quinta-feira, maio 08, 2008

dois brasileiros


Chega de Saudade **1/2

Gostei de “Chega de Saudade”. Concordo que em alguns momentos há racionalismo demais na busca por uma fluidez, por uma autenticidade. O roteiro acaba se fazendo presente em diversas seqüências. Na verdade, o roteiro é mesmo um pouco esquemático na maneira pela qual traça as ilustrações musicais, pelo fato de quase todos os personagens e seus conflitos terem de ser verbalizados (com a exceção do Marquinhos, em boa atuação do Paulo Vilhena). Pode-se se dizer também que os demais casais acabam não sendo tão vibrantes como o de Villhena/Flor e Nercessiam/Kiss. Nos momentos em que Alberto, o personagem de Leonardo Vilar, evoca seu passado, o filme assume um outro registro, interrompendo um pouco a fluência da narrativa. O amigo Marcelo Ikeda ainda levanta uma questão pertinente: talvez aquela câmera fluida do Walter Carvalho esteja em um certo desacordo com o “público-alvo” do filme.

No entanto, gostei de “Chega de saudade”. Fui mesmo envolvido pelo filme. Laiz Bodanzky opera sempre no risco dramático, e, assim como em “Bicho de sete cabeças”, “Chega de saudade” flui sedutor pelo espaço, trabalha com cortes adocicados e cheios de sugestões, em uma narrativa ágil. A montagem de Paulo Sacramento costura tudo no ritmo da música, ora um samba, ora bolero. Acompanhamos de perto o drama que envolve os personagens de Maria Flor, Vilhena, Cássia Kiss e Nercessian (em grande atuação). O ciúme do jovem Marquinhos diante do pé de valsa e bom de lábia Eudes, e a insegurança solitária de Marici perante a beleza ingênua de Bel são conduzidos com muita sensualidade e ambigüidade. A personagem de Maria Flor me parece bem delineada, cumprindo uma função toda particular dentro da estrutura do filme, funcionando como uma espécie de guia do espectador por aquele universo. Acho legal também como Bodanzky e sua equipe fazem transbordar libido nesse baile. Os personagens parecem por vezes adolescentes, mas sem aquelas ansiedades ou ingenuidades.

Falsa Loura ****

Carlos Reichenbach alimenta uma descrença no centro, em um Brasil oficial e na representação que dele é feita. Como disse certa vez o crítico Inácio Araújo, o seu cinema sempre entra pela porta dos fundos, pela entrada de serviço, onde flagramos aquilo que nosso país ou cidade parecem empenhados em esconder. Carlão faz um cinema eminentemente ético, sem um glamour especial, sem um appeal programado, mas libertário, emocionado e emocionante. Carlão tem fé no cinema. A cada filme, um novo universo de personagens e suas excentricidades, e a mesma generosidade de sempre. Este “Falsa Loura” está certamente entre seus melhores filmes.

Aos poucos, Reichenbach nos apresenta e nos aproxima dos personagens, mostra suas contradições e explora sempre o inusitado de um universo recheado de clichês. E estes clichês preenchem o universo destas mulheres. Mais uma vez, destaca-se a total adesão do realizador aos caminhos da protagonista. Reichenbach acredita em sua personagem, concede a ela o direito de errar sozinha.

Percebe-se também que, em relação a “Garotas de ABC” e “Bens Confiscados”, “Falsa Loura” declara de maneira mais explícita os seus artifícios - talvez esta opção esteja intimamente relacionada com o movimento do filme, que trata de personagens repletos de máscaras. A fotografia de Jacob Solitrenick e a montagem de Cristina Amaral contribuem também para a construção de um sentido que abraça o acidental e a imperfeição. É o caso, por exemplo, da belíssima primeira cena do filme.

“Falsa Loura” pertence à família dos longas femininos de Carlão, como "Lilian M" (1974) e "Anjos do Arrabalde" (1986) - lembra também o “A moça com a valise” (1961) de Valerio Zurlini, um cineasta por quem Reichenbach é confessadamente influenciado. São filmes que transbordam um fascínio por mulheres proletárias e seus confrontos cotidianos com a vida. Silmara pertence a esta estirpe de heroínas, sempre à beira do abismo. Vítimas das circunstâncias que insistem em não se entregar a elas. Talvez a diferença seja a incrível simbiose entre a generosidade estética e uma visão dura e crítica em relação aos devaneios da protagonista. “Falsa Loura” é um conto moral, sem nunca ser moralista. O filme é cruel, mas nunca deixa de ser generoso e solidário em relação às opções de Silmara.

2 comentários:

Cinecasulófilo disse...

ei, deixe de ver esses filmes brasileiros e mande os comentarios do bafici heheeh um abraço

Julio Bezerra disse...

rapaz, meu texto sobre o bafici foi publicado lá na Cinética. Vou linká-lo aqui no Kinos.