Sigo bem enrolado com a dissertação. Mas, enfim, bola pra frente:
Minha lista dos melhores de 2007. Os 10 primeiros e os 10 seguintes.
Top 10 (não estão em ordem de preferência)
- Em Busca da Vida - Jia Zhang-ke
- Maria - Abel Ferrara
- Medos Privados em Lugares Públicos - Alain Resnais
- Lady Chatterley - Pascale Ferran
- Tropa de Elite - José Padilha
- Os Donos da Noite - James Gray
- O Hospedeiro - Bong Joon-ho
- Jogo de Cena - Eduardo Coutinho
- Santiago – João Moreira Salles
- Anjos Exterminadores - Jean-Claude Brisseau
Outros 10 (não estão em ordem de preferência)
- Cão sem Dono - Beto Brant e Renato Ciasca
- A Comédia do Poder - Claude Chabrol
- Império dos Sonhos - David Lynch
- A Conquista da Honra - Clint Eastwood
- Cartas de Iwo Jima - Clint Eastwood
- Ligeiramente Grávidos - Judd Apatow
- Zodiaco - David Fincher
- Maria Antonieta - Sofia Coppola
- Possuídos - William Friedkin
- Estamos Bem Mesmo Sem Você - Kim Rossi Stuart
No CCBB, a Mostra de Inéditos exibe amanhã três ótimos filmes:
16h30 – Sempre Bela – Manoel de Oliveira
18h30 – Shortbus - John Cameron Mitchell
20h30 – O Sol - Alexander Sokurov
Para acessar a programação clique aqui.
Desculpem. Ando totalmente enrolado, na reta final do mestrado. Ontem passei o dia cozinhando e não deu nem pra desejar um feliz ano novo. Enfim... 2008 será diferente! Promessa de fim de ano!
Alguns filmes vistos:
Lady Chatterly *****
Belíssimo esse filme da francesa Pascale Ferran. Certamente, um dos melhores do ano. Adaptação do clássico de D. W. Lawrence, “Lady Chatterly” tem um roteiro simples: uma mulher rica que mora numa casa de campo com o marido paralítico (guerra) tem um caso com o guarda-caças da fazenda. Ferran é simples e direta: reduz a trama aos seus elementos mais básicos, abre mão de possíveis complicações dramáticas ao redor do casal, e não parece exatamente interessada em situar o filme em seu contexto histórico-social.
Ferran faz um uso curioso da trilha e explora a fundo o som ambiente. Um cinema realista e sensorial. “Lady Chatterley” é elegante em seus planos detalhes e elipses, é também doce e paciente na maneira pela qual se debruça sobre o processo de reeducação da sensibilidade do olhar pelo qual passa seus personagens. Aos poucos eles são tomados por um desejo de libertação que se desmembra em encontros com a natureza: natureza das coisas e dos corpos. Depois do primeiro encontro, Constance volta para casa e se olha nua no espelho. Em uma das belas cenas do filme, o casal toma banho de chuva e faz amor sobre a relva, para depois, na cabana dele, enfeitar seus corpos com flores e folhas. Ferran acompanha cada passo desse processo de descobertas. Em outra belíssima seqüência, pela primeira vez os dois se sentem à vontade para tirar suas roupas antes do ato sexual e apreciar seus corpos: uma grande conquista, comemorada por ambos como tal. E é incrível a interpretação de Marina Hands e Jean-Louis Coulloc'h, comoventemente confortáveis um com o outro e seus corpos. Toda a transformação é marcada pelo rosto de Constance, que se torna cada vez mais bela e poderosa ao longo do filme. “Lady Chatterly” é um olhar delicado, intimista e paciente sob o encontro de duas pessoas e seus corpos.
O passado ****
É curioso como Hector Babenco parece sempre contar a mesma história. Pixote, Lúcio Flávio, Luis A. Molina... personagens no limite de alguma coisa, divididos entre dois mundos, que sentem-se perseguidos e tentam escapar. Em “O passado”, seu mais novo filme, Babenco retorna ao universo da emoção, dos sentimentos, à relação homem-mulher, num belo filme sobre um “pós-amor”. O filme lembra “Coração iluminado” (1998). Em “O passado” há o desejo, uma vontade de falar sobre um amor de um ângulo talvez mais contemporâneo, não o sexo livre, o casamento, a traição. Ambos os longas são sedutores em sua decupagem, em especial o começo de “O passado”, registrando momentos fortes, seguindo os olhares do protagonista em movimentos de puro cinema. Há aqui a mesma paixão que transbordava em “Coração iluminado”.
Babenco preserva aquela forma de narração um tanto distanciada que compreende todos os seus filmes, além de centrar sua trama num personagem estranho e seus mais íntimos segredos. É cinema clássico (a câmera invisível, o enquadramento clássico) com a montagem costurada por elipses e uma atmosfera melancólica e amarga (lembrando Roman Polanski). O cineasta imprime à experiência amorosa uma dimensão de pesadelo. O filme se desenrola como uma história de fantasmas. O casamento ideal terminou ali, logo na segunda seqüência do longa. No entanto, para ser completo, o amor precisa incluir, paradoxalmente, o momento da separação. “O passado” parece inicialmente tratar de um amor depois que ele aparentemente terminou. Mas, sobre as ruínas temos aos poucos uma espécie de delírio, recheado de obsessões. Rimini e Sofia continuam juntos, presentes na ausência. Sofia transforma o amor em uma causa. Ela é uma fanática. O fantasma dela volta para atormentar o protagonista. Rimini, por sua vez, parece dar voltas ao redor da mesma coisa mais de uma vez. Ele não vai para a frente. Ou melhor, ele foge para frente. O curioso é que “O passado” é narrado por ele, segue o olhar de Rimini. Mas é Sofia quem domina as ações. O filme é pontuado pelas intervenções dela.
Por fim, Rimini vira exemplo, troféu para Sofia. O filme parece optar pelo pesadelo. Novos caminhos se apresentam, mas parecem estranhos, difíceis, quiçá impossíveis. Felizmente, não há em “O passado” aquela necessidade de parecer importante e grandioso que fazia mal a “Carandiru” - um filme com vida, mas respirando com dificuldade. “O passado” parece repleto de pequenos problemas – o longa peca por vezes na condução das subtramas, em especial a da mulher obsessiva e ciumenta, que morre tragicamente em uma cena fraca dramaticamente -, mas a eficiência da narrativa mantém-se intacta, e mesmo o final enigmático aponta para toda a tensão existente ao longo do filme.
Jogo de cena *****
“Jogo de cena” é o melhor filme de Coutinho desde “Edifício Máster”. O documentário começa com um anúncio de jornal publicado no Rio. Mulheres com histórias para contar eram convidadas para um teste cinematográfico. Das 83 mulheres que se dispuseram a falar de sua vida, Coutinho selecionou 23, que foram filmadas no palco do Teatro Glauce Rocha. No filme estão algumas delas, alternadas com as atrizes que receberam os textos e as imagens de seus depoimentos para as reinterpretarem como quisessem.
As histórias contadas giram em torno de temas comuns ao cinema de Coutinho: separações, perdas, depressão, gestação, relações familiares, sonhos, projetos de vida, morte. A palavra mais uma vez é um elemento cinematográfico fundamental, tem um valor de criação dentro da estrutura narrativa. Estas mulheres que se colocam disponíveis para uma experiência dessa natureza – querer-se filmada, saber-se filmada, atuar diante da câmera, liberar a memória e a imaginação diante da câmera – cada uma delas embarca nesse jogo, em que as imagens se desmembram em possibilidades do afeto como imersão no mundo. Difícil encontrar cineasta mais generoso do que o Coutinho.
Mas ao alternar, e às vezes embaralhar, depoimentos reais com reencenações, o diretor joga o espectador num exercício de dúvida quase permanente, e explicita ainda mais as regras do documentário coutiniano. Atrizes e personagens reais se confundem em vários níveis, jogando com o que sabemos, ignoramos ou apenas esperamos de cada uma. Coutinho explora a interpenetração entre os papéis que os atores representam, os papéis que acreditavam representar e os papéis que nós os vimos representando. No fim das contas: ninguém detém a autoria de suas vidas quando narradas. O que importa é o registro da “palavra em ato”. A força ou a veracidade do que essas mulheres dizem não se encontra necessariamente no que está sendo contado, mas no próprio ato de contar, na forma como elas se expressam, no olhar, nos silêncios, na construção das frases.
Além disso, é impressionante como cada mulher (seja ela atriz ou não) traz consigo todo um universo. E o filme me parece uma homenagem à fascinante profissão das atrizes, fazendo dois universos completamente distintos conviverem. Enquanto via “Jogo de cena” também lembrei de Kieslowski que dizia que a câmera documentária não tinha o direito de entrar no que lhe mais interessava: a vida íntima, privada, dos indivíduos. Ele dizia preferir comprar glicerina (haverá aqui alguma relação com o filme Coutinho?) na farmácia e os atores simularem choro do que filmar pessoas chorando, ou fazendo amor, ou morrendo.