sábado, setembro 06, 2008

grande stroheim

ouro e maldição *****

“Ouro e Maldição” é mesmo um filme estupendo. É também um dos maiores mitos da sétima arte: o melhor e mais famoso filme perdido de todos os tempos. A história é notória. Stroheim começou a trabalhar na adaptação do romance naturalista McTeague (1899), de Frank Norris em 1923 sob a batuta da Metro-Goldwyn-Mayer. Foram rodados ao todo 446 rolos de filme. A primeira versão editada pelo diretor, segundo diz a lenda, variava entre 42 e 47 rolos, entre 8 e 10 horas. Aos poucos, a MGM tirou o filme das mãos de Stroheim e lançou uma versão de 130 minutos, a que conhecemos hoje. O resto do material filmado acabou sendo queimado pelo estúdio anos depois para vender as quantidades ínfimas de prata extraíveis a partir do nitrato com que se fazia os negativos. E Stroheim nunca viu a versão exibida comercialmente.

Ainda, apesar de todas as mutilações e violências que sofreu e que são visíveis no filme (falta de transição entre a tímida e recém casada Trina e sua subseqüente deterioração como uma avarenta desmiolada, por exemplo), “Ouro e maldição” é estupendo. O filme já começa brilhante. Os personagens nos são apresentados e episódios se sucedem sem que você perceba uma exata correlação entre eles. De repente, num piscar de olhos, tudo se encaixa. O cineasta também é mais perceptivo em relação aos detalhes. A mise-em-scene dedica um olhar à trama em nível “microscópico”. Os três personagens principais são recheados de nuances de comportamento muito amplas, algo talvez inédito no cinema mudo.

Assim como em seus outros filmes, Stroheim explora cada episódio ao máximo de suas possibilidades dramáticas. Falando sobre o “Esposas Ingênuas” lá na “Paisá”, o Filipe Furtado disse que Stroheim filma como se estivesse comandando uma escavação. É verdade. Se pararmos, por exemplo, para comparar a mise-en-scène de Stroheim com a de outros diretores americanos da época (Griffith, Chaplin, Lubitsch, King Vidor, De Mille) o que parece extremamente moderno em “Ouro e maldição” é a multiplicidade de ângulos de câmera e dos pontos de observação em determinadas cenas. Um excelente exemplo disso é a cena noturna no consultório de Mac, quando este e a família chegam e são informados por diversos vizinhos de que Trina ganhou na loteria. Stroheim nos oferta uma espécie de mosaico de pontos de vista e interesses.

A seqüência final é uma das melhores do cinema. Em um belíssimo plano-geral, vemos a silhueta miserável do protagonista do filme algemado a um homem morto no conjunto do cenário-deserto, que pode ser observado nitidamente e que predomina na imagem. Mais do que expressar solidão ou impotência, a cena transborda uma luminosidade, uma profundidade, uma exasperação... Cinema moderno avant la lettre.

4 comentários:

Luiz disse...

Julio,

Eu vi Ouro e Maldição uma vez no Odeon. Realmente é maravilhoso.

Em tempo, conseguiu assistir a La León?

Um abraço.

Julio Bezerra disse...

Vi o La León sim. Achei meio mais ou menos. Não é o Lisandro Alonso, definitivamente.

Luiz disse...

Não, não é. Mas acho acima da média. É um esboço, um desenvolvimento do olhar. Vou ficar curioso em ver seu próximo filme.

Um abraço.

Julio Bezerra disse...

luiz,
o La Leon me pareceu recheado de certos cacoetes de um determinado cinema contemporâneo... mas também acompanharei com interesse o segundo filme dele.