domingo, julho 24, 2011

singularidades de uma rapariga loura ***


É delicioso este filme de Manoel de Oliveira. “Singularidades de uma Rapariga Loura” é uma história amor, um conto sobre os enganos de uma imagem. Um filme cuja tensão nasce entre o que se mostra e o que se esconde, nas entrelinhas. Eu acho bem interessante a maneira como o cineasta sublinha o fato de cada um dos personagens verem o mundo de uma maneira diferente. Gosto muito da interação entre os personagens no trem. Os olhares enviesados dos atores. Ela aos poucos olha mais e mais nos olhos do estranho ao seu lado. É engraçado: é como se este filme fosse a conquista de um olhar, do olhar desta mulher que, como nós, é convidada a entrar na brincadeira.

Manoel de Oliveira não provoca sentimentos ou sensações. É algo de diferente ordem. É bem curioso. Vejamos a cena em que o casal se beija e a câmera corta docemente para o pé da rapariga que então se levanta para trás. Este movimento da perna da rapariga é a materialização de sentimento. É um signo. O cineasta isola o signo em seu sentido. E para fazê-lo, ele vai despindo, através das composições frontais, das atuações estilizadas, da cenografia, os excessos dramáticos ou narrativos. É um trabalho de subtração. E o que fica, curiosamente, é o artifício (e as camadas pelas quais o realizador passou para chegar até ali).

Manoel de Oliveira é um velhinho completamente fascinado por algumas das mais sedimentadas convenções da linguagem do cinema. Como disse uma vez Tag Gallagher a respeito dos Straub, o que me impressiona em algumas passagens deste filme (e do cinema todo de Manoel de Oliveira) não é a subversão às convenções consagradas, mas sua autenticidade. Parece mero jogo de palavras, mas não é. Acho importante por vezes distinguir uma coisa da outra. Manoel de Oliveira, como os Straub, não são cineastas anti-convencionais. Muito pelo contrário. Eles estão a todo momento dialogando com as maias variadas referências, algumas delas consagradas. Seus filmes são como uma árvore genealógica.

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