quinta-feira, junho 28, 2012

e aí, comeu? °


Uma cena de “E aí, comeu?” consegue sintetizar o que me incomoda neste filme. Um personagem leva um manuscrito para o tio, para ser publicado. O tio alerta que a obra tem defeitos. Ele pergunta ao sobrinho se já amou alguém, pois falta vida à relação amorosa dos protagonistas de seu livro. Este me parece ser o mesmo problema de “E aí, comeu?”: um filme um tanto mentiroso. Não era pra ser uma espécie de conversa de bar? Pois fica parecendo que estes caras nunca saíram para beber e falar de mulheres entre amigos. Tudo aquilo ali parece ter saído de outro lugar, do roteiro, muito provavelmente. Não é nem que as piadas sejam ruins. Algumas são até engraçadas. Mas falta algo a elas. Falta verdade. 

terça-feira, junho 26, 2012

quinta-feira, junho 21, 2012

o medo devora a alma *****

Domingo, às 16h, o CCBB exibe outro filme preferido: “O medo devora a alma” (1974), de Rainer W. Fassbiner. O filme conta a história de Emmi, uma viúva de 60 anos que se apaixona por Ali, um imigrante mulçumano muito mais jovem do que ela. Como um filme consegue ser tão simples, tão direto no uso da linguagem cinematográfica? Como consegue tornar crível um encontro tão improvável? Como um filme consegue fazer com que nós nos identifiquemos com os personagens justamente por suas fragilidades, por um sentimento de clausura frente às diversas determinações da vida em sociedade? Como consegue fazer com que a câmera seja sempre um olhar de alguém para um outro, como que enquadrando-o? Como se produz um distanciamento que nos aproxima? Como consegue ser ao mesmo tempo tão denso emocionalmente e tão claro nas idéias? Vejam esta cena:



Alguns dizem que se trata de um cinema um tanto pessimista. Eu tendo a discordar, fervorosamente. O que está em jogo ali é uma espécie de revelação dos mecanismos que ordenam o nosso convívio social. Para o cineasta alemão, essa revelação seria uma maneira de alertar a nós, espectadores, sobre a necessidade de mudarmos nossas vidas. O cinema de Fassbinder é um chamado para a ação. E isto sim é que é ser otimista. Eu lembro de um texto do alemão falando sobre o impacto causado pelos filmes de Douglas Sirk. Fassbinder diz que jamais havia visto personagens femininas pensando no cinema. E isso, vejam só, lhe dava força e esperança.

terça-feira, junho 19, 2012

imitação da vida *****

Este sábado, às 20h, o CCBB exibe um dos meus filmes prediletos: “A imitação da vida” (1959), de Douglas Sirk. Leiam aí abaixo um texto escrito por outro grande, Rainer W. Fassbinder:

“Imitação da Vida” (1959) é o último filme de Douglas Sirk. Um grande, incrível filme sobre a vida e a morte. E urn filme sobre a América. O primeiro plano geral: Annie diz à Lana Turner que Sirah Jane é sua filha. Annie é negra e Sarah Jane é quase branca. Lana Turner, primeiro, hesita, mas logo compreende e age como se fosse a coisa mais natural do mundo uma negra ter uma filha branca. Mas isto não é nada natural. Nem passa a sê-lo ao longo do filme. Sarah Jane não quer ser tida como branca porque é bonito. Mas porque, como branca, pode viver melhor. Lana Turner não faz teatro porque acha belo, mas porque gente de sucesso consegue uma posição melhor nesse mundo. E Annie não deseja ter um enterro pomposo porque teria alguma vantagem nisto, mas apenas porque assim, mesmo morta, teria um significado para a sociedade que não teve em vida. Nenhum desses protagonistas parece compreender que tudo isto — pensamentos, desejos, sonhos — são provocados e manipulados pela sociedade. Eu não conheço nenhum filme que exponha esta circunstância de uma forma tão clara e desesperada. Quase no final do filme, Annie conta a Lana Turner que possui muitos amigos. Lana fica perplexa. Annie tem amigos? As duas mulheres vivem juntas há dez anos, já, e Lana não sabe nada sobre Annie. Lana Turner se surpreende. E quando a filha de Annie reclama de ela a ter deixado sempre só, Lana também se surpreende, da mesma forma que ao ver Sarah Jane rebelar-se contando seus problemas e exigindo ser levada a sério. E quando Annie morre, Lana Turner só pode espantar-se. Ninguém pode morrer assim, tão simplesmente.

Por todo o resto do filme Lana permanece assim, perplexa. O resultado disto é que ela, no futuro, quer desempenhar apenas papéis dramáticos. Paixão, morte, lágrimas devem servir para alguma coisa. A problemática de Lana Turner passa então a ser a problemática do diretor do filme. Lana é atriz, provavelmente uma boa atriz. Mas isso não chegamos a saber. No começo, ela precisa ganhar dinheiro para ela e sua filha. Ou será que ela quer fazer carreira? A morte de seu marido parece não ter importado muito. Ela sabe que ele foi um bom diretor. Eu creio que Lana gostaria de fazer carreira. O dinheiro, para ela, é secundário, o sucesso vem em primeiro lugar. Em terceiro, John Gavin. John ama Lana, e para aproximar-se dela abandona ambições artísticas e arranja emprego como fotógrafo de publicidade. Lana não consegue entender que alguém renuncie a suas ambições por amor. Sim, tenho certeza de que Lana não quer ganhar dinheiro, mas sim fazer carreira. John, tolamente, força Lana a escolher entre o casamento e a carreira. Lana acha isto interessante e dramático e escolhe a carreira.

Assim transcorre o filme todo. Eles fazem planos românticos, de felicidade, aí toca o telefone, um novo convite, e Lana se entusiasma. Ela não tem salvação, nem ele. Na realidade, ele deveria perceber que não tem chances, mas, pelo contrário, vive em função dessa mulher. Mas é sempre assim: as pessoas insistem no que não devem insistir. A filha de Lana, então, se apaixona por John. Ela é exatamente como John queria que Lana fosse, mas ela não é Lana. Nós podemos compreender bem isto, mas Sandra Dee não. Provavelmente, quem ama compreende menos. Annie também ama sua filha, mas não a compreende. Uma vez, quando Sarah Jane ainda era pequena, choveu, e Annie foi levar um guarda-chuva para ela na escola. Sarah Jane dizia para os colegas que ela era branca. Quando a mãe apareceu, a mentira se revelou. Sarah Jane jamais esqueceu isto. E quando Annie, pouco antes de morrer, deseja ver Jane pela última vez e vai visitá-la num bar de Las Vegas, ela continua incapaz de compreender esta. O fato de Sarah Jane querer passar por branca é para ela um pecado. É uma cena terrível. Vulgar é a filha, a mãe é a pobre ofendida. No fundo, porém, dá-se o contrário. A mãe, que quer a filha para si, porque a ama, é brutal. E Sarah Jane se defende do terror da mãe, do terror do mundo. É cruel. A gente pode bem entender as duas, ambas têm razão, mas ninguém pode ajudá-las. Só se nós mudássemos o mundo. E todo mundo chora dentro do cinema. Porque é tão difícil mudar o mundo. Então, no enterro de Annie estão todos juntos de novo, e, por um momento, tudo parece estar bem. E esta "pausa" permite que eles estraguem tudo de novo, pois cada um, mesmo sabendo o que procura, esquece outra vez.

“Imitação da Vida” começa como se fosse um filme sobre o personagem de Lana Turner, e, sem que a gente note, torna-se um filme sobre a negra Annie. No fim, o diretor deixa de lado a sua problemática, a única coisa do tema com que ele se identifica, e procura a problemática existencial no personagem de Annie, encontrando algo muito mais doloroso do que teria achado em Lana Turner ou em si mesmo. Ainda menos esperança. Ainda mais desespero.

Procurei escrever sobre seis filmes de Douglas Sirk, e a partir daí eu descobri como é difícil escrever sobre filmes que têm alguma coisa a ver com a vida real, que não são apenas literatura. Eu precisei deixar muita coisa de lado, talvez aquelas que fossem mais importantes. Falei pouco sobre a luz, como é bem cuidada, como ela o ajuda a mudar a estória. Além de Sirk, só mesmo Joseph von Steinberg sabe usar tão bem a luz. Também falei pouco do espaço que Douglas Sirk constrói. Como tudo é perfeito! Também explorei muito pouco a importância das flores e dos espelhos, e o seu significado dentro da trama. Eu não acentuei devidamente que Sirk é um diretor que extrai o máximo dos atores. Que transforma personagens como Marianne Koch ou Lisellote Pulver em gente em quem a gente quer e pode acreditar. Também vi poucos filmes seus. Eu quero ver tudo, todos os 39 que ele fez. E talvez eu possa desenvolver mais a minha pessoa, a minha vida, o relacionamento com os meus amigos. Eu vi seis filmes de Douglas Sirk. Dentre eles, estão alguns dos melhores filmes do mundo.



sexta-feira, junho 15, 2012

carlão!

Carlão Reichenbach! Um dos caras mais sensacionais que tive a honra de conhecer.

Domingo, o IMS exibe uma de suas obras-primas, "Filme Demência" (1986), às 18h15.

segunda-feira, junho 11, 2012

douglas sirk no ccbb!

Programação:

12/06 (terça-feira)
18h Herança sagrada, 79min, DVD
20h Sinfonia interrompida, 90min, DVD

13/06 (quarta-feira)
18h Apaixonados, 79min, 16mm
20h La Habanera, 98min, 35mm

14/06 (quinta-feira)
18h Tudo o que o céu permite, 89min, 35mm
20h Almas maculadas, 91min, 35mm

15/06 (sexta-feira)
16h Os pilares da sociedade, 84min, 35mm
18h Sinfonia prateada, 88min, 16mm
20h Recomeçar a vida, 106min, 35mm

16/06 (sábado)
16h Sublime obsessão (John M.Stahl), 112min, DVD
18h Sublime obsessão, 108min, 35mm
20h Palavras ao vento, 99min, 35mm

17/06 (domingo)
15h30 April! April!, 82min, 35mm
17h30 Amar e morrer, 132min, 35mm
20h A garota do pântano, 82min, 35mm

19/06 (terça-feira)
14h Aula – “A encenação pelo excesso e o sistema sirkiano” com Mariana Baltar professora de cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF)
16h Hino de uma consciência, 108min, DVD
18h Vidocq, 102min, DVD
20h Onde canta o rouxinol, 85min, 35mm

20/06 (quarta-feira)
18h O que matou por amor, 106min, 16mm
20h Sublime obsessão, 108min, 35mm

21/06 (quinta-feira)
17h30 Palavras ao vento, 99min, 35mm
19h30 Amar e morrer, 132min, 35mm

22/06 (sexta-feira)
16h Sangue rebelde, 91min, DVD
18h Chamas que não se apagam, 84min, 35mm
20h La Habanera, 98min, 35mm

23/06 (sábado)
16h Sinfonia prateada, 88min, 16mm
18h Almas maculadas, 91min, 35mm
20h Imitação da vida, 125min, 35mm

24/06 (domingo)
16h O medo devora a alma, 93min, 35mm
18h Tudo o que o céu permite, 89min, 35mm
20h O que matou por amor, 106min, 16mm

26/06 (terça-feira)
18h Emboscada, 102min, DVD
20h Agonia de uma vida, 84min, 16mm

27/06 (quarta-feira)
18h Longe do Paraíso, 107min, 35mm
20h Mulher de fogo, 81min, 16mm

28/06 (quinta-feira)
15h Imitação da vida (John M.Stahl), 111min, DVD
17h30 Imitação da vida, 125min, 35mm
20h O poder da fé, 86min, 35mm

29/06 (sexta-feira)
14h Aula – “A permanência de Douglas Sirk” com João Luiz Vieira, professor de cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF)
16h Herança sagrada, 77min, DVD
18h Sonha, meu amor, 97min, 16mm
20h Onde canta o rouxinol, 85min, 35mm

30/06 (sábado)
16h Os pilares da sociedade, 84min, 35mm
18h Música e romance, 87min, 16mm
20h Chamas que não se apagam, 84min, 35mm

01/07 (domingo)
16h E o noivo voltou, 82min, DVD
18h Desejo atroz, 79min, 16mm
20h April! April!, 82min, 35mm

03/07 (terça-feira)
18h Emboscada, 102min, DVD
20h A garota do pântano, 82min, 35mm

04/07 (quarta-feira)
18h Vidocq, 102min, DVD
20h Apaixonados, 79min, 16mm

05/07 (quinta-feira)
15h Segredos e mentiras, 142min, DVD
18h Sinfonia interrompida, 88min, DVD
20h O poder da fé, 86min, 35mm

06/07 (sexta-feira)
16h Hino de uma consciência, 108min, DVD
18h E o noivo voltou, 82min, DVD
20h Música e romance, 87min, 16mm

07/07 (sábado)
16h Sonha, meu amor, 97min, 16mm
18h Mulher de fogo, 81min, 16mm
20h Recomeçar a vida, 106min, 35mm

08/07 (domingo)
16h Desejo atroz, 79min, 16mm
18h Agonia de uma vida, 84min, 16mm
20h Sangue rebelde, 91min, DVD

quinta-feira, junho 07, 2012

plano de fuga °

Este filme me deixou meio perturbado. Por um bom tempo, pensei em sair do cinema. Aliás, costumo fazer isso de vez em quando. Nunca é fácil fazê-lo, devo dizer. Fico com vergonha e me um acho um cara meio sem escrúpulos quando abando um filme pelo meio; mas, ao mesmo tempo, sinto-me desrespeitado, sinto o cinema sendo desrespeitado, quando vejo um filme ruim, preguiçoso, medíocre. É uma coisa bem conflituosa pra mim. Mas, enfim, voltando ao assunto: “Plano de fuga”. Vi o filme até o fim, completamente espantado - é dirigido por um estreante, Adrian Grunberg, e traz Mel Gibson no papel do protagonista. Fiquei pensando em Serge Daney e o que ele descrevia como sendo “o terceiro estado da imagem”, condicionado pela técnica, de modo a encaminhar a transformação do mundo no sentido de um vasto estúdio cinematográfico. Uma imagem marcada não apenas pela ruptura cada vez maior nas relações do homem com o mundo, mas pela perda do próprio mundo. “Plano fuga” é um filme absurdamente impossível. Não sei se estaria correto afirmar que a imagem perde completamente neste filme a sua dimensão de testemunho do mundo. Isto porque o mundo que vivemos me parece como que contaminado por este “absurdamente impossível”. Mas o que me chama atenção é um certo cinismo... “Plano de fuga”, como seu personagem principal, é cínico. O filme acabou e, andando pra casa, me veio à mente uma outra expressão: niilista. O termo indica uma concepção em que tudo o que é (as coisas, o mundo, os valores, o ser) é negado e ou reduzido a nada. Eu preciso voltar a “Plano de fuga”....