domingo, dezembro 19, 2010

machete ****

“Machete” é da ordem do mito. Mito cinematográfico. Robert Rodrigues explora a potência cinéfila do cinema que ele mais gosta e imerge em absoluto (sem saudosismo, fetiche ou complexos) na ficção. É um filme que chama atenção para si mesmo, mas sempre em uma afinação límpida com a narrativa. É algo extraordinário o que se produz aqui: a incansável sucessão de seqüências catárticas é de uma objetividade, de uma frontalidade, de uma obviedade... Tai um filme banhado em sexo, violência, música, tragédias, redenções, estratégias de identificação ...

O que me faz gostar deste filme não é sua eficiência técnico-narrativa, sua disposição em tratar de temas maiores ou menores, mas algo mais primordial quando se trata do cinema, uma certa excitação emocional que nos balança de plano a plano. O que é legal é que Rodrigues carrega consigo nessa aposta diversos familiares (as gêmeas que já estavam presentes em “Planeta Terror” são sobrinhas do cineasta e seu primo co-assina o roteiro) e amigos (o médico de “Planeta terror” e “Machete” é o médico de Rodrigues, e a trilha deste filme é assinada pela banda do realizador). E assim o cinema fica tão grande!

O Francis Vogner dos Reis disse que “Planeta Terror” seria uma espécie de “pérola pop de vanguarda”. Isso também vale para “Machete”! Pois por trás de sua aparência pop e trash, este filme é um verdadeiro exercício conceitual, um experimento um tanto radical. Aliás, é preciso esclarecer uma coisa: “Machete” não é trash, como a preguiça dos jornalistas insiste em sublinhar. Se pensarmos nessas categorias tão em voga nos anos 80 (trash, camp e kitsch), o filme de Rodrigues estaria mais para Camp, tal como Susan Sontag a definiu:

“Camp é um certo tipo de esteticismo. É uma maneira de ver o mundo como um fenômeno estético. Essa maneira, a maneira do Camp, não se refere à beleza, mas ao grau de artifício, de estilização”. Ou: “O Camp vê tudo entre aspas. Não é uma lâmpada, mas uma ‘lâmpada’, não uma mulher, mas uma ‘mulher’. Perceber p Camp em objetos e pessoas é entender que Ser é Representar um papel. É a maior extensão, em termos de sensibilidade, da metáfora da vida como teatro”. E mais: “O gosto Camp dá as costas ao eixo bom-ruim do julgamento estético comum. O camp não inverte as coisas. Não argumenta que o bom é ruim, ou que o ruim é bom. Ele apresenta como arte (e vida) um conjunto de padrões diferente, suplementar”. E ainda: “A questão fundamental do Camp é destronar o sério. O Camp é jocoso, anti-sério. Mais precisamente, o Camp envolve uma nova e mais complexa relação com o ‘sério’. Pode-se ser sério a respeito do frívolo, e frívolo a respeito do sério”.

E por fim: “As experiências do Camp baseiam-se na grande descoberta de que a sensibilidade da cultura erudita não possui o monopólio do refinamento. O Camp afirma que o bom gosto não é simplesmente bom gosto; que existe, em realidade, um bom gosto do mau gosto. A descoberta do bom gosto do mau gosto pode ser bastante liberadora. O homem que insiste nos prazeres elevados e sérios está se privando do prazer; está sempre limitando aquilo que poderia gozar, no constante exercício do seu bom gosto acaba, por assim dizer, atribuindo-se um valor que o exclui do mercado. Nesse caso, o gosto Camp sucede ao bom gosto como um hedonismo audacioso e espirituoso. Torna jovial o homem de bom de gosto, quando antes corria o risco de se frustrar cronicamente. É bom para a digestão”.

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