domingo, dezembro 17, 2006

Labirinto do Fauno ***


Nascido no México, Guillermo del Toro é um hoje um dos cineastas mais famosos e interessantes do gênero fantástico – um “rotulo” que ele aprecia, embora seus filmes tenham aspectos que talvez os afastem de um uso, digamos, mais radical do termo. Fundindo elementos do cinema de gênero com um humor negro e um sentido impecável de ritmo, Del Toro tem desenvolvido uma filmografia bilíngüe (“Cronos”, “Blade II”, “A espinha do diabo”) e eqüidistante tanto das superproduções hollywoodianas, quanto do dito cinema independente. Após recusar a direção de “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban” (2004) e as “Crônicas de Nárnia” (2005) (e seus respectivos universos fantásticos benignos), Del toro fez de “El labirinto Del Fauno”, seu mais novo trabalho, uma espécie de declaração de princípios, reafirmando seu cinema como uma profissão de fé no poder da fantasia (que aqui não é sinônimo de inocência, e pode se mostrar em toda sua “maldade”).

Para Del Toro, o fascismo (no caso o de Franco) é antes de tudo uma forma de perversão da inocência. O fascismo é a própria representação do horror, e assim sendo, possui em si um elemento essencial para a construção de fábulas adultas. Na verdade, as referências ao franquismo e toda a idéia do fabular como forma de resistência já existia em “A espinha do diabo”. Em ambos os longas o realizador faz uma combinação de drama histórico bem particular, mesclando melodrama com o cinema fantástico, e muito suspense. Entretanto, enquanto no filme de 2001, Del Toro sempre perdia a mão quando rumava na direção dos adultos, em “El labirinto” o cineasta alterna magistralmente as aventuras de Ofélia com a brutalidade da vida real de maneira que ambas dimensões se refletem e se influenciam mutuamente.

Em “Labirinto”, não há como separar a fábula da realidade. Del Toro parece usar o cinema fantástico como um instrumento para se lidar com a realidade, desnudando a fábula como uma ferramenta de mitificação política. É claro que há um aspecto de fuga nesse movimento. Mas não sei se a fábula seria realmente uma espécie de válvula de escape de um mundo violento. Acho que não é exatamente isso. Então, tendo a discordar do Cléber Eduardo quando ele diz que a fantasia seria uma forma de resistência/fuga à realidade, que haveria uma similaridade entre o refúgio da menina em sua imaginação e a guerrilha em sua luta contra Franco.

Um grande estúdio americano teria possivelmente insistido na supremacia da fantasia sobre a realidade – de preferência com os adultos se reencontrando com o lado mágico que perderam. Em “El labirinto” isso se dá de maneira diferente. Ofélia é quem terá de encontrar maturidade para reclamar seu espaço. Apesar do acesso à fantasia, a menina terá de aprender sobre as crueldades do mundo em que vive - num belo contra-exemplo à tentativa de esconder da criança a realidade dos campos de concentração em “A vida é bela”. No fim das contas, dois finais se apresentam. E o espectador não optará impunemente. Embora escolher a fantasia não seja não escolher a realidade (e vice-versa). Por fim, como bem aponto o Eduardo Valente, faz muito bem ao cinema afirmar a possibilidade de uma produção de gênero não hollywoodiana falada em espanhol.

4 comentários:

Anônimo disse...

Só três estrelas??

Enfim, gostei da sua comparação com A Vida é Bela!

Julio Bezerra disse...

Pois é... merece quatro!

Anônimo disse...

É incrível! toda vez que eu vejo um filme de Guillermo del Toro e aprecio suas criaturas em cena, lembro de Joe Dante. Será proposital? Ambos são execelentes no que fazem, é claro (longe de mim querer privilegiar um em detrimento do outro), mas sempre fico com essa pulga atrás da orelha. Será que del Toro conhece a cineamtografica de Dante ou trata-se apenas de uma coincidência? Abraços do crítico da caverna.

Julio Bezerra disse...

Roberto,

Tua comparação me fez pensar bastante. Del Toro deve conhecer o cinema de Dante. Ambos têm um gosto pelo fantástico e por uma relação complexa entre violência e inocência. Ambos nutrem uma enorme atração pela dita “baixa cultura”, uma enorme habilidade em juntar “mau gosto” e sofisticação. Ambos falam da liberdade de desobedecer e pensam o cinema como um ato eminentemente político. E eles também não parecem interessados exatamente numa desconstrução de gêneros...

Mas o Del Toro é um esteta, está mais para o fabular do que para o fantástico, mais para o horror do que para a violência. E seu cinema me parece alimentado por uma fé na possibilidade da transformação que não vejo no Dante. E este está mais para a investigação da sociedade americana, para os efeitos especiais, para os desenhos animados, além de uma enorme sutileza no tratamento político (“Pequenos guerreiros” é foda) e uma veia cômica negra e incorrigível.

É assunto para posts futuros. Com certeza.