terça-feira, junho 17, 2014

olhu nu **

Fiquei um pouco decepcionado com este filme. "Olho nu" é veloz. As músicas se sucedem vertiginosamente, bem como a presença impactante, misteriosa, indecifrável de Ney Matogrosso, que nos chega sempre em breves fragmentos, em uma espécie de estética do coito-interrompido. Joel Pizzini não nos dá tempo nem para nos instalarmos em determinada imagem nem para saborearmos certa informação biográfica.  "Olho nu" parece-me um filme em crise de identidade, entre um documentário mais biográfico-informativo e um ensaio de imagens mais expressivas e "experimentais". As aspas não são a toa. "Olho nu" funciona como versão mais "comportada" ou "conformada" (aspas, mais uma vez) de certo jogo de auto-elogio da figura transgressora e desviante do artista e de uma suposta liberdade de linguagem que soa na grande maioria das vezes como um dejá vú. Isso porque se boa parte do cinema ensaístico e experimental procurava criar efeitos estéticos de transgressão e de negação, com a finalidade de ameaçar a recepção alienada da realidade e propor novas formas de fruição, hoje, essa negação e essa proposição se tornaram por si só algo estéril, sendo apenas mais uma maneira de atrair atenção e intensificar a mesma alienação a qual desejavam inicialmente se opor.

segunda-feira, junho 16, 2014

que horas são aí? ***

Ansioso por seu novo filme ("Cães Errantes"; será mesmo que estréia no Rio?), revi não tem muito tempo "Que horas são aí?" (2001). É mesmo um belíssimo filme. Algumas cenas ficaram comigo. Hsiao-Kang batendo o relógio na passarela é uma delas. Porque ele faz aquilo? Porque rimos daquilo? Que sentido ou significado pode ser intuído a partir dali? Difícil. Aquilo é tão despropositado, sem história ou justificativas - como o choro de May em "Vive L'amour" (1994). Tsai busca sempre a erupção e a vidência do presente, da duração, da consciência deste presente e desta duração. O presente como ruptura. O presente como um impasse. O acontecimento rompe a serialidade linear, traga a história pela urgência de viver aquela situação tão aparentemente banal. Este banal, contudo, acontece e está acontecendo com uma força tal...

Penso muito também na associação com Antonioni. Em "Que horas são aí?" acompanhamos personagens solitários caminhando por quadros urbanos e arquitetônicos despersonalizados. Eles vagam vagarosamente, sem finalidades mais objetivas. Eu, contudo, não consigo ver ali somente um mundo de disjunção e incomunicabilidade, o mundo do apocalipse vindouro. Pra mim, o que fica destas sequências não é a pulverização do individuo no concreto impessoal, mas a possibilidade ao mesmo tempo latente e impossível de um encontro. O que mais impressiona neste filme é como Tsai consegue construir uma espécie delicada de suspense em que cada plano vive justamente essa possibilidade. 

sexta-feira, junho 13, 2014

heli °

É uma coisa um tanto amoral esse "Heli". "Bastardos" (2008) já era um filme bem complicado, mas este novo Amat Escalante é realmente algo deplorável, de um sadismo injustificável, de uma visão de mundo torpe, em que o homem pode apenas gerar ao outro dor, mal, horror - um horror, um mal, uma dor, claro, embaladas em uma estética rigorosa e afinada ao circuito de festivais. Para Escalante, não há nada mais a registrar do que o sofrimento. É, na verdade, algo bem previsível. Pois, aos poucos, sabemos que o que vai acontecer em cada plano é sempre o pior possível e imaginável - o pior possível e imaginável no que diz respeito aos personagens porque a imagem é sempre bonita, bem enquadrada, elegante e toma seu tempo, longo, sem cortes. Fica a dúvida: sabemos que os personagens são um pretexto, mas quem é a protagonista deste filme, a violência ou a imagem? Se pegamos a cena da tortura do cadete, como é possível entender as opções de Escalante? Expressar uma visão pessoal sobre o México atual? Colar-se a experiência do personagem? Longe disso, parece-me. O filme quer condenar a violência, ok. Mas, para fazê-lo, o cineasta decide explorá-la?! Ao longo da sessão, pensei muito em "Jaula de oro" (2013), o belíssimo e doído longa de Diego Quemada-Díez sobre três jovens da Guatemala que passam o diabo na tentativa de imigrar para os EUA. Quer dizer: não é uma questão de temáticas, mas de visão de mundo e cinema.