segunda-feira, outubro 02, 2006

The Wind that shakes the Barley **


Posts abaixo, discorria sobre Kevin Smith como uma das idiossincrasias negativas da crítica brasileira. Pois o caso se repete em Ken Loach (aqui, falo em especial da crítica da Internet). “The Wind that shakes the barley”, seu mais novo filme, ganhou a Palma de ouro em Cannes num júri formado por, entre outros, Wong Kar-wai, Lucrecia Martel e Elia Suleiman. O longa se passa na Irlanda, em 1920. Trabalhadores do interior do país se organizam para enfrentar os esquadrões britânicos que chegam para sufocar o movimento pela independência. Damien (Cillian Murphy), um jovem estudante de medicina, abandona tudo para juntar-se ao irmão Teddy (Pádraic Delaney) na luta armada. Batalhas mais tarde, os irmãos se encontrarão em lados opostos.

O longa realmente está longe de ser um grande filme, mas também não é a bomba que muitos sinalizaram por aí. “The Wind” tem todas as principais características de Loach (retórica de sobra, a política engendrando os personagens, e um convencionalismo estético), mas também traz um certo frescor e uma concepção trágica da História que muito me agrada. O comprometimento de Loach com essa espécie de dissecamento da história escondida da esquerda é extremamente importante - a simpatia só aumenta diante dos ataques da imprensa conservadora britânica (sobre o prêmio em Cannes, o “Daily Mail” lança a pergunta: “porque será que Ken Loach odeia tanto o seu país?”). Bem fotografado por Barry Ackroyd (com um belo jogo de composição entre claro e escuro nas tomadas internas), “The Wind” também confirma o talento de Loach no que diz respeito à direção de atores.

É verdade que para o realizador, cinema é, antes de tudo, uma ferramenta pedagógica. Mas não entendo qual é exatamente o problema disso. Na verdade, o didatismo de que falam os críticos produz os melhores momentos do filme. O roteirista Paul Laverty demonstra enorme talento na confecção de pungentes diálogos coloquiais. Ninguém filma discussões políticas como o cineasta inglês. Como num documentário (Loach foi extremamente influenciado pelo Free Cinema inglês (Tony Richardson, Lindsay Anderson e Karel Reisz), a câmera acompanha, atenta e sem interrupção, as acaloradas discussões, em diálogos cuja estrutura incentiva as improvisações e admite as imperfeições da fala.

O problema é colar este projeto (digamos, altruísta e um tanto audacioso) com uma dramaturgia frágil e extremamente convencional. Todas as viradas dramáticas beiram o excesso e deixam no ar um tom um tanto melodramático. E há uma total falta de sutileza na caracterização dos personagens, desprovidos de quaisquer nuances, presos num gesso político. São caricaturas mesmo. Ao espectador, não resta outra opção a não ser odiar os ingleses (sempre sádicos e brutais) e torcer pelos irlandeses (solidários e angustiados quando também têm que fazer execuções sumárias). Outra coisa que me incomoda e quase nunca é exatamente problematizada é a representação das mulheres e o papel delas nestes filmes políticos de Loach. De fato, como em outros filmes do cineasta, é possível perceber a mão de Loach tentando evitar certas digressões poéticas que poderiam dispersar o espectador. Mesmo assim, “The Wind” cresce na medida em que os irmãos entram em conflito e traz algumas boas seqüências.

No entanto, resta aqui uma problemática curiosa. Loach nasceu no cinema com um discurso contrário ao da domesticação alienante de Hollywood. Mas não estaria ele - ao não abrir caminhos interpretativos para o espectador e ao recorrer invariavelmente, filme após filme, à mesma “bula” - se aproximando paulatinamente do “inimigo”. Não sei não...

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