terça-feira, dezembro 17, 2013

doce amianto ****

Que filme bonito. Dói-me vê-lo sair assim do circuito carioca, em apenas duas semanas, como se sequer tivesse entrado em cartaz. Dói-me porque, para além de ser comoventemente belo, é um filme que quer ser visto. Acho mesmo que caso a divulgação fosse mais presente e os exibidores um pouco mais corajosos, “Doce Amianto” encontraria seu público, fiel e apaixonado. Eu mesmo fui vê-lo sozinho pela primeira vez. Depois voltei com minha esposa e minha mãe. Elas indicaram para outras pessoas. O meu primo ouviu, gostou e indicou para os seus. Estes vão ter que esperar pelo DVD...

Amianto é um personagem diferente, afetada como o filme. Amianto é uma certa sensibilidade. Amianto é ela mesma uma espécie de artifício. É vulnerável, porém invencível. É excessiva, mas não precisa de muito. Amianto é um duplo fabular que se propaga, que se dissemina por uma vontade de narratividade, de afirmação e desejo. Amianto busca um lugar para chamar de seu. Este lugar, é preciso construí-lo, a cada fantasia, a cada afeto, a cada encontro, através do cinema. Um lugar que nem por isso deixa de ser real.

É na verdade bem curioso o fato de meu último post ter sido sobre Manoel de Oliveira e seu caso de amor pelo artifício cinematográfico. A riqueza contagiante de “Doce Amianto” é de natureza parecida. O filme exala aquela consciência de seu próprio lugar na história das formas cinematográficas, aquela noção de ter vindo depois. Algo que me lembra o diagnóstico de Alain Bergala, que, nos anos 80, usou o termo “maneirismo” para se referir ao cinema de Lars Von Trier, Win Wenders e Jim Jarmush, entre outros. “Doce Amianto” compartilha essa constatação da idade avançada do cinema e se constitui em uma espécie de inventário de formas cinematográficas. São muitas referências. São muitos artifícios. São muitas “maneiras”. O que é extremamente interessante é que tudo isso é captado na mesma textura, identificáveis, embora indiferenciáveis. Quer dizer: a constatação da idade do cinema e o inventário de formas se fazem sem peso ou dificuldade. É um amor pansexual este que “Doce Amianto” alimenta com o cinema e suas convenções. Através delas, da exploração daquilo que elas podem, busca-se novos vínculos com o mundo.

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