não é a toa que a maioria das pessoas que conheço parece surpresa com a nudez de Débora Secco. Esperava-se um filme, digamos, mais tímido, comedido, careta, conservador. Mas “Bruna Surfistinha” é tudo isso aí, atualizado para os nossos tempos. É um filme que não quer colocar o dedo na ferida, não deseja criar conflito ou abrir-se a discordâncias. Os elementos supostamente mais “corajosos”, como, por exemplo, a nudez da protagonista, são tão sublinhados como tais que passam a não sê-lo. A nudez da protagonista é tão funcional, tão maquiavélicamente marquetada... E não é nenhum pouco sexy.

“Vengeance” (2009) é um filme incrível. Johnny To é quase arrogante de tão bom. O cara prepara aos poucos a seqüência, nos alerta que algo grandioso se aproxima, sempre em altíssimos tons. Em alguns momentos, eu confesso que quase desdenhei da inabalável auto-confiança deste filme. Mas Johnny To sempre cumpre suas promessas. E hoje ninguém filma tiroteios como ele. Ninguém. Vejam aí o trailer abaixo.



quarta-feira, março 16, 2011

l'enfance nue *****


Este filme de 68, estréia de Maurice Pialat, é incrível. Acho-o tão bom quanto “Aos nossos amores” (1983) e “Van Gogh” (1991). Eu jamais passo incólume por um filme de Pialat, sempre tão apaixonado e corajoso, sempre tão violento em sua opacidade. Não conheço nenhum outro longa sobre a infância como este, nada de psicologismos, estudos sociológicos ou sonhos nostálgicos de uma liberdade perdida. A infância de François, como nos alerta o título do filme, nos chega nua, sem nenhuma idéia mestra que a direcione a cada movimento para um determinado adjetivo, julgamento ou moral da história. Pialat é um cineasta da ação, única e exclusivamente. “L’enfance nue” é um filme substantivo.

O que constitui uma cena? Onde ela começa? Onde ela termina? De que maneira ela se conjuga com o que passou e com o que está por vir? “L’enfance nue” é ficção e é documentário. É cenário e é paisagem. É personagem e é ator. E tudo isso é de uma absoluta clareza, o que me traga para dentro do filme como uma longa seqüência de momentos preciosos. Pialat possui um enorme respeito, esbanja uma enorme solidariedade por aquilo que ele filma. E assim, um barman vendendo um pacote de cigarros se transforma em um espetáculo. A impressão é a de que Piatat pedia aos atores/personagens que repetissem o que normalmente fazem e inseria elementos ficcionais (os cantos no casamento, o simpático casal de velinhos contando sua história para os meninos, etc), mas com os olhos sempre abertos para as faíscas que essa comunhão pudesse gerar (como a inesperada troca de beijos entre François e Pépère). Seria, no entanto, perda de tempo apontar estratégias, identificar procedimentos. Por isso o cinema de Pialat é tão contemporâneo. É inútil procurar ali uma maneira de se fazer cinema, uma receita, um modelo. Não é como fazer, mas como ser cinema.

Leiam esta resposta de Pialat:

Quanto de seus filmes é planejado antes da filmagem? Quanto é improviso?

Este é um tema delicado. Veja o exemplo de Godard: seus filmes parecem todos milimetricamente pensados e calculados. O que estou querendo dizer é (e isto acontece comigo também), ele filma enquanto diz: “Ok... muito bem, a esquina, isso, muito bom. Não há porque ir além disso...” – é real, mas ainda assim se trata de uma escolha. Eu estou falando de direção, mas é mesma coisa quando escrevemos. “Improvisação” – isso não significa nada pra mim. O que você tem na sua cabeça, ainda não formulado, é muito mais preciso do que você pode imaginar.

domingo, março 13, 2011

coisas

- começou sexta uma mostra bem bacana com os diários de David Perlov lá no IMS. É muito bom. Vejam aqui.

- descobri este jogo, Objetos Famosos de Filmes Clássicos, no blog do Calil. A coisa é realmente viciante. O jogo te mostra a silhueta de um objeto e você tem que adivinhar em que filme ele aparece.

- revi dias atrás "Crônica de Anna Magdalena Bach" (1968), de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. Uma obra-prima, definitivamente, destas que, de maneira apaixonada, acreditam no cinema como algo ainda a ser construído, abarrotado de infindáveis possibilidades. Vejam o filme e leiam este belíssimo texto de Tag Gallagher. Leiam este parágrafo:

"Even in Europe, many (but not all!) of the Straubs’ champions talk about isms in their movies more than individuals, non-figurative design more than portraiture, theory more than storybook lyricism, “Bresson-like” impersonableness more than commedia dell’arte, anti-conventionality more than renewed roots in Western tradition, radical posturing more than troubled existentialism, Marxism more than Jesuit sensibility of each moment as sacramental, minimalism romanticism, calculation more than volcanic emotion".

quarta-feira, março 09, 2011

fuller

“O quimono escarlarte” (1959) é um filme surpreendente, do tamanho do mundo. Como pode um filme nos dar tanto? Um filme policial. Um filme de amor. Um filme sobre aparências, sobre máscaras. Um filme sobre preconceito. Um filme sobre o vazio de certos códigos. Um filme movido por paixões, as mais variadas paixões. É Samuel Fuller!

A última sequência:


sexta-feira, março 04, 2011

clint escreve para billy wilder



Clint Eastwood, então aos 24 anos, diz:

"Quando chegar o momento de escolher o elenco, eu ficaria muito grato se pudesse conversar com você. Eu melhorei bastante em todos os sentidos desde quando fiz aquele teste. E acho que as qualidades que você procura serão mais facilmente encontradas em uma entrevista pessoal".

Detalhe: CLint não ficou com o papel. Quem estrelou "The Spirit of St. Louis" (1957) foi James Stewart.

Dá pra encontrar outras cartas sensacionais com esta neste site.

terça-feira, março 01, 2011

yi yi *****


Revi “Yi Yi” (2000) pela segunda vez ontem. E não tenho receios em dizer que se trata de uma obra-prima. É um belo filme. Edward Yang é um cineasta enorme, ainda desconhecido. Desta vez, o que me deixou mais impressionado é a estratégia de sobreposições (uma característica marcante do cinema de Yang) que costura o filme. O choro da mãe vem colado a imagens noturnas de Taipei. O pai relembra o passado amoroso enquanto sua filha explora o abismo do primeiro amor. A primeira vez em que o menino se sente atraído sexualmente por uma menina vem entrecortada por imagens de um documentário sobre a origem da vida. A sobreposição se dá por vezes num mesmo plano. Yang é um cineasta do plano, da mise-en-scène. É tudo de uma precisão impressionante. O primeiro plano e o fundo, as ações, primárias e secundárias, a iluminação, os raros movimentos de câmera. A precisão de Yang é talvez acima de tudo narrativa.

No mais, lembro sempre de uma observação feita por Kent Jones: “‘Yi Yi’ é como aquelas tomadas vazias de Ozu, mas com pessoas”. Os conflitos emocionais são raramente discutidos ao longo do filme. Os personagens estão muito confusos, cansados ou irritados para arriscarem um diálogo. Eles estão todos aparentemente confinados aos seus planos, aos tempos e espaços, a Taipei. Mas acredito que seria uma preguiça danada voltar à questão da incomunicabilidade. Não se trata disto. A família de “Yi Yi” é uma família unida, apesar dos pesares. É possível identificar certas características desta família perpassando todos os seus integrantes. Os tão debatidos “problemas” da pós-modernidade estão todos por lá: a impessoalidade dos espaços, a fragmentação do tempo, a carência de laços sociais mais bem delimitados, e a incomunicabilidade. Mas o que Yang nos oferece é um retrato sem diagnósticos, mais pragmático, de como os personagens respondem a esta nova realidade.