sexta-feira, dezembro 31, 2010

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Os meus favoritos lançados no Brasil em 2010 (a lista não está em ordem):


Machete, de Robert Rodriguez e Ethan Maniquis

Ponyo - Uma Amizade que Veio do Mar, de Hayao Myiazaki

Ervas Daninhas, de Alain Resnais

O que Resta do Tempo, de Elia Suleiman

Vincere, de Marco Bellochio

Toy Story 3, de Lee Unkrich

Minha Terra, África, de Claire Denis

À Prova de morte, de Quentin Tarantino

Sempre bella, de Manoel de Oliveira

Mother - A Busca Pela Verdade, de Joon-ho Bong

quarta-feira, dezembro 29, 2010

tetro ****


Trabalhando a partir de seu próprio roteiro - o primeiro original desde "A conversação" (1974) – Francis Ford Coppola fez uma espécie de síntese de seu cinema: um melodrama barroco sobre a trajetória doída de uma família afogada numa atmosfera incestuosa, opressiva e um tanto mitológica. “Tetro” nos apresenta personagens, diálogos e idéias um tanto complicadas. Sentimentos que de alguma maneira entendemos, embora jamais inteiramente. É cinema contemporâneo à moda antiga.

É preciso dizer, como fez o Eduardo Valente lá na Cinética, que o modo de produção elaborado por Coppola tornou-se muito mais do que apenas um modelo para se rodar um longa. “Tetro” é a confirmação de um certo rejuvenescimento de um dos cineastas mais particulares do cinema americano. Claramente pensado para a tela grande, o filme foi rodado em widescreen e vídeo digital em um deslumbrante preto-e-branco por Mihai Malaimare Jr. (o mesmo de "Youth Without Youth") – Coppola andou afirmando que “Sindicato dos ladrões” (1954), de Elia Kazan, foi uma das inspirações para o visual marcado milimétricamente por espaços de luz e sombra. Vez ou outra, “Tetro” esbarra em flashbacks muito coloridos e em outra proporção de tela, aparentemente mais viscerais do que os claros e escuros do presente. Coppola põe pouco a pouco as suas idiossincrasias em jogo. “Tetro” se irmana a ópera, ao teatro, ao artifício. A fotografia isola os personagens em um espaço diegético hermético. A história cresce de maneira torta, em uma série improvável de eventos – antes do súbito aparecimento de um laptop era difícil precisar em que tempo se passa esta narrativa. O filme assume uma atmosfera irreal – a edição da faixa sonora do mestre Walter Murch (parceiro de longa data de Coppola) contribui em muito neste sentido.

“Tetro” não é a perfeição. Muito pelo contrário. Tem alguns desequilíbrios e por vezes quase desanda. O olhar de Coppola parece por vezes se sobrepor aos conflitos em cena. Em outros momentos, “Tetro” parece-nos propor novas possibilidades de misturas entre as coisas da arte e as coisas do mundo. Talvez seja mais proveitoso nos deixarmos seduzir pelas propostas deste estranho filme. Isso porque Coppola é muito sincero quanto a esta estranheza e faz dela uma espécie de bandeira, como quem filma sem saber muito bem para onde está indo, mas sem jamais perder o carinho pelos personagens e uma empolgante energia criadora.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

dá-lhe susan sontag

"No início, a arte foi provavelmente experimentada como encantamento, magia: a arte era um instrumento de ritual. (Ver, por exemplo, as pinturas rupestres de Lascaux, Altamira, Niaux, La Pasiega, etc.) A primeira teoria da arte, a dos filósofos gregos, propunha a arte como mimese, imitação da reali¬dade.

Foi neste momento que se colocou a questão peculiar do valor da arte. Pois a teoria mimética, por seus próprios termos, desafia a arte a justificar a si mesma.

Platão, que propôs a teoria, parece tê-lo feito com o objetivo de determinar que o valor da arte é dúbio. Como ele conside¬rava as coisas materiais comuns objetos miméticos, imitações de formas ou estruturas transcendentes, o retrato mais perfeito de uma cama seria apenas uma "imitação de uma imitação". Para Platão, a arte não é particularmente útil (o retrato de uma cama não serve para se dormir nele), nem, no sentido estrito, verdadeira. E os argumentos usados por Aristóteles em defesa da arte não contestam em realidade a idéia de Platão de que toda a arte é um elaborado trompe 1'oeil, e portanto uma mentira. Mas ele questiona a idéia da inutilidade da arte de Platão. Mentira ou não, a arte possui um certo valor, segundo Aristóteles, por constituir uma forma de terapia. A arte é útil, apesar de tudo, rebate Aristóteles, do ponto de vista medicinal por despertar e purgar as emoções perigosas.

Em Platão e Aristóteles, a teoria mimética da arte é paralela ao pressuposto de que a arte é sempre figurativa. No entanto, os defensores da teoria mimética não devem fechar os olhos à arte decorativa e abstrata. A falácia de que a arte é necessariamente "realismo" pode ser modificada ou desprezada, sem jamais tocar nos problemas delimitados pela teoria da imitação.

O fato é que, no mundo ocidental, a consciência e a reflexão sobre arte permaneceram dentro dos limites fixados pela teoria grega da arte como mimese ou representação. É em função dessa teoria que a arte enquanto tal - acima e além de determinadas obras de arte — se torna problemática e deve ser defendi¬da. E é a defesa da arte que gera a estranha concepção segundo a qual algo que aprendemos a chamar "forma" é absolutamente distinto de algo que aprendemos a chamar “conteúdo”, e a tendência bem-intencionada que torna o conteúdo essencial e a forma acessória.

Mesmo nos tempos modernos, quando a maioria dos artistas e críticos já abandonou já teoria da arte como representação de uma realidade exterior em favor da teoria da arte como expressão subjetiva, o elemento principal da teoria mimética persiste. Quer nossa concepção de obra de arte utilize o modelo do retrato, da representação (a arte como um retrato da realida¬de), quer o modelo de uma afirmação (arte como a afirmação do artista), o conteúdo ainda vem em primeiro lugar. O conteúdo pode ter mudado. Agora pode ser menos figurativo, menos lucidamente realista. Mas ainda pressupomos que a obra de arte é seu conteúdo. Ou, como se diz hoje, que uma obra de arte, por definição, diz alguma coisa. ("O que X está dizendo é..."; "O que X está tentando dizer é..."; "O que X disse é..." etc.)"

Susan Sontag em "Contra a Interpretação".

domingo, dezembro 19, 2010

machete ****

“Machete” é da ordem do mito. Mito cinematográfico. Robert Rodrigues explora a potência cinéfila do cinema que ele mais gosta e imerge em absoluto (sem saudosismo, fetiche ou complexos) na ficção. É um filme que chama atenção para si mesmo, mas sempre em uma afinação límpida com a narrativa. É algo extraordinário o que se produz aqui: a incansável sucessão de seqüências catárticas é de uma objetividade, de uma frontalidade, de uma obviedade... Tai um filme banhado em sexo, violência, música, tragédias, redenções, estratégias de identificação ...

O que me faz gostar deste filme não é sua eficiência técnico-narrativa, sua disposição em tratar de temas maiores ou menores, mas algo mais primordial quando se trata do cinema, uma certa excitação emocional que nos balança de plano a plano. O que é legal é que Rodrigues carrega consigo nessa aposta diversos familiares (as gêmeas que já estavam presentes em “Planeta Terror” são sobrinhas do cineasta e seu primo co-assina o roteiro) e amigos (o médico de “Planeta terror” e “Machete” é o médico de Rodrigues, e a trilha deste filme é assinada pela banda do realizador). E assim o cinema fica tão grande!

O Francis Vogner dos Reis disse que “Planeta Terror” seria uma espécie de “pérola pop de vanguarda”. Isso também vale para “Machete”! Pois por trás de sua aparência pop e trash, este filme é um verdadeiro exercício conceitual, um experimento um tanto radical. Aliás, é preciso esclarecer uma coisa: “Machete” não é trash, como a preguiça dos jornalistas insiste em sublinhar. Se pensarmos nessas categorias tão em voga nos anos 80 (trash, camp e kitsch), o filme de Rodrigues estaria mais para Camp, tal como Susan Sontag a definiu:

“Camp é um certo tipo de esteticismo. É uma maneira de ver o mundo como um fenômeno estético. Essa maneira, a maneira do Camp, não se refere à beleza, mas ao grau de artifício, de estilização”. Ou: “O Camp vê tudo entre aspas. Não é uma lâmpada, mas uma ‘lâmpada’, não uma mulher, mas uma ‘mulher’. Perceber p Camp em objetos e pessoas é entender que Ser é Representar um papel. É a maior extensão, em termos de sensibilidade, da metáfora da vida como teatro”. E mais: “O gosto Camp dá as costas ao eixo bom-ruim do julgamento estético comum. O camp não inverte as coisas. Não argumenta que o bom é ruim, ou que o ruim é bom. Ele apresenta como arte (e vida) um conjunto de padrões diferente, suplementar”. E ainda: “A questão fundamental do Camp é destronar o sério. O Camp é jocoso, anti-sério. Mais precisamente, o Camp envolve uma nova e mais complexa relação com o ‘sério’. Pode-se ser sério a respeito do frívolo, e frívolo a respeito do sério”.

E por fim: “As experiências do Camp baseiam-se na grande descoberta de que a sensibilidade da cultura erudita não possui o monopólio do refinamento. O Camp afirma que o bom gosto não é simplesmente bom gosto; que existe, em realidade, um bom gosto do mau gosto. A descoberta do bom gosto do mau gosto pode ser bastante liberadora. O homem que insiste nos prazeres elevados e sérios está se privando do prazer; está sempre limitando aquilo que poderia gozar, no constante exercício do seu bom gosto acaba, por assim dizer, atribuindo-se um valor que o exclui do mercado. Nesse caso, o gosto Camp sucede ao bom gosto como um hedonismo audacioso e espirituoso. Torna jovial o homem de bom de gosto, quando antes corria o risco de se frustrar cronicamente. É bom para a digestão”.

sexta-feira, dezembro 17, 2010

godard


“Filme Socialismo” é um filme de Godard. É um ataque de signos e símbolos, uma espécie anárquica de mise-en-abîme, o anti-espetáculo por excelência. Mas, por mais que esse filme seja por vezes apaixonante, revelador, surpreendente, algo não me atrai nele.... Em Godard, a imagem dever se dar como presença imediata. Essa convicção nasceu ao mesmo tempo de uma teorização do real no cinema, mas também da certeza de que a imagem é sempre um elemento de um discurso, uma manifestação a ser decifrada, desconstruída. Godard explora ao desespero a idéia de uma leitura das imagens. E embora alimente uma valorização da presença sensível dos corpos, suas imagens permanecem inteiramente coladas a discursos, são feitas para serem lidas. E isso tem mesmo me incomodado, o desejo intransigente pelo antagonismo, a necessidade de se fazer oposição a um estado de coisas midiático ou espetaculoso...

Duas entrevistas com o homi: 1 e 2.

terça-feira, dezembro 14, 2010

segunda-feira, dezembro 13, 2010

eastbound & down

Outro programa incrível na HBO: “Eastbound & Down”. A série (a terceira temporada começa no próximo ano) gira em torno de Kenny Powers, um ex-atleta de baseball que depois de altos e baixos na liga profissional americana acaba voltando para a sua cidade natal para trabalhar na escola onde estudou como professor de educação física. “Eastbound & Down” é uma comédia triste. E Kenny é um personagem em tanto. Ele é estúpido, ignorante, individualista, melodramático, carismático, honesto, radical. Ele é auto-confiante ao ponto da arrogância, um súdito magestoso que pega todas as mulheres, usa as mais variadas drogas e só faz o aquilo que lhe der na veneta. Kenny é, em uma palavra, intenso (vejam uma de suas frases: “eu tenho que começar a chupar o pau dos meus sonhos”). E com ajuda do brilhante ator Danny McBride, os cineastas David Gordon Green e Jody Hill vão aonde Kenny for, do ridículo ao sublime.

Andei pensando. Kenny é feito de clichês. Mas tudo é tão genuíno, tão verdadeiro. Isso é curioso. Se de um lado, esses clichês aparecem como realmente são, ou seja, puro espectro, do outro, eles dizem respeito a quem é aquele personagem. Os clichês não são camisas de força para Kenny, não são a superfície enganosa de uma interioridade inconsciente. Muito pelo contrário. Kenny é pura potência. Esses clichês são como premissas, pontos de partida para algo que se dá ali, no decorrer do plano, enquanto o personagem respira, afeta e é afetado.

Além de tudo isso, a trilha é genial. Uma alma caridosa compilou as músicas e colocou tudo para baixar no Torrent. É só clicar nesse link.

Vejam também este clipe com erros de gravações e as participações especialíssimas de Will Ferrel e Craig Robinson.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

walking dead

Eu tenho visto com prazer a série do Frank Darabont, “The Walking Dead”. Como no incrível “O nevoeiro” (2009), Darabont dá um show de mise-en-scène, faz o que quer com um plano, mas sem jamais poupar o espectador de um certo desconforto que, na verdade, nos coloca diante do drama que está sendo filmado. Eu conheço a HQ homônima original de Robert Kirkman. Esse desconforto está lá nos quadrinhos. Darabont, no entanto, faz da experimentação desse desconforto uma espécie de pedagogia. Vejam: um personagem racista, machista, violento e individualista espanca um outro personagem e ameaça os restantes. Não tem jeito, passo instantaneamente a não gostar dele. Torço para que ele se dê mal. Pois o mocinho da série consegue algemá-lo a uma barra de ferro. Sinto-me contente. O personagem preso, no entanto, terá um final trágico, trágico a ponto de fazer com que eu sinta culpa pelo que havia inicialmente desejado. Essa “estratégia” narrativa e moral é sorrateiramente reiterada à todo momento. Darabont nos aproxima do que é mostrado e nos recomenda não cair na tentação da identificação ou do julgamento de um personagem ou uma situação. Quem é você, espectador, para se achar no direito de aprovar ou desaprovar as ações que nos são encenadas?! Preste atenção, apenas!

A primeira temporada, com apenas 6 episódios, termina esta semana. Como “The Walking Dead” vem sendo um sucesso de audiência no mundo inteiro, é bem provável que nós tenhamos uma segunda temporada no ano que vem.

Vejam o trailer:

sábado, dezembro 04, 2010

a vida durante a guerra *

Se em “Storytelling” (2004) e “Palindromes” (2001), Todd Solondz parecia almejar temas e questões maiores, “A vida durante a guerra” retoma “Felicidade” – mas sem mais aquele "frescor" de novidade que embriagou meio mundo cinematográfico. Solondz enxerga seus personagens como estudos de caso. Eles clamam por atenção, pintados sempre cores fortes. Uma criança diz a mãe que o rivotril dela havia acabado. A mãe manda a menina buscar outro frasco no banheiro. Fora do quadro, a criança grita não estar encontrando o rivotril. Sua mãe lista então uma série de remédios tarja preta à altura da filha. Ok: há um problema sério de medicação infantil nos EUA, mas Solondz o sublinha de tal maneira que a crítica acaba virando cinismo.

Os seus personagens jamais serão merecedores de nossa compaixão. O mesmo já acontecia lá em 1998 com “Felicidade”. Em um filme em que esbarrávamos em questões como pedofilia, suicídio, assassinato, masturbação, divórcio, Solondz testava os nossos limites. Cineasta e espectador se dão as mãos, rimos juntos de toda aquela gente. Solondz nunca perde a oportunidade de uma piada a respeito de um personagem. A mais cruel delas vem lá pela metade do filme, quando Joy deixa uma mensagem na secretária de Allen. Ela admite ter cometido um erro ao tê-lo deixado e expressa seu desejo por reatar o casamento. Enquanto isso, em uma vagarosa panorâmica, a câmera nos mostra Allen deitado no chão em meio ao seu próprio sangue, logo após o suicídio. E estamos falando de um filme ostensivamente sobre o perdão.

É preciso dizer, no entanto, que Solondz permanece um ótimo diretor de atores. Alison Janney, Shirley Henderson, e, principalmente, Ciarán Hinds, não me deixam mentir. É também acertada a fotografia de Ed Lachman. Os longas de Solondz nunca foram distinguidos pelo seu estilo visual. Muito pelo contrário. Mas “A vida durante a guerra” sabe tirar bom proveito de uma certa artificialidade da tecnologia digital – embora o filme seja essencialmente uma série de conversas e a forma com a qual Solondz enquadra (a aposta é nos closes) e edita esses diálogos (sempre, religiosamente, no campo, contra-campo) demonstre suas fraquezas como diretor.

"Algumas pessoas vão, naturalmente, acusar-me de misantropia e cinismo", disse Solondz no Festival de Veneza (onde o filme levou o prêmio de melhor roteiro). "Não posso celebrar a humanidade e eu não estou aqui para induzir a as pessoas a pensarem como eu. Só quero expor algumas verdades”. Mas vem cá: que verdades são essas? Que criminosos não conseguem deixar o crime? Que os que seguem famosos são vazios e sem personalidade? Este é um cinema de catarse disfarçado de cinema de revelações.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

quarta-feira, dezembro 01, 2010

jornalismo

É impressionate o triunfalismo da cobertura feita pela Globo dos eventos violentos que marcaram estes últimos dias na cidade do Rio de Janeiro. Vejam só algumas das manchetes desta semana: "O Rio mostrou que é possível"A Senhora Liberdade Abriu as Asas Sobre Nós", "O Rio é nosso", etc. Isso, definitivamente, não é jornalismo, mas outra coisa. Está mais para a imprensa americana durante a segunda guerra do golfo, cobrindo o conflito direto dos tanques americanos. Enfim... Enquanto isso, leiam aí o Ricardo Calil, o Muniz Sodré e o Luiz Eduardo Soares.