segunda-feira, setembro 25, 2006

A comédia do poder ***


Ostentando uma elegância ímpar em termos de mise-en-scène, “A comédia do poder” vem comprovar um percurso curioso na carreira de Claude Chabrol. Permanece a preferência por filmes “menores”, o mesmo olhar ácido sobre os hábitos da pequena burguesia francesa, e a caminhada e orquestração dos mais diversos gêneros cinematográficos. No entanto, de certa forma, “A comédia do poder” representa uma virada um tanto radical na produção recente do cineasta francês. A trama traz o famoso (na França) caso "Elf Affair" (nomeado a partir do nome de uma empresa de petróleo). Nele, a juíza Jeanne Charmant Killman (Isabelle Huppert) assume um processo complicado,que envolve fraudes e desvios de verbas. Mas não há aqui nenhuma preocupação com a progressão narrativa. Chabrol parece partir do princípio de que seu público conhece o caso de corrupção verídico que serviu de inspiração para o filme. Sendo assim, ele passeia pelas margens da história, sempre privilegiando os desafios da encenação em detrimento do tema. Chabrol está interessado nos detalhes. Volta e meia, o longa se de detém neles, e respira. Uma multiplicidade de intervenções de estilo (certos movimentos de câmera, a montagem...), empregada não de maneira gratuita, mas segundo uma lógica dupla e uma precisão diabólica, e que aos poucos colore todo o filme.

O que mais me impressionou no longa é o fato de Chabrol filmar o exercício da justiça segundo o mesmo paradigma estético de um caso familiar ou de um conflito amoroso. Todo encontro se transforma numa disputa, toda relação é pontuada pelo exercício do poder. “A comédia do poder”, parece nos quere dizer que não existe algo unitário e global chamado poder, mas unicamente formas díspares, heterogêneas, em constante transformação. O poder é aqui uma prática social. Michel Foucault já sublinhava isso, apontando para a importante e polêmica idéia de que o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. O que existem são práticas e relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona.

O filme de Chabrol também se insere numa espécie de tendência do cinema de/sobre política que questiona o próprio princípio de modelo de explicação (que por muito tempo forneciam respostas para o geral e para o particular). O cinema é, por natureza, cunhado pela política. Em “A comédia do poder” testemunhamos o potencial singular das encenações cinematográficas como formas de questionar as relações entre indivíduos, entre grupos, entre homens e mulheres... Na verdade, o conjunto dessas relações é a própria política.

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