sexta-feira, julho 13, 2007

Top 20 Brasil

Eu queria engrossar o coro de recomendações à atualização da Paisá. A revista realizou uma lista com os 20 melhores filmes brasileiros de todos os tempos, segundo sua equipe de redatores. O texto de Cléber Eduardo que acompanha a lista é leitura obrigatória.

Aproveitando a ocasião, segue meu humilde Top 20 (na verdade, 21). Ah... os filmes não estão em ordem nenhuma.

– Limite, de Mário Peixoto (1931)
– Terra em Transe, de Glauber Rocha (1967)
– Bang Bang, de Andrea Tonacci (1970)
– Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha (1964)
– São Paulo S.A., de Luis Sérgio Person (1965)
– O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla (1968)
– A Mulher de Todos, de Rogério Sganzerla (1969)
- Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho (1984)
– Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos (1963)
- A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos (1965)
– A Margem, de Ozualdo Candeias (1967)
- O Anjo Nasceu, de Júlio Bressane (1969)
– O Despertar da Besta, de José Mojica Marins (1968)
- Ladrões de Cinema, de Fernando Coni Campos (1977)
- Filme Demência, de Carlos Reichenbach (1986)
- Carnaval Atlântida, de José Carlos Burle (1952)
- O Invasor, de Beto Brant (2001)
- Iracema – Uma Transa Amazônica, de Jorge Bodansky (1974)
- Superoutro, de Edgard Navarro (1989)
- Madame Satã, de Karim Ainouz (2002)
- O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade (1965)

Outros quatro que ficaram de fora, mas poderiam estar dentro:
– A Idade da Terra, de Glauber Rocha (1980)
– Sem Essa Aranha, de Rogério Sganzerla (1970)
- O Império do Desejo, de Carlos Reichenbach (1981)
- Hitler Terceiro Mundo, de José Agrippino de Paula (1968)
E o inédito “Serras da Desordem”, de Andrea Tonacci (2006), correndo forte por fora.

domingo, julho 08, 2007

Irish tour 74 ****


Rory Gallagher é monstro, gênio. Aos 18, como líder da banda Taste, ele já demonstrava em seus solos uma fluência e um feeling bem acima da média, além de uma voz poderosa. Seja com sua famosa Stratocaster ou com uma guitarra acústica, Rory tocava à procura de uma linguagem própria, com melodias carregadas de dramaticidade e sentimento, e apresentações incendiárias. Lenda do blues, Rory colaborou com gente como Muddy Waters e Jerry Lee Lewis, e foi convidado para tocar com os Rolling Stones depois da saída de Mick Taylor. Na carreira solo, com uma formação clássica que contava ainda com o baixista Gerry McAvoy, o baterista Rod De'Ath' e o tecladista Lou Martin, Rory, assim como Eric Clapton, caminhava pelo blues elétrico e pelo rock, mas também fazia bonito no folk e em melodies mais jazzísticas, num som pesado, suave, viajante.

Trata-se de um dos melhores e mais (criminalmente) esquecidos guitarristas de todos os tempos. Para se ter uma idéia, há alguns anos, a revista “Rolling Stone” fez uma lista dos 100 melhores guitarristas da história. Rory não foi nem lembrado. Em parte, porque ele era irlandês (e isso, definitivamente, conta). Em parte, porque ele tinha medo de avião e pouco excursionou pelos EUA. Em parte, porque o habitat natural dele era o palco. Ao vivo, ele acontecia. E nestes sentidos, “Irish tour 74” de Tony Palmer é prova irrefutável e outro grande injustiçado em listas, dessa vez, de rockumentaries.

Rodado em Janeiro daquele ano, num momento em que projetos como este eram raridades, o filme acompanha Rory em turnê por sua terra natal, em Corky, Belfast e Dublin. Os três shows casam com uma pequena entrevista de Rory (em geral em off), e imagens dele percorrendo Corky, cidade em que morou grande parte de sua vida. Tímido e humilde, ele nunca se casou e não deixou herdeiros. Sua vida sempre foi devotada à música. Ele parece até meio encabulado com a fama em certos momentos. Como ele mesmo diz no filme, “o tipo de música que faço, não é uma coisa que começa e termina naquelas duas horas. É uma coisa que permanece comigo o tempo inteiro”.

Algumas das melhores cenas se passam no backstage, antes e depois dos shows. Aqui o filme esbanja a grande virtude dos melhores filmes do chamado cinema direto: a de nos dar a sensação de estarmos presentes no momento em que as coisas acontecem. E Tony Palmer se mostra atento aos detalhes. Rory está nervoso: ele ajeita o cabelo diversas vezes, e suas mãos, em close, tremem (como as mãos de Jackie Kennedy em “Primárias”). Rory já era uma das maiores estrelas do país, havia vendido milhões de álbuns no mundo inteiro, mas era ele mesmo que guardava seus equipamentos e roupa.

Mas “Irish tour” é bom mesmo por ser extremamente feliz na tradução de Rory Gallagher ao vivo para película. Palmer revela de maneira simples a relação de intimidade que o guitarrista alimentava com sua música - em algumas cenas, quando explica, a maneira de tocar em cada uma de suas guitarras, chega a ser comovente o carinho com o qual Rory as trata. E ele fala pouco, mas diz muito. Rory procura a simplicidade do bluesman, em cuja música “percebemos imediatamente de onde ele vem e pelo o que ele passou”. E tudo isso faz sentido quando ele sobe no palco. Rory toca sorrindo, numa simbiose emocional e emocionante com sua música, colegas de banda e fãs. Em apresentações memoráveis de algumas de suas mais famosas canções, ele improvisa e à medida que a música se desenrola, vai exigindo por si mesma modulações e transições que ele parece sentir no sangue. Rory diz viver contando com aquelas duas horas, as duas horas mais importantes do dia. “A música”, diz ele, “não deveria ser tão séria a ponto de você não poder se divertir”. E ainda: “às vezes é bom tocar aquelas duas horas e saber que você terá tempo mais tarde para fazer outras coisas. Mas às vezes isso não faz nenhum sentido”. E tudo impressionantemente bem editado (Stephan Saunders) e filmado (Les Young), com apenas uma câmera. Na montagem Palmer mescla os shows e as câmeras parecem se multiplicar, sem nenhuma perda gritante na continuidade.

* Rory Gallagher morreu em 1994, após passar por um transplante de fígado.