terça-feira, outubro 10, 2006

O crocodilo ***


Em “Crocodilo”, Nanni Moretti parece injetar vitalidade ao chamado “cinema de denúncia”. Completamente falido e enfrentando uma crise no casamento, o produtor de filmes B Bruno Bonomo (o magnífico Silvio Orlando) decide apostar em um roteiro intitulado “Il Caimano” entregue a ele por uma cineasta iniciante. Ele não se dá conta, a princípio, que a história é baseada na figura do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, o que vai tornar sua busca por recursos para completar a produção uma tarefa muito difícil.

Em “O crocodilo” percebemos mais uma vez o interesse de Moretti na idéia de um caminho a ser percorrido. Os personagens estão sempre em meio a mudanças incontornáveis, sempre em movimento. Dessa vez, combinando três linhas narrativas (o drama familiar do protagonista, o ataque frontal ao ex-primeiro ministro da Itália, e a tentativa de se fazer um filme sobre Berlusconi), Moretti divide seu tempo entre o melodrama e o panfleto. O mais curioso é que a ponte a ligar estas duas dimensões é o humor. E nessa passagem, alternado um tom banal e um tom austero, o cineasta italiano dá mostras de sua capacidade em combinar o itinerário individual com a crítica social e política.

Mas apesar do humor, “O crocodilo” é irônico ao ponto da amargura. Como bem definiu o Filipe Furtado, não se trata de um filme sobre o Berlusconi, mas sobre a Itália de Berlusconi. Uma Itália doente, em estado de decomposição; ilustrada pela falência múltipla de Bruno, e simbolizada pela figura de Berlusconi. Em Cannes, Moretti falou o seguinte: "Não acho que meu filme tenha perdido atualidade simplesmente porque Berlusconi não está mais no governo. Acredito que a coisa não mudou, já que, pela primeira vez na história de uma democracia, o candidato perdedor não admitiu sua derrota, atribuindo-a à fraude eleitoral e criando em seus eleitores uma sensação de roubo de seu voto que continuará criando o ódio entre as duas Itálias".

Fica, entretanto, uma questão que ainda não sei como responder. Pedro Butcher disse numa pequena nota para a "Cinética" que em “O crocodilo” Moretti tratava seu protagonista com um certo preconceito. Se no início do filme, esta observação me parecia totalmente descabida, saí da sessão com uma enorme pulga atrás da orelha. Moretti trata os filmes de Bruno como se fossem coisa de criança, como se só crianças pudessem gostar deles. E num determinado momento, o personagem confessa que realizou “filmes fascistas”. Mesmo nas críticas em que li sobre o filme, escrevem que Bruno produzia longas vagabundos. Como assim? Em “O crocodilo”, o cinema de Bruno é um cinema alienado, está do lado oposto do cinema que intenciona Teresa. O filme de Moretti, que começa com uma seqüência de um dos filmes de Bruno e termina com uma cena do longa de Teresa, poderia ser entendido como o percurso do personagem em direção a um cinema supostamente mais relevante. Não sei... terei de ver o filme novamente.

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