quarta-feira, outubro 10, 2007

outros cinco

O festival chegou ao fim. Ando meio completamente sem tempo, mas continuarei postando por aqui sobre os filmes que vi.

ps: queria recomendar a cobertura do festival feita pelo Cinecasulofilia.



I'm a Cyborg but that's ok *

“I'm a Cyborg but that's ok” me parece ser um filme com um desejo mais popular do que os anteriores de Park Chan-Wook (“Old boy”, “Lady vingança”). O coreano parece buscar um filme família, dando destaque para um cantor de música pop coreana chamado Rain (um dos protagonistas). Talvez o procedimento que mais gera interesse seja também aquele que torna o filme tão previsível. “Cyborg” transita muito bem da câmera subjetiva da protagonista para a terceira pessoa, conseguindo alguns momentos sedutores mesmo. Mas isso aos poucos vai quebrando o feitiço. Chan-Wook vai paulatinamente descortinando todas as nuances e ambigüidades que sua premissa absurda trazia consigo. No mais, o filme me parece um tanto fútil como retrato da loucura. Ou seja: não é um filme louco, sobre os loucos ou com os loucos.

Mundo livre *

Atualmente, vejo os filmes de Ken Loach com a única e exclusiva razão de implicar com o meu pai, fã do cinema do inglês. É engraçado: depois do filme, meu pai acaba sempre (ou quase) concordando comigo. Acho que o apreço dele pelo cinema de Loach passa certamente por uma questão geracional e pela simpatia que ele tem pela verve política do cineasta. Não é que Loach seja um péssimo realizador. Aliás, esta é uma idiossincrasia da crítica de Internet brasileira que simplesmente não gosta do cara (uma implicância em geral não confessada). É verdade que seus filmes chafurdam num esquematismo um tanto irritante, mas não são as bombas que muitos dizem por aí. Na verdade, as críticas parecem mais interessadas em combater os posicionamentos políticos do diretor, sua visão de mundo, do que pensar mais propriamente como essas premissas parecem por vezes prescindir ao filme, engessá-lo. O problema não é (do ponto de vista cinematográfico) as idéias (que, por sua vez, não são desinteressantes como dizem) de Loach, mas sua artesania. E neste sentido, ele é no máximo competente, com uma dramaturgia em geral frágil e extremamente convencional.

“Mundo livre” guarda algumas diferenças para com os filmes mais recentes de Loach. Dessa vez, a história não é vista pelos olhos dos explorados. A personagem principal, Angie (Kierston Wareing) dirige uma agência de empregos e o longa acompanha a sua trajetória de extrema e crescente promiscuidade com a ilegalidade. Apesar das viradas dramáticas deixarem no ar um tom um tanto melodramático, o desenvolvimento da personagem não me pareceu forçado ou arbitrário. Muito pelo contrário, o longa parece alimentar uma certa ambigüidade em relação a protagonista até o fim. O que seria um avanço se a interpretação de Wareing fosse um pouco melhor.

Sonhando acordado **

Não entendo a recepção tão negativa em relação a esse filme. É verdade que o roteirista Charlie Kaufman faz falta. No fim das contas, as construções de “Sonhando acordo” parecem meio aleatórias mesmo. O caos aqui parece por vezes completamente desordenado. Em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004), Michel Gondry servia e potencializava um roteiro extremamente rigoroso em seus desenvolvimentos e propósitos. Já “Sonhando acordado” não diz exatamente ao que veio. Mas acho bem legal a recusa ao CGI e o uso de técnicas como o stop motion. Gondry e equipe conseguem uma textura onírica, e atmosfera visual de fantasia funciona com muita sedução. Ou seja: pra mim, o saldo é positivo.

Ah... outra coisa: Gael Garcia Bernal está bem, mas o personagem parece às vezes mais idiota do que sonhador (só não dá pra saber se isso vem do roteiro ou da própria atuação de Bernal).

Nascido e criado **

Gosto muito mesmo de Pablo Trapero (“El Bonaerense” “Família rodante”). O cineasta argentino se centra sempre em personagens deslocados, perdidos, agentes passivos mergulhados num contexto ao qual não pertencem. Em seus filmes há sempre uma viajem, veículos de expressão para seus personagens. Não é diferente em “Nascido em criado”. Embora mais discreto do que nos trabalhos anteriores, é ótimo o cinemascope de Guillermo Nieto, sublinhando os contornos um tanto opressivos da enormidade branca da paisagem. Trapero faz da Patagônia um reflexo do estado emocional de Santiago (Guillermo Pfening). Trapero impregna o filme com essa paisagem/atmosfera fria e inóspita, olhando com cuidado para os personagens esquecidos que por ali insistem em viver.

A história está lá, mas apenas como ponto de partida. E isso se percebe claramente para o bem e para o mal. Trapero é no máximo competente quando o filme demanda uma dimensão narrativa. No entanto, naquilo que realmente lhe interessa, essa espécie de comunhão e testemunha de um personagem e suas experiências, o realizador é mais uma vez brilhante. E o curioso é que em meio há tanto sofrimento, “Nascido e criado” é um longa à disposição da vida. Toda a seqüência da despedida de solteiro de Robert (Federico Esquerro) é impressionante. Apesar da construção dramática me parecer um tanto frágil, Trapero consegue fazer com que cada seqüência tenha seus respectivos elementos, conflitos, e detalhes por vezes fascinantes. Triste é o fato de “Nascido e criado” perder muito de sua força com um final conclusivo e muito pouco convincente. A admiração persiste, mas confesso uma ponta de decepção.

For your consideration ***

Christopher Guest é mestre num certo tipo de humor, capaz de trazer todos os elementos de um filme para uma órbita cômica bem particular. Guest é extremamente cuidadoso na construção de seus personagens, figuras quase sempre atormentadas por decepções. E, na verdade, o tom humorístico de seus filmes vem destes seus personagens e suas desilusões demasiado humanas. Por sua vez, “For your consideration” é um longa de insiders da industria hollywoodiana, mas com uma perspectiva outsider. E este é um movimento curioso. Ao mesmo tempo em que ironiza a indústria, “For your consideration” faz dela a sua própria imagem. Trabalhando com a mesma trupe de atores, o cineasta consegue ótimas atuações e talvez peque apenas por uma certa previsibilidade e pela falta de ritmo aqui e ali. Mas, definitivamente, Guest é um realizador subestimado.

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