quinta-feira, janeiro 27, 2011

hugh grant

Estava indo e voltando pelos canais da Net e deparei-me uma vez mais com “Letra e música” (2007), de Marc Lawrence. O filme é fraco, rasteiro, previsível, mas é difícil não ser por ele seduzido. É Hugh Grant, sempre ele. É irresistível vê-lo na pele de um ex-astro dos anos 80: o carisma, o timing, os gestos corporais, os olhares. Grant atingiu a maestria, vivendo sempre o mesmo papel. A impressão é a de que todo este talento precisava ser “adotado” por um cineasta, algo que quase todos os grandes comediantes tiveram. Vejam vocês, abaixo.

segunda-feira, janeiro 24, 2011

kk

Vi alguns dos filmes de Kiyoshi Kurosawa no CCBB e andei revendo um ou outro aqui em casa. Kurosawa é um baita cineasta. Um cineasta do espaço, do cálculo, de composições milimétricas, de quebras de eixo. Seus longos planos (estáticos ou então com elegantes movimentos laterais) parecem na maioria das vezes entrecortados por planos menores, mais curtos, porém aparentemente funcionais, com informações importantes para a trama seguir adiante. E o emprego do plano longo não significa uma entrega ao acaso, mas, ao contrário, uma aposta na mise-en-scène. Uma mise-en-scène que respira o rigor geométrico dos espaços. Isso tudo é muito curioso. O olhar de Kurosawa é intermitente. O que se produz é uma certa distância, uma idéia de intervalo, um olhar sempre na incerteza, uma percepção fragmentada. Os filmes de Kurosawa se fazem numa espécie de batimento, numa sucessão irregular de planos, de ausências e fixações, de criação de ambientes e desorientação espacial. É um cinema da opacidade, que, oferecido como um mistério ao espectador, nos deixa por vezes com a sensação fugidia de um brilho do real.

Kurosawa é sempre associado ao gênero do terror, o que não deixa de ser correto, embora todos os seus filmes tenham uma vibração, digamos, mais realista e estejam mais para reflexões sobre os anseios e as náuseas do Japão contemporâneo. Os protagonistas de Kurosawa são gente como a gente. Algo, no entanto, acontece, seja por acaso ou por razões não identificadas. Os personagens são paulatinamente mergulhados num universo asfixiante e estranho, porém realista. Em “Cure” (1997), personagens comuns matam sem causa. Em “Doppelganger” (2003), o protagonista esbarra com o seu duplo. Em “Pulse” (2001), as pessoas começam a desaparecer. Tudo filmado com uma enorme sobriedade. E o que é mais interessante é fato dessas estranhezas, do terror, do inusitado, dos fantasmas, serem, na verdade, uma forma de se atribuir responsabilidade aos personagens. É, por exemplo, o que se passa em “Vítimas de uma alucinação” (2006), em que os protagonistas são cobrados pelo modo como reagem ao que vêem.

No mais, a água viva, nome de um dos melhores filmes de Kurosawa, serve como uma espécie de símbolo deste cinema, fascinante, porém mortal, como um canto de sereia que nos leva encantados para o fundo do mar.

Uma entrevista:



Uma cena de "Pulse":



Uma cena de "Seance" (2001):

sexta-feira, janeiro 21, 2011

além da vida ****

Gostei muito de “Além da vida”. Como é bom sair do cinema depois de um filme como este. Clint Eastwood. Dá pra contar com o cara. Sempre. É tudo de uma simplicidade, de uma objetividade... Eastwood vai sempre direto ao ponto. A aparência de “Além da vida” é tão unificada e limpa, seu impulso e discurso são tão certeiros, que o filme é exatamente o que ele é. Entendem? Não há espaço para segundas intenções, interpretações estapafúrdias. Não há mensagem ou um projeto.

Em seus filmes mais recentes, a trama sempre vem de um trauma específico (ao contrário dos longas dos anos 90, quando os protagonistas vinham direto das trevas para colocar os pingos nos is). Em “Além da vida”, no entanto, é até um pouco escorregadio falar em trama. Qual é a trama deste filme? Eastwood a reduziu a um jogo entre uma certa idéia de destino (trágico, para os personagem em questão)e uma variedade incontável de sentimentos inomináveis e possibilidades de ação. É esse jogo que move o filme, que o leva adiante. Uma trama feita de barreiras emocionais e personagens (sob muita responsabilidade por suas vidas) relutantes em enfrentá-las.

Tudo isso é devidamente materializado. Tudo isso é para Eastwood uma questão de cinema. Os planos são então vazios, contaminados sempre por uma sensação desoladora. O que vemos do “outro mundo” o qual o personagem de Matt Damon tem acesso são apenas vultos. O que dá sentido a eles é somente aquilo que o personagem diz, numa espécie estranha de terceira pessoa indireta. E mesmo para ele, tudo é muito nebuloso. Eastwood é claro sem ser clarividente. As perguntas permanecem sem respostas. O que muda, talvez, seja a opção que os três protagonistas assumem para si mesmos: tomar as rédeas de suas vidas, amadurecer e seguir em frente. “Além da vida” é um filme sobre os vivos.

segunda-feira, janeiro 17, 2011

van morrison

Lembrei de um momento similar ao descrito posts abaixo, quando, em Foz do Iguaçu, esbarrei num irmão Thin Lizziano. Desta vez, estava com minha esposa no Japão. Mais precisamente, em uma estranha rodoviária da gelada cidade de Fukuoka/Hakata, última parada ao sul do poderoso Shinkansen, o trem bala nipônico. A rodoviária tinha alguns andares, pequenos, como se o Botafogo Praia Shopping fosse um terminal rodoviário. Cada andar apontava para uma direção - algo que ainda hoje não entendo bem como funciona. Estávamos a caminho de Nagazaki, ou seja, terceiro andar, nos disse em mímicas estranhas a bela moça da bilheteria. Fazia frio, eu estava me recuperando de um resfriado, com muita fome, pressa, pouco dinheiro... MacDonald’s, não teve jeito. Enquanto eu aguardava minha esposa na mesa da lanchonete, fui tomado pelo tempo presente. E quem me colou a esse estado corporal de coisas e fatos foi ninguém menos que Van Morisson. Pois é. Dos altos falantes do MacDonald’s, comecei a ouvir “Sweet Thing”, uma de minhas músicas preferidas. De repente, como se levasse um tapa, tudo me chamava atenção: os japoneses tímidos e histriônicos ao mesmo tempo; um senhor sozinho ao meu lado, vestido com um terno e um boné vários números acima do “normal” que mais parecia boiar em sua cabeça; um menino deitado na cadeira saboreava as batatas fritas de olhos fechados, uma por uma; uma adolescente alguns bancos ao fundo comia sozinha, calada, fechada, mas com uma altivez no olhar, como se algo a dissesse secretamente que ela era melhor que todos os outros que estavam por ali; os barulinhos bizarros que meu corpo ainda enfermo ejetava pra fora; a voz rascante de Van Morrison, emocionada e emocionante, surpreendente a cada nova audição, cantando versos como “And I will never grow so old again” e “And I'll be satisfied/Not to read in between the lines”. E no exato momento em que o irlândes dizia “And I shall drive my chariot/Down your streets and cry/'Hey, it's me, I'm dynamite”, virei meu rosto e vi Ana caminhando com uma bandeja na mão, linda, sorridente, como se já estivesse olhando pra mim faz tempo, certa de que eu estava “demais” naquele espaço-tempo ou talvez em outro lugar. Que momento! Que equação: Japão + MacDonald’s + Van Morrison + Ana = Julio mais um tantinho feliz!


quarta-feira, janeiro 12, 2011

powell e pressburger

Desde ontem, o CCBB abriga uma mostra bem legal com os filmes de Michael Powel e Emeric Pressburger. "A tortura do medo" (Peeping Tom, 1960) é um dos meus filmes favoritos. Veja a programação aqui.

terça-feira, janeiro 11, 2011

cineclube

Dia 13, quinta, tem cineclube da Cinética lá no IMS. Às 16h30 será exibido o "A vida sobre a terra" (1998), de Abderrahmane Sissako. Às 17h45 será a vez de "Plataforma" (2000), de Jia Zhang Ke. Apareçam por lá.

quinta-feira, janeiro 06, 2011

thin lizzy

Outro dia, vivi um daqueles momentos mágicos. Estava em Foz do Iguaçu. Eu, minha mulher e um amigo, andávamos à noite por uma rua deserta, a caminho do hotel. A alguns metros, três jovens conversavam e bebiam cerveja. Um deles, o mais alto, com alguns quilos a mais, me viu, arregalou os olhos e disse estendendo a mão na minha direção: “espera aí!”. Enquanto pensava se parava ou não, ele correu para um carro, ligou o rádio e botou “Dedication”, do Thin Lizzy, para tocar. Alto, bem alto. Eu vestia uma camisa dessa banda irlandesa. Gosto muito dessa banda e dessa camisa. Fui muito feliz naqueles segundos. O sujeito saiu do carro olhando pra mim, balançando a cabeça e sorrindo um sorriso sem fim.

“Você é da onde”, perguntou.

“Sou do Rio”, respondi.

“Aqui ninguém conhece essa banda”, continuou, ainda sorrindo e balançando a cabeça.

Eu ameacei a tirar camisa. Queria dá-la de presente. Devia isso a ele. Mas não o fiz, a camisa jamais caberia nele – hoje me arrependo disso; não importava se aquela camisa cabia ou não nele.

Andando para o hotel, com “Dedication” ao fundo, um sorriso no rosto, e já com a lembrança daquela felicidade, fiquei pensando: bater na tecla da indústria cultural, da produção de cultura como mercadoria, não faz mais muito sentido hoje. Quer dizer, não é que isso não faça mais sentido, mas as coisas mudaram e insistir numa crítica baseada na idéia de uma perpetuação da lógica do mercado no consumo das mídias não dá conta do quadro em que vivemos hoje. Aquela minha felicidade só foi possível por causa dessa sociedade de mercado. Entende?

Pensei nos sociólogos Benedict Anderson e Arjun Appadurai. São caras que acordaram para o fato de que o consumo da mídia vem colecionando efeitos bem mais amplos que os da imprensa. Afinal, para além de seu sentido experiencial, prático e ao alcance de todos, a mídia atravessa os limites do estado-nação, estabelecendo laços invisíveis. Foi essa convicção que levou Anderson a criar o termo “comunidade política imaginada” para designar a idéia de “nação”. Uma nação que inventa espaços de solidariedade e constrói paulatinamente uma espécie de adesão silenciosa. A nação como um lugar de investimento e produção de desejo, um espaço de experimentação de algo que escapa a um estado de coisas demarcado pela terra física e geográfica. Uma “comunidade de sentimento”, como prefere Appadurai.



terça-feira, janeiro 04, 2011

city of sadness *****


Este filme de Hou Hsiao-hsien é incrível. Os longos planos-sequência são aqui combinados com uma montagem mais atmosférica e não linear (que daria o tom de seus filmes subseqüentes). A impressão é de que os planos jamais terminam, mas se metamorfoseiam, sempre invadindo o seguinte. O curioso é que, ao mesmo tempo em que privilegia-se uma noção de fluxo, a montagem produz a todo momento interrupções e descontinuidades temporais, espaciais, e de instâncias narrativas. A câmera quase sempre fixa e de frente para a cena parece descolada da ação que ela registra, mas os personagens sentem-se livres o suficiente para desrespeitar os limites do quadro. É como se câmera e personagens fossem auto-suficientes. E essa sensação está afinadíssima com o que se passa na tela, a história de uma nação sempre à beira da evaporação.

E mais: os enquadramentos pictóricos (quase sempre muito pensados, conscientes de si mesmos), uma certa intenção minimalista (quanto menos melhor), atuações na maioria das vezes num tom dramático acima do esperado (como se por vezes as interpretações estivessem fora de sync com as imagens), a compressão elipítica das relações interpessoais que povoam o filme, e as disjunções provocadas pela surpreendente técnica narrativa do cineasta (sempre indo e vindo, convocando todos os personagens a darem seus testemunhos). Hsiao-hsien envolve o espectador emocionalmente, embora deixando-o intelectualmente responsável pela reconstrução das diversas camadas narrativas que desfilam pelo filme.

* fui rever este filme lá no CCBB e fiquei bem chateado quando vi que ele seria exibido em DVD...

domingo, janeiro 02, 2011

dois

Eu gostei de “O homem que grita”. Gostei do tom do filme. Não é “soco no estômago”, mas também não é evasivo. Um filme sólido, sóbrio, contido, e bem filmado. Mas não consegui entrar em “Léo e Bia”. Não sei se é bom ou ruim. Não sei se gostei ou não gostei. Não sei se entendi ou não entendi. O filme é de uma sinceridade desconcertante e é às vezes até mesmo arrogante em sua enorme ingenuidade. É um filme honesto como poucos, enbora sempre muito previsível e um tanto maniqueísta. Enfim: não consegui entrar no jogo de “Léo e Bia”.