quarta-feira, setembro 27, 2006

Find me guilty ***


Em “Find me guilty”, Sidney Lumet retorna, aos 82 anos, ao terreno do drama de tribunal. Um espaço no qual ele parece se sentir à vontade, vide “Doze homens e uma sentença” (1958) e “O veredito” (1982), entre outros. O filme trata do mais longo processo criminal da história dos Estados Unidos (21 meses ao todo), envolvendo vinte integrantes de uma das maiores famílias de mafiosos do país. Todos os acusados têm seus respectivos advogados, com a exceção de Jackie DiNorscio (Van Diesel, numa interpretação inspirada), uma figura carismática e bem humorada que, num estilo de defesa nada convencional, tentará “virar o jogo” a favor dos mafiosos.

Apesar de em termos de mise-en-scène Lumet não apresentar a mesma precisão ou ousadia de alguns de seus trabalhos anteriores (além de por vezes apelar para um certo sentimentalismo), “Find me guilty” tem muitos pontos de interesse. Ao contrário de muitos de seus longas precedentes, a batalha entre o bem e o mau é aqui pra lá de nebulosa. Sem sombra de dúvida, os réus são assassinos, ladrões, traficantes, marginais. Ninguém duvida de suas culpabilidades, e nem eles mesmos negam os delitos que cometeram. Mas no filme não os vemos fazendo nenhuma atrocidade, e eles têm DiNorscio do seu lado, esculhambando com o processo, com a acusação, com o juiz, com o júri – e, convenhamos, também não ajuda muito o fato dos advogados de acusação serem um tanto maus-caráteres. Aos poucos, o filme vai construindo, de absurdo em absurdo, uma atmosfera um tanto anarquista – reforçada ainda mais quando nos lembramos do aviso nos letreiros iniciais de que os diálogos foram quase todos literalmente reproduzidos dos autos. Na verdade, “Find me guilty” nem mais parece tratar realmente deste processo. A idéia parece ser “denunciar” um sistema que só funciona se não houver alguém como DiNorscio para apontar suas hipocrisias e buracos.

Estamos torcendo por ele? Talvez. Lumet nos deixa numa areia movediça. Andei dando uma olhada nas criticas americanas sobre o longa e muitas o acusam de passar uma mensagem pró-crime. Mas não é bem sim. Subvertendo toda uma série de convenções (presentes inclusive em sua própria filmografia), Lumet parece sugerir, em primeiro lugar, que marginais, advogados júri e juiz pertencem todos a mesma quadrilha. E ao registrar de maneira quase catártica a absolvição destes mafiosos, o cineasta declara que, neste universo falido e essencialmente corrupto, os criminosos são os que representam resquícios de honestidade, os que preservam valores tradicionais da honra e da família. Em segundo lugar, como aponta Jonathan Rosenbaum, há um aspecto brechtiniano em “Find me guilty”. Assumindo os prazeres da narrativa convencional e minimamente competente, o longa estimula o espectador a questioná-los, fazendo desse questionamento algo prazeroso. DiNorscio tenta convencer o júri de que ele tem coração. Contudo, será que ele tem mesmo? Fiel à família e aos amigos ele é. Sem dúvida. Mas também coleciona assassinatos, negociatas e outros delitos. Que tipo de crimes toleramos? Nossa convicção e crença nos acusadores vêem de suas ações? “Find me guilty” nos faz pensar, e, depois, repensar.

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