sexta-feira, agosto 31, 2012

the man from london ****



Os 12 primeiros minutos de “The man from London” (2007) compõem um dos planos sequências mais incríveis que eu já vi. O movimento começa nos revelando a proa de um grande navio, seguindo por belas e misteriosas imagens de um porto, subindo ao céu, confundindo nossa relação com os espaços e os espaços, abrindo espaço, criando espaço, até terminar no ponto de partida da trama deste filme: um estivador solitário testemunha um crime e acaba com uma maleta recheada de dinheiro. São famosos os movimentos de câmera de Bela Tarr. Nestes 12 mins, por exemplo, a câmera consegue estar dentro e fora ao mesmo tempo, ser simultaneamente uma coreografia complexa, um ponto de vista e um exercício do olhar. O filme é realmente sobre uma maneira de olhar as coisas, de explorar o espaço de maneiras inesperadas, meditando sobre as qualidades da luz e da superfície dos objetos. Eu me lembrei de um termo formidável inventado pelo Merleau-Ponty que me parece bem apropriado: voluminosidade! Bela Tarr faz pouco caso da tradicional divisão entre formalistas e realistas, entre os que acreditam na imagem e os que acreditam no real. Pra ele, é todo e uma única coisa. É um certo potencial do cinema que é a todo o momento reafirmado, a cada movimento. Eu entendo que alguns críticos tenham sublinhado um aspecto um tanto “sufocante” em algumas cenas. Bela Tarr estaria buscando um “filme Bela Tarr”. Pra mim, no entanto, que não conheço as obras pregressas do homem, o filme me parece sensacional.

Vejam o plano-sequência abaixo, dividido em dois:



sábado, agosto 25, 2012

pra frente brasil ***


Eu nunca tinha visto “Pra frente Brasil” (1982). Sequer sabia muito bem do que se tratava a história do filme.  E, durante a sessão, estava, confesso, meio atordoado com o que via: a música melosa onipresente, as viradas sempre muito marcadas, as atuações, os diálogos, os planos e contraplanos... A impressão era a de estar vendo uma novela. O que Roberto Farias planejava? Aos poucos, com o desenrolar da história, o gesto do cineasta me veio à cabeça: tornar o material o mais acessível possível! Dizem que algumas histórias precisam ser contadas. Esta era definitivamente uma delas.  “Pra frente Brasil”, contudo, não se afirma somente pelo que conta, mas também por este desejo de se fazer visto e ouvido pelo maior número de pessoas possível. E Roberto Farias vem surpreendendo a cada filme.

quarta-feira, agosto 22, 2012

meek's cutoff ***


Gostei deste filme.  Gosto também dos outros filmes que vi dirigidos pela americana Kelly Reichardt (“Old Joy” e “Wendy and Lucy”). Em todos eles, a experiência central pela qual seus personagens se veem enredados é a de “estar perdidos” (seja existencialmente e ou geograficamente). Reichardt se detém meticulosamente nos detalhes, em torno de temas e desenvolvimentos de difícil definição. Um cinema materialista, concreto, que muito vem sendo chamado de “minimalista”. “Meek’s Cutoff” se passa em 1845, no Oregon. Flagramos uma caravana de colonos atravessando o velho Oeste. O guia deles propõe um atalho. Eles acabam se perdendo e esbarram com um índio. Eu não me lembro de ter visto um índio tão “outro” em um filme americano. Os colonos serão obrigados a confiar nele para encontrar água. “Meek’s Cutoff” é na verdade a história de um crescente sentimento de incerteza. Os dias e as noites são claramente demarcados pela montagem. A passagem do tempo é algo que se vê e se sente, embora seja complicado saber quanto tempo se passou desde que se perderam.  A paisagem é ao mesmo tempo matéria bruta e indiferente, e emoção desesperada e promessa de algo a mais. Essa ambiguidade é muito bem explorada pelo filme, sempre entre os perigos visíveis e iminentes e a necessidade de confiar no desconhecido.  

domingo, agosto 19, 2012

toda donzela tem um pai que é uma fera ***

Fazia um certo tempo que eu não me divertia tanto no cinema. "Toda donzela tem um pai que é uma fera" (1966) é um filme incrível, a começar pelo título. John Herbert como o libertino xiita Porfírio é algo do outro mundo. Não fazemos mais filmes como este. Por que será? Um trecho:

terça-feira, agosto 14, 2012

la morte rouge ****


Eu acabo de ver “La morte rouge”, o curta que Victor Erice fez para a instalação “Correspondências” (um diálogo entre ele e Abbas Kiarostami). O próprio Erice narra em off (na terceira pessoa) sua primeira experiência no cinema, em 1946. Sua irmã mais velha o levara para ver “The Scarlet Claw”, um filme B de detetive, que estava passando no Gran Kursaal, em San Sebastian, na Espanha. Uma experiência fundamental. Uma revelação e uma experiência de terror. La Morte Rouge é o nome da cidade canadense em que se passa a história filme. Erice descobriria anos depois que aquela era uma cidade fictícia. Uma cidade que só existia no cinema. Essa é a primeira linha desse filme, uma celebração do fascínio pelo universo cinematográfico que contamina, se espraia e perdura em nossa memória. A aventura de Erice ainda se transforma em um ensaio autobiográfico, uma exploração sobre os efeitos do fascismo e um devaneio metafísico sobre o que persiste em nossas memórias. Erice se lembra do filme de propaganda franquista que antecedia ao longa. Nele, um homem bem-vestido dava dinheiro para crianças e mulheres pobres.  Erice se pergunta como uma criança distingue quem é bom e quem é mau em um filme.  Em “The Scarlet Claw”, um personagem inócuo, o carteiro Potts, será desmascarado como o assassino da trama. A monstruosidade vem em muitas formas – uma ideia presente nos primeiros filmes do cineasta. Erice teria medo de carteiros por um bom tempo – e sua irmã sempre o provocava dizendo que o carteiro estava vindo. Um belíssimo filme. 

quinta-feira, agosto 09, 2012

roberto farias no ccbb

Começou esta semana uma mostra no CCBB com filmes de Roberto Farias, uma das figuras mais importantes da história do cinema brasileiro. Vejam a programação:


9 de agosto – quinta-feira

14h – Curso: aula 2: "Comédia e drama em equilíbrio: a busca por um cinema popular"

16h – Os Trapalhões no Auto da Compadecida (1987)
Dir.: Roberto Farias 96 min, 35mm, Livre

18h – Cidade ameaçada (1960)
Dir.: Roberto Farias 105 min, 35mm, 12 anos

20h – DEBATE – "Roberto Farias: autoria e gênero". Mediação de João Luiz Vieira com a presença de Flávia Seligman e Rafael de Luna

10 de agosto – sexta-feira

14h – Curso: aula 3: "A crença na possibilidade de uma indústria cinematográfica
brasileira: estratégias, experiências, impasses e saídas".

16h – Os machões (1972)
Dir.: Reginaldo Faria 96 min, 35mm, 14 anos

18h – O assalto ao trem pagador (1962)
Dir.: Roberto Farias 103 min, 35mm, 12 anos

20h – Toda donzela tem um pai que é uma fera (1966)
Dir.: Roberto Farias 107 min, 35mm, Livre

11 de agosto – sábado

16h – Roberto Carlos a 300 km por hora (1971)
Dir.: Roberto Farias 99 min, 35mm, Livre

18h – Roberto Carlos em ritmo de aventura (1968)
Dir.: Roberto Farias 97 min, 35mm, Livre

20h – Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa (1968)
Dir.: Roberto Farias 94 min, 35mm, Livre

12 de agosto – domingo
16h – Aviso aos navegantes (1950)
Dir.: Watson Macedo 113 min, 35mm, Livre

18h – Selva trágica (1964)
Dir.: Roberto Farias 101 min, Betacam, 14 anos

20h – Um candango na Belacap (1961)
Dir.: Roberto Farias 100 min, Betacam, Livre

14 de agosto – terça-feira


15h – Os paqueras (1969)
Dir.: Reginaldo Faria 102 min, Betacam, 16 anos

17h – É fogo na roupa (1952)
Dir.: Watson Macedo 88 min, 35mm, Livre

19h – Cidade ameaçada (1960)
Dir.: Roberto Farias 105 min, 35mm, 12 anos

15 de agosto – quarta-feira

15h – Aventuras com tio Maneco (1971)
Dir.: Flávio Migliaccio 90 min, Betacam, Livre

17h – Rico ri à toa (1957)
Dir.: Roberto Farias 110 min, 35mm, 14 anos

19h – Com licença eu vou à luta (1986)
Dir.: Lui Farias 84 min, 35mm, 14 anos

16 de agosto – quinta-feira

15h – Toda donzela tem um pai que é uma fera (1966)
Dir.: Roberto Farias 107 min, 35mm, Livre

17h – O assalto ao trem pagador (1962)
Dir.: Roberto Farias 103 min, 35mm, 12 anos

19h – DEBATE: "Roberto Farias: mercado e política". Mediação de Tunico Amancio com a presença de Luiz Gonzaga de Luca e Lia Bahia.

17 de agosto – sexta-feira

15h – Quem tem medo de lobisomem (1974)
Dir.: Reginaldo Faria 92 min, Betacam, 14 anos

17h – Aguenta coração (1982)
Dir.: Reginaldo Faria 99 min, 35mm, 14 anos

19h – Selva trágica (1964)
Dir.: Roberto Farias 101 min, Betacam, 14 anos

18 de agosto – sábado

16h – Os Trapalhões no Auto da Compadecida (1987)
Dir.: Roberto Farias 96 min, 35mm, Livre

18h – Rio fantasia (1956)
Dir.: Watson Macedo 115 min, 35mm, Livre

20h – O fabuloso Fittipaldi (1974)
Dir.: Roberto Farias 98 min, 35mm, Livre

19 de agosto – domingo

16h - No mundo da Lua (1958)
Dir.: Roberto Farias 104 min, 35mm, Livre

18h – Toda nudez será castigada (1972)
Dir.: Arnaldo Jabor 103 min, 35mm, 16 anos

20h – O casamento de Romeu e Julieta (2004)
Dir.: Bruno Barreto 93 min, 35mm, 10 anos

21 de agosto – terça-feira

15h – Mar de rosas (1970)
Dir.: Ana Carolina 90 min, DVD, 16 anos

17h – Um candango na Belacap
Dir.: Roberto Farias 100 min, Betacam, Livre

19h – Os paqueras (1969)
Dir.: Reginaldo Faria 102 min, Betacam, 16 anos

22 de agosto – quarta-feira

17h – Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa (1968)
Dir.: Roberto Farias 94 min, 35mm, Livre

19h – Não quero falar sobre isso agora (1990)
Dir.: Mauro Farias 101 min, 35mm, 14 anos

23 de agosto – quinta-feira

15h – Roberto Carlos em ritmo de aventura (1968)
Dir.: Roberto Farias 97 min, 35mm, Livre

17h – Pra frente Brasil (1982)
Dir.: Roberto Farias 105 min, 35mm, 16 anos

19h – Master class: "Roberto Farias" – mediação de João Luiz Vieira e Tunico Amancio

24 de agosto – sexta-feira

17h – Rio fantasia (1956) 
Dir.: Watson Macedo 115 min, 35mm, Livre

19h – Com licença eu vou à luta (1986)
Dir.: Lui Farias 84 min, 35mm, 14 anos

25 de agosto – sábado

17h – É fogo na roupa (1952)
Dir.: Watson Macedo 88 min, 35mm, Livre

19h – Toda nudez será castigada (1972)
Dir.: Arnaldo Jabor 103 min, 35mm, 16 anos

26 de agosto – domingo

16h – Aguenta coração (1982)
Dir.: Reginaldo Faria 99 min, 35mm, 14 anos

18h – Roberto Carlos a 300 km por hora (1971)
Dir.: Roberto Farias 99 min, 35mm, Livre

20h - Mar de rosas (1970)
Dir.: Ana Carolina 90 min, DVD, 16 anos

domingo, agosto 05, 2012

batman *

Achei este último "Batman" bem chato. E embora a atuação de Heath Ledger no segundo longa da série seja algo do outro mundo, ainda prefiro o primeiro. Este último me enche mesmo a paciência com uma necessidade inexplicável de imprimir profundidade à trama - ao longo da sessão, lembrei-me da objetividade, da frontalidade, da falta de rodeios de "Os mercenários". O segundo longa já sofria disto, sem falar no virtuosismo para impressionáveis do Christopher Nolan. O Batman é um justiceiro. É preciso ter cuidado ao representá-lo. Este terceiro filme leva isto ás últimas. Leiam este texto do Ricardo Calil, publicado na "Folha de São Paulo":

RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA
É difícil imaginar algum fã do Batman criado por Christopher Nolan pedindo o dinheiro do ingresso de volta depois de ver o último episódio de sua trilogia.
"Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge" entrega tudo aquilo que o admirador da série se acostumou a esperar.
Trama complexa, metáforas sobre a condição humana, um protagonista sólido (Christian Bale), um vilão marcante (o Bane de Tom Hardy), duas belas presenças femininas (Anne Hathaway e Marion Cotillard).
Para os que não são fãs incondicionais da série, porém, é possível notar ausências. Aí vai uma pequena lista de coisas que faltam ao filme.
1) Um ponto de vista: O filme assume de vez que Gotham City é Nova York e traz referências explícitas aos atentados de 11 de Setembro e à crise financeira. Mas nunca é possível entender a visão de Nolan sobre essas questões: ele é contra a guerra ao terrorismo e os privilégios dos mais ricos ou é a favor?
A cada cena, o diretor parece querer dizer algo diferente. O que sugere que esses temas foram trazidos ao filme para lhe emprestar uma profundidade que ele não tem.
2) Senso de humor: OK, os quadrinhos demoraram muito tempo para serem reconhecidos como uma forma de arte para adultos. OK, trata de um órfão traumatizado.
Mas precisava ser tão solene e pomposo? São duas horas e 45 minutos com algumas tiradas espirituosas, mas sem brechas para risadas.
3) Fé no poder da imagem: Nolan cria tramas tão intrincadas que os personagens gastam metade de seu tempo em tela tentando explicá-las com diálogos expositivos.
4) Risco: O último episódio da trilogia de Nolan é de uma eficácia acachapante. Falta, porém, a beleza que nasce da imperfeição, como a interpretação desatinada de Heath Ledger como o Coringa no filme anterior.
Da trilogia de Nolan, a imagem que permanecerá é a de Ledger/Coringa perguntando ao Batman (mas sobretudo a seu diretor): "Why so serious?" (Por que tão sério?).

quarta-feira, agosto 01, 2012

everyone else ****


Gostei muito deste filme. “Everyone Else” (2009), segundo longa da alemã Maren Ade, acompanha um jovem casal de férias na Itália. É um filme diferente sobre uma relação amorosa, recheado de rituais estranhos, momentos imbecis e por vezes meio secretos, além de constantes jogos de poder, provas e mais provais, decepções e uma ou outra epifania. É muito curioso como Maren Ade consegue alternar os pontos de vista de Gitti e Chris de maneira tão sutil, quase imperceptível. Quando começamos a achar que entendemos o personagem, quando a identificação se vislumbra no horizonte, o filme nos derruba novamente. Isto é muito bom: somos jogados na intimidade deste casal, mas Gitti e Chris permanecem algo indecifráveis. Eu mesmo não sei o que pensar sobre eles, sobre o papel que cada um representa nessa relação. Embora eu reconheça nessa mistura de naturalismo, psicologia e teatralidade talvez a mola mestra de toda e qualquer relação amorosa. O final do filme é bem legal. Gitti e Chris chegam a um impasse. A impressão é a de que eles precisam se reinventar como casal. “Everyone Else” termina com esta promessa.