quarta-feira, dezembro 29, 2010

tetro ****


Trabalhando a partir de seu próprio roteiro - o primeiro original desde "A conversação" (1974) – Francis Ford Coppola fez uma espécie de síntese de seu cinema: um melodrama barroco sobre a trajetória doída de uma família afogada numa atmosfera incestuosa, opressiva e um tanto mitológica. “Tetro” nos apresenta personagens, diálogos e idéias um tanto complicadas. Sentimentos que de alguma maneira entendemos, embora jamais inteiramente. É cinema contemporâneo à moda antiga.

É preciso dizer, como fez o Eduardo Valente lá na Cinética, que o modo de produção elaborado por Coppola tornou-se muito mais do que apenas um modelo para se rodar um longa. “Tetro” é a confirmação de um certo rejuvenescimento de um dos cineastas mais particulares do cinema americano. Claramente pensado para a tela grande, o filme foi rodado em widescreen e vídeo digital em um deslumbrante preto-e-branco por Mihai Malaimare Jr. (o mesmo de "Youth Without Youth") – Coppola andou afirmando que “Sindicato dos ladrões” (1954), de Elia Kazan, foi uma das inspirações para o visual marcado milimétricamente por espaços de luz e sombra. Vez ou outra, “Tetro” esbarra em flashbacks muito coloridos e em outra proporção de tela, aparentemente mais viscerais do que os claros e escuros do presente. Coppola põe pouco a pouco as suas idiossincrasias em jogo. “Tetro” se irmana a ópera, ao teatro, ao artifício. A fotografia isola os personagens em um espaço diegético hermético. A história cresce de maneira torta, em uma série improvável de eventos – antes do súbito aparecimento de um laptop era difícil precisar em que tempo se passa esta narrativa. O filme assume uma atmosfera irreal – a edição da faixa sonora do mestre Walter Murch (parceiro de longa data de Coppola) contribui em muito neste sentido.

“Tetro” não é a perfeição. Muito pelo contrário. Tem alguns desequilíbrios e por vezes quase desanda. O olhar de Coppola parece por vezes se sobrepor aos conflitos em cena. Em outros momentos, “Tetro” parece-nos propor novas possibilidades de misturas entre as coisas da arte e as coisas do mundo. Talvez seja mais proveitoso nos deixarmos seduzir pelas propostas deste estranho filme. Isso porque Coppola é muito sincero quanto a esta estranheza e faz dela uma espécie de bandeira, como quem filma sem saber muito bem para onde está indo, mas sem jamais perder o carinho pelos personagens e uma empolgante energia criadora.

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