sábado, dezembro 27, 2008

murnau


"A Última Gargalhada" (1924) talvez seja um dos meus filmes preferidos. Tive a oportunidade de revê-lo no CCBB, pouco tempo atrás. Grande Murnau! Grande "A Última Gargalhada". A forma bem acabada de uma certa concepção de cinema: aquela em que se privilegia o que um cineasta é capaz de dizer com movimentos de câmera e de corpos, com luzes e sombras, com enquadramentos, composições e ritmo.

Na Cinética, um texto meu sobre o filme.

terça-feira, dezembro 23, 2008

deneuve!

CATHERINE DENEUVE - Isto vai ser sério?

PERGUNTA - É para a "Film Comment". É um pouco como uma "Cahiers du Cinéma" dos EUA.

DENEUVE - Eu não leio a "Cahiers"; compro, mas não leio. Essas revistas são na realidade para pessoas que refletem sobre o cinema, que pensam o cinema. Não são feitas para pessoas como eu. Na verdade, não leio muito sobre filmes.

PERGUNTA - Leio os "Cahiers" desde os 16 anos.

DENEUVE - Para mim há duas coisas: ação e reflexão. E constato que sou mais uma pessoa de ação. Sou uma leitora lenta, então prefiro passar esse tempo assistindo a um filme.

PERGUNTA - A sra. nunca foi à Cinémathèque?
DENEUVE - Às vezes. Esperei ter um namorado cinéfilo para começar a ir ao cinema. Eu não ia por conta própria.

PERGUNTA - Então a sra. não era cinéfila na época em que fez seus primeiros filmes?
DENEUVE - Sim, era, já tinha assistido a muitos filmes. Era muito jovem quando tive um namorado, comecei a ver filmes interessantes aos 15 anos, mais ou menos na época em que fiz "Les Portes Claquent" [As Portas Batem, 1960, de Michel Fermaud e Jacques Poitrenaud]. Ver "Ivã, o Terrível" [de Eisenstein] exerceu um efeito tremendo sobre mim.

PERGUNTA - Quem a sra. curtia mais: atores ou diretores?
DENEUVE - É estranho, mas os atores nunca me fascinaram muito, com exceção de Marilyn Monroe. Para mim, sempre foi o filme em primeiro lugar. Sempre me senti um pouco à margem, até conhecer Jacques Demy. Foi então que me dei conta de que o cinema poderia ser outra coisa, quando comecei a ter um relacionamento (profissional) com alguém que realmente me queria, para esse filme em particular.

PERGUNTA - Foi apenas após fazer "Os Guarda-Chuvas do Amor" [1964, de Jacques Demy] que o cinema virou sua paixão?
DENEUVE - Sim. O fato de o filme ser musical contou muito. Fizemos com muito poucos recursos, acho que isso o beneficiou, pois tínhamos que ser muito criativos. Estava presente em todas as gravações.

PERGUNTA - Além do trabalho de atriz, a sra. estava muito presente durante o trabalho de direção.
DENEUVE - Com certeza, porque a preparação realmente era responsável por metade do filme. Jacques era muito exigente, mas também muito tímido, e gostava de rir. Eu me reconheci completamente em sua maneira de trabalhar. Para mim, alguma coisa mudou definitivamente quando trabalhei com ele. Alguma coisa profunda aconteceu em torno do relacionamento que podemos ter com um filme.

PERGUNTA - Quando considero todos os seus filmes, vejo uma qualidade singular que não enxergo em outros atores. O que vejo é a marca de uma autora. Além da excelência de sua atuação, o que seus filmes parecem compartilhar é seu olhar.
DENEUVE - Sim, você tem razão, é isso o que é: um olhar. Acho que sempre tendi a isso. Talvez por nunca ter feito escola de atuação e nunca ter trabalhado com atores. Só os encontrava nos sets de filmagem -nunca tive realmente amigos atores, com a exceção de minha irmã.

PERGUNTA - A sra. falou antes de sua paixão por Marilyn. Mais tarde, a sra. tingiu seu cabelo de loiro, e esse gesto me fascinou.
DENEUVE- Foi um gesto de amor.

PERGUNTA - Existe uma ambigüidade nele. Foi uma rebelião ao estilo de Monroe, um sonho ao estilo de Demy ou classicismo hitchcockiano? É como a pergunta que um jovem cineasta se poderia fazer: para que serve o cinema?
DENEUVE - O cinema me ajudou a amadurecer, isso é certo. Eu realmente era ignorante em muitas coisas. É difícil imaginar como o fato de fazer parte de uma família grande muda seu relacionamento com o mundo de fora. Pois uma família grande é ao mesmo tempo muito protetora e muito fechada. Foi quando me dei conta de que eu tinha o anseio de partir. Achei isso um pouco preocupante, então saí de casa ainda bastante jovem.

PERGUNTA - A experiência de fazer "Repulsa ao Sexo" [1965] em Londres com Roman Polanski durante a revolução pop exerceu um efeito mais forte sobre a sra. que a guerra dos modernos, na França?
DENEUVE - É engraçado, porque nós três éramos franceses: Roman, que, apesar de ser polonês, falava francês o tempo todo, Gérard Brach e eu. Éramos realmente os três mosqueteiros. Todas as outras pessoas no set eram britânicas. Roman sabia exatamente como fazer para ser respeitado pela equipe; não era de se deixar dominar. Mas, pelo fato de falarmos francês, vivemos a experiência de fazer aquele filme um pouco pelo lado de fora, num ambiente singular. Éramos um núcleo no interior da equipe.

PERGUNTA - Como o filme que a sra. fez com Demy, "Repulsa ao Sexo" exige uma proximidade entre o diretor e a atriz.
DENEUVE - Sim, eu me sentia muito próxima de Roman. Aquele é o filme que sinto que ajudei a fazer, pois os produtores estavam acostumados a produzir pornôs. Era um filme de orçamento baixo e, para eles, sem grande importância...

PERGUNTA - Outra atriz teria aceito os papéis por serem escandalosos...
DENEUVE - Não, não. Para mim, de jeito nenhum.

PERGUNTA - Mas o que me chama a atenção em sua performance é que a sra. aceita o papel porque acha que talvez não seja tão escandaloso assim, afinal. Ou que o escândalo é inerente à vida.
DENEUVE - Sim, isso é absolutamente verdade. Pareceu interessante e normal. Recordo-me de ter encontrado um jornalista em Los Angeles quando saiu "Os Ladrões" [1996], de André Téchiné, que me disse: "Você não sabe como vocês têm sorte, vocês atrizes da Europa". "Uma atriz americana jamais aceitaria representar uma lésbica num filme, após uma certa idade e em determinado ponto de sua vida ou carreira. É arriscado demais." Admito que sempre ziguezagueei. Você sabe, realmente depende de que filmes lhe são oferecidos. Talvez as pessoas aceitem mais minhas escolhas, enquanto, no caso de outra pessoa, diriam: "Que estranho ela ter feito aquilo". A porta que se abriu para mim após "A Bela da Tarde" [1967] foi tão grande que muitas coisas puderam passar por ela. É um filme que ficou maior com o tempo. Saiu-se bem quando foi lançado, mas apenas mais tarde se tornou mítico, quase um filme cult. E aquela personagem virou, até certo ponto um símbolo, uma heroína estranha. E, porque eu a representei, as pessoas supunham coisas a meu respeito.

PERGUNTA - Confesso que prefiro "Tristana" [1970].
DENEUVE- Eu definitivamente prefiro "Tristana" a "A Bela da Tarde"!

PERGUNTA - Sua performance como Tristana é estupenda. Os saltos que a personagem faz, da dor à inocência, da alegria ao desespero. E, então, a amargura...
DENEUVE - Sim, a experiência de fazer aquele filme foi única. E é raro representar um personagem que passa por tantos estados emocionais.

PERGUNTA - No diário que escreveu no set de "Tristana", a sra. registrou que as primeiras cenas que rodou foram as cenas de sua amargura, ambientadas no hall. A sra. escolheu seu próprio figurino e fez sua própria maquiagem. Enquanto Buñuel está em outro lugar, rodando outra cena, a sra. se confere um rosto fantasmagórico...
DENEUVE - Eu tinha mencionado a Buñuel a rainha malévola de "Branca de Neve". Com Buñuel, a experiência foi única, porque ele era muito modesto e gostava de fazer piadas sobre as coisas. Truffaut era igual. Quando filmávamos, nunca falava comigo de modo direto.

PERGUNTA - A sra. menciona que durante a filmagem da cena da sacada, Buñuel disse: "Nada de psicologia". Essa cena fez história! Por causa dela, Hitchcock escreveu uma carta a Buñuel lhe falando de sua admiração e dizendo que tinha inveja dessa tomada. Uma cena tão escabrosa, tão chocante não pode ser explicada com a psicologia.
DENEUVE - Às vezes você tem que aceitar que a imagem é mais poderosa que você, que as intenções do diretor são mais fortes que você. Por isso a performance exigia ser extremamente permeável, aberta, sem nenhum pensamento por trás. Quando me disse: "Você sorri", a idéia era ficar tão impávida quanto possível enquanto sorria e me abster de colocar uma intenção atrás do sorriso. Já havia intenção suficiente ali, para começar! Ao mesmo tempo, Buñuel era extremamente modesto. Mesmo com os atores, parecia... Era evidente que aquela não era sua etapa favorita do processo de criação cinematográfica. Era algo pelo qual ele era obrigado a passar: para que o filme exista, é preciso que os atores representem papéis. Mas o que dizia era mínimo. Era mais o que dizia fora do filme ou o que estava escrito. Mas era realmente preciso tentar imaginar ou adivinhar o que ele teria a dizer. Era muito grosseiro em sua maneira de falar. Na verdade, isso me fazia rir.

PERGUNTA - A sra. já trabalhou com vários diretores muito mais velhos: Buñuel, Melville, Manoel de Oliveira. Mas, olhando sua carreira, nunca tive a impressão de que fossem relacionamentos filiais, e sim que poderiam ser mais bem caracterizados como fraternos.
DENEUVE - Acho que isso se deve a meu lado masculino.

PERGUNTA - Também estou pensando em "Dançando no Escuro" [2000, de Lars von Trier]. Sua personagem está num canto do teatro, de mau humor, e a sra. diz "não quero fazer papel de cachorro". Mas começa a latir, mesmo assim. A sra. está de mau humor, mas faz assim mesmo. Não se trata de submissão, mas de diálogo.
DENEUVE - Seria difícil explicar exatamente o que aconteceu naquele momento. Porque, na realidade, eu não deveria latir. É verdade que eu lembrei que tinha feito a mesma coisa em "Liza". Sou eu quem late quando gravamos o som. Fiz o papel de cachorro. Eu tinha dito ao [diretor, Marco] Ferreri: "Como estou representando a cadela, também farei o cão!" E assim eu tinha gravado o cachorro latindo, também. Por sinal, eu estava grávida de Chiara quando fiz esse filme. Não sei o que aconteceu com Von Trier. Alguma coisa, um pouco de desfaçatez... E não sou muito descarada. Acho que é preciso ter muita confiança para ser capaz de fazer isso. Você precisa ser capaz de pensar: "Sei subconscientemente que, se não funcionar, ele não vai incluir no filme". O que me assusta mais quando estou com um diretor e a sensação não é boa é quando penso: "Ele não tem ponto de vista, não sabe exatamente o que está fazendo, não será capaz de julgar". Quando é assim, não posso me dar por inteiro, porque não haverá ninguém para me segurar. Para mim, isso é o pior: não confiar, sentir desconfiança. Eu me contenho, quando, na realidade, quero me entregar quando estou filmando. Mas é verdade que, para me entregar, preciso sentir muita confiança. E isso não tem nada a ver com idade ou experiência. Tem a ver com intuição.

PERGUNTA - Emmanuelle Devos me disse certa vez que as pessoas freqüentemente perguntam: como a sra. inventa um personagem? Quando, é claro, há toda uma preparação prévia.
DENEUVE - Não para mim.

PERGUNTA - Mas no final, o que fica, o que o público vai ver, são os 5% que restam. Esses 5% são o que acontece durante a tomada. E o tempo de uma tomada é absoluto.
DENEUVE - Não há dúvida de que algumas coisas começam a acontecer antes: algumas são subconscientes, outras são conscientes. Em meu caso, acontece em relâmpagos. Sou incapaz de trabalhar sozinha, sem um diretor, sem alguém para me conduzir. Mas isso não condiz em nada com minha idéia daquilo que deve ser um personagem de filme. Preciso absorver o que vai acontecer no set naquele dia, a locação, a luz... Preciso saber o que acontece antes na história. Para mim, isso é o mais importante: me relacionar com o personagem, em relação a onde estamos no filme. Talvez isso tenha a ver com o fato de que nunca fiz papéis de personagens típicos. Mesmo com "Tristana", que exigia um pouco de trabalho desse tipo. Mas Buñuel e eu conversávamos fora do set, jantávamos juntos. O mesmo acontecia com Téchiné. A gente se encontra, mas sempre termina falando de outra coisa. E, mesmo que tenhamos acabado falando de outro assunto, algo de útil terá resultado disso. As questões estão muito presentes em nossas cabeças. Mas nunca é simples e direto.

PERGUNTA - Quando vejo a sra. atuar, sinto que nos está contando alguma coisa. E essa alguma coisa me comove. Em seus diários dos filmes, uma vez, quando se irritou ao trabalhar com Stuart Rosenberg ["Um Dia em Duas Vidas", 1969], a sra. escreveu: "Sua câmera sugestiva me aborrece".
DENEUVE - Stuart era adorável, mas era muito passivo. Não era nem sequer devagar. Eu gostava dele. Mas a passividade cria um ambiente pesado. Eu estava sofrendo um pouco. Ao mesmo tempo, eu adorava Jack Lemmon, que era um ator leve, maravilhoso. Mas estava passando por um momento difícil em sua vida...

PERGUNTA - A continuidade me assusta. Adoro os cortes abruptos do cinema mudo.
DENEUVE - O cinema mudo é uma outra coisa. É engraçado porque dei uma entrevista, não faz muito tempo, em que disse que adoraria fazer um filme mudo. Mas teria que ser moderno. Um filme curto, moderno, mudo. Acho que eu realmente gostaria desse exercício.

PERGUNTA - A sra. mencionou antes o sonambulismo. Encontrei uma frase que Truffaut disse a seu respeito: "Catherine é uma "atriz desacelerada", é um pouco lenta".
DENEUVE - Verdade?

PERGUNTA - "As atrizes que atingem um status mítico são um pouco mais lentas que as outras." Isso me lembrou as palavras que a sra. empregou: transe e sonambulismo.
DENEUVE - Sim, talvez. É verdade. Mas é espantoso, mesmo assim. O que é irritante é quando você tem que representar algo anódino. Às vezes assisto a filmes de ação e penso: "Meu Deus, eles devem ter se entediado tanto! Quantas vezes tiveram que repetir aquilo?". Acho terrível. Você tem que fazer isso, ver aquilo, então tem que entrar num carro...

PERGUNTA - Sim, mas o carro, os olhares, o tédio... Isso é exatamente James Stewart em "Um Corpo que Cai"! A sra. conheceu Hitchcock, tinha um projeto com ele...
DENEUVE - Sim, eu deveria fazer um filme com Hitchcock. Era ambientado no norte também, como "Cortina Rasgada". Seria uma história de espionagem. Na época, ainda não passava de uma sinopse. Almocei com ele em Paris, e ele morreria alguns meses mais tarde. Teria adorado trabalhar com ele.

PERGUNTA - Ele filma aquelas coisas mundanas, mas mesmo assim se sente a tensão. Com ele, o ator tem plena consciência de que está sendo filmado, como num filme de Manoel de Oliveira!
DENEUVE - Sim, mas nesses filmes é muito engraçado. Truffaut também tinha isso, de tempos em tempos. Aquele jeito inteligente e astuto de saber que certas coisas precisam ser filmadas de certa maneira. Aprendera isso com Hitchcock, observando-o e fazendo aquele livro ["Hitchcock/ Truffaut", Cia. das Letras]. Um modo inimitável de filmar. François falava livremente sobre o que fazia e como filmava as coisas. Cara a cara: tinha que ser uma conversa reservada, nunca um debate público.

PERGUNTA - Qual é seu filme favorito de Godard, entre os recentes?
DENEUVE - Não, não entre os recentes. Quando ouço as palavras de seus filmes recentes, acho que são absolutamente maravilhosas, fico incrivelmente comovida. Mas, quando assisto aos filmes, não consigo me identificar realmente com eles. De seus filmes, diria provavelmente "O Demônio das Onze Horas". Mas não conheço suficientemente seus filmes.

PERGUNTA - Um filme favorito de Scorsese?
DENEUVE - Ahnn... Não, não "A Época da Inocência". "Cassino" é realmente brilhante. Ah, sim, já sei: "Touro Indomável".

PERGUNTA - Obviamente, porque a sra. é mulher e adora identificar-se com Jake LaMotta.
DENEUVE - É sobretudo por causa de Robert de Niro. Assistir a um ator tornar-se aquilo para um filme, vê-lo conseguir ser filmado desse jeito por seu diretor... A única coisa que me irrita um pouco nos filmes de Scorsese são as mulheres. Acho que são um pouco pisoteadas.

PERGUNTA - Que atores americanos mais a fascinaram?
DENEUVE - Sempre os achei muito assexuados. Muito sexy e muito assexuados. James Dean, sim, eu o achava muito comovente, diferente, surpreendente. Eles vieram mais tarde para mim: Al Pacino, De Niro. Esses dois em especial. Mas há muitos outros atores americanos que amo. Francamente, acho muito mais fácil pensar nos nomes dos atores americanos que nos dos europeus. Com a exceção dos britânicos -adoro os atores britânicos.

PERGUNTA - É mesmo? Quem?
DENEUVE - Estão todos mortos: Lawrence Harvey, Tom Courtenay, Peter Finch... e Albert Finney, que hoje me lembra tanto o pai de Chiara, fisicamente. É fantástico o quanto me lembra Mastroianni.

PERGUNTA - A sra. disse algo sobre Mastroianni, certa vez, que adoro. Disse que no cinema, diferentemente do teatro, não há homens e mulheres, apenas meninos e meninas.
DENEUVE - Bem, é verdade!

PERGUNTA - Concluo com Truffaut: "Se a humanidade se divide entre exibicionistas e voyeurs, Catherine é voyeur, logo está mais próxima da vida." Acho isso perfeito.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

dois brazucas


pan-cinema permanente ****

“Vida é sonho”, não se cansa de repetir Waly Salomão em “Pan-Cinema Permanente”. A graça do mundo estaria na mentira, nas ilusões. Trata-se de um protagonista avesso à transparência. Waly nunca se despe para a câmera. Muito pelo contrário: ele se constrói pra ela. Mas como fazer um filme sobre alguém que acreditava que tudo era ficção? Através da cumplicidade, nos diz o belo “Pan-Cinema Permanente”. Assumindo essa opacidade de seu sujeito/objeto, Carlos Nader empreende uma narrativa fragmentada, recheada de momentos de reflexidade, e faz de seu filme um acúmulo de solos performáticos - é sintomático o fato do documentário perder um pouco de sua força toda vez que tenta mostrar objetivamente aspectos da obra e da vida do personagem (como as circunstâncias de sua morte).

Em uma dada seqüência, Nader nos confessa o desejo pelo registro de um instante de distração de Waly. Da Amazônia a Síria, o cineasta busca um momento sem máscaras. E ele consegue, em uma pequena cena encadeada discretamente, sem alarde. Em Paris, Waly sentado, calmo, quieto fala da acidez de uma comida da noite anterior. A acidez de uma comida. É apenas isso. E aqui se dá a grande moral dessa história. Não importa se Waly mente, se posa, se fabrica personagens para a câmera: esta mentira, esta pose e este personagem dirão mais sobre quem ele é do que qualquer mímica da sinceridade.

Para Waly, toda pessoa é uma criatura de imaginação e de fantasia, e a câmera de Nader se transforma em um catalisador dessa imaginação e dessa fantasia. Vale ressaltar a sensibilidade da direção e da montagem de Nader (a segunda realizada em parceria com Gustavo Gordilho), que não se esgotam em associações de causa e efeito, mas atestam que a instabilidade original de Waly faz com que não possamos compreender o comportamento de sua trajetória, somente algumas de suas possibilidades. Este é um longa extremamente cauteloso em suas conclusões, que não abre mão de conhecer, mas admite uma série de lacunas.

feliz natal ***

Gostei de “Feliz Natal”. O filme de Selton Mello transborda logo de saída o desejo por um universo essencialmente cinematográfico, beirando sempre a hiperatividade de seus elementos artísticos, como bem identificou o Eduardo Valente lá na Cinética. A atuações dos atores, a fotografia granulada de Lula Carvalho, a trilha sonora onipresente de Plínio Profeta... são todos elementos chaves para se processar os dramas em cena. A festa que dá nome ao filme é registrada com uma câmera nervosa, em uma aproximação quase abusiva dos personagens e seus corpos. A montagem seca de Selton e Marília Moraes rarefaz seus cortes e, no encadeamento das situações, nos sinaliza um estado avançado de decomposição. Essa é a proposta de Selton: exibir o comportamento humano em desarmonia, em uma descrição hiperativa e ao mesmo tempo sutil/movediça em seus conflitos.

A opção mais evidente de Selton é a entrega do filme aos atores. “Feliz Natal” é cinema de ator. E cada um deles tem seu momento, das crianças aos personagens secundários. Nestes instantes, o filme pára. O espectador encara Lúcio Mauro, Cláudio Mendes, Paulo Guarnieri, e, especialmente, Darlene Glória. Ela é a Gena Rowlands (atriz e mulher de John Cassavetes) de Selton, como ele mesmo diz. Em uma atuação de tirar o fôlego, uma personagem que perturba um sistema vivo ontologicamente, como pura expressão de si mesma.

O inferno são os outros, parece nos dizer “Feliz Natal”. Muito do drama descrito ali nasce das relações e jogos de poder e violência que se estabelecem entre os personagens. Ainda que resvale aqui e ali em um certo determinismo, Selton narra com muito vigor a história de uma família em decomposição, de indivíduos jogados num mundo cruel, "crudelizado" por eles mesmos. Caio talvez seja a única exceção. Talvez. Ele sai de casa e vislumbramos uma possibilidade de esperança. Um vislumbre, apenas.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

os anos 40

A Liga dos Blogues Cinematográficos esta realizando um ranking dos 20 melhores filmes da década de 40 segundo seus integrantes. Abaixo, segue a lista que enviei à liga. Devo dizer que não sei bem se ainda concordo com ela...

Cidadão Kane (1941), de Orson Welles
Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio de Sica
Paixão dos Fortes (1946), John Ford
O boulevard do crime (1944), de Marcel Carné
Contrastes Humanos (1941), de Preston Sturges
A Loja da Esquina (1940), de Ernst Lubitsch
À beira do abismo (1946), de Howard Hawks
Detour (1946), de Edgar G. Ulmer
Sangue de Pantera (1942), de Jacques Tourneur
Scarlet Street (1945), de Fritz Lang
Odd Man Out (1947), de Carol Reed
O Grande Ditador (1940), de Charles Chaplin
Amarga esperança (1948), Nicholas Ray
Listen to Britain (1942), de Humphrey Jennings
Pacto de sangue (1944), de Billy Wilder
Lousiana Story (1948), de Robert Flaherty
O Tesouro de Sierra Madre (1948), de John Huston
Ivan o Terrivel, Partes 1 e 2 (1944-46), de Sergei Eisenstein
Casablanca (1942), de Michael Curtiz
Sob o Signo de Capricórnio (1949), de Alfred Hitchcock

Para fazê-la, acabei montando uma lista enorme de possíveis filmes. Em itálico, os que eu ainda não vi (mas que, pelo realizador, pelo que li, e pelo que ouvi dizer, merece seu lugar na lista). Quem quiser reclamar, sugerir, recomendar, comentar...

1940
Natal em Julho, de Preston Sturges
Correspondente Estrangeiro, de Alfred Hitchcock
As Vinhas da Ira, de John Ford
O Grande Ditador, de Charles Chaplin
A Longa Viagem de Casa, de John Ford
Pinóquio, de Ben Sharpsteen e Hamilton Luske
Rebecca, de Alfred Hitchcock
A Loja da Esquina, de Ernst Lubitsch
O Ladrão de Bagda, de Ludwig Berger, Michael Powell e Tim Whelan
Jejum de Amor, de Howard Hawks
Núpcias de escândalo, de George Cukor
De Mayerling à Serajevo, de Max Ophuls

1941
O homem que vendeu sua alma, de William Dieterle
Os irmãos da família Toda, de Yasujiro Ozu
Cidadão Kane, de Orson Welles
Dumbo, de Ben Sharpsteen
O Falcão Maltês, de John Huston
O Homem que Quis Matar Hitler, de Fritz Lang
Uma loura com açúcar, de Raoul Walsh
Suspeita, de Alfred Hitchcock
As três noites de Eva, de Preston Sturges
Contrastes Humanos, de Preston Sturges
O Sargento York, de Howard Hawks
Meu adorável vagabundo, de Frank Capra
Como era verde o meu vale, de John Ford
O último refúgio, de Raoul Walsh

1942
Sangue de Pantera, de Jacques Tourneur
Os 47 Ronin, de Kenji Mizoguchi
Soberba, de Orson Welles
Mulher de verdade, de Preston Sturges
Os Visitantes da Noite, de Marcel Carne
Ser ou não ser, de Ernst Lubitsch
Casablanca, de Michael Curtiz
Listen to Britain, de Humphrey Jennings
Bambi, de David Hand
Aniki-Bobó, de Manoel de Oliveira
A Mulher do Dia, de George Stevens

1943
La ciel est a vous, de Jean Gremillon
Dia da Ira, de Carl Dreyer
O Diabo Disse Não, de Ernst Lubitsch
A Morta Viva, de Jacques Tourneur
O homem leopardo, de Jacques Tourneur
Sob a Luz do Verão, de Jean Grémillon
Esta terra é minha, de Jean Renoir
Obsessão, de Luchino Visconti
Fires Were Started, de Humphrey Jennings

1944
At Land, de Maya Deren
Desencanto, de David Lean
Pacto de sangue, de Billy Wilder
O boulevard do crime, de Marcel Carné
Laura, de Otto Preminger
Agora Seremos Felizes, de Vincente Minnelli
Uma Aventura na Martinica, de Howard Hawks
Henry V, de Laurence Olivier
Papai por acaso, de Preston Sturges
Este Mundo é um Hospício, de Frank Capra
Consciências Mortas, de William A. Wellman

1944-1946
Ivan o Terrivel, Partes 1 e 2, de Sergei Eisenstein

1945
Silêncio nas Trevas, de Robert Siodmak
Amar Foi Minha Ruína, de John M. Stahl
Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini
O ponteiro da saudade, de Vicente Minnelli
As Damas do bois Boulogne, de Robert Bresson
Duelo ao Sol, de King Vidor
Scarlet Street, de Fritz Lang
The Great Flamarion, de Anthony Mann
The battle of San Pietro, de John Huston
A Diary for Timothy, de Humphrey Jennings
Na Solidão da Noite, de Alberto Cavalcanti, Charles Crichton, Basil Dearden e Robert Hamer

1946
A Bela e a Fera, de Jean Cocteau
Os Melhores Anos de Nossas Vidas, de William Wyler
Five Women around Utamaro, de Kenji Mizoguchi
Gilda, de Charles Vidor
Meu único amor, de Raoul Walsh
A Matter of Life and Death, de Michael Powell e Emeric Pressburger
Paixão dos Fortes, de John Ford
Interlúdio, de Alfred Hitchcock
Paisa, de Roberto Rossellini
A Felicidade Não se Compra, de Frank Capra
À beira do abismo, de Howard Hawks
Grandes esperanças, de David Lean
O estranho, de Orson Welles
Detour, de Edgar G. Ulmer

1947
Carrossel da Esperança, de Jacques Tati
Prisioneiro do Passado, de Delmer Daves
Alemanha Ano Zero, de Roberto Rossellini
I Know Where I'm Going, de Michael Powell e Emeric Pressburger
Monsieur Verdoux, de Charles Chaplin
Odd Man Out, de Carol Reed
Fuga do Passado, de Jacques Tourneur
Quai des Orfevres, de Henri-Georges Clouzot
La Femme sur la plage, de Jean Renoir
Rancor, de Edward Dmytryk


1948
Ladrões de Bicicleta, de Vittorio De Sica
A Força do Mal, de Abraham Polonsky
A felicidade bate à sua porta, Leo McCarey
Uma ave no vento, de Yasujiro Ozu
A Dama de Shanghai, de Orson Welles
Carta de uma Desconhecida, de Max Ophuls
Ao cair da noite, de Frank Borzage
O Pirata, de Vicente Minnelli
Sapatinhos Vermelhos, de Michael Powell e Emeric Pressburger
Festim Diabólico, de Alfred Hitchcock
Spring in a Small City, de Fei Mu
A Terra Treme, de Luchino Visconti
Amarga esperança, de Nicholas Ray
Rio Vermelho, de Howard Hawks
Hamlet, de Laurence Olivier
Lousiana Story, de Robert Flaherty
O Menino dos Cabelos Verdes, de Joseph Losey
O Tesouro de Sierra Madre, de John Huston
Macbeth - Reinado de Sangue, de Orson Welles

1949
A Costela de Adão, de George Cukor
Begone Dull Care, de Norman McLaren
Blood of the Beast, de Georges Franju
Les enfants terribles, de Jean-Pierre Melville
O Terceiro Homem, de Carol Reed
Mortalmente Perigosa, de Joseph H. Lewis
O mundo não perdoa, de Clarence Brown
Pai e Filha, de Yasujiro Ozu
Na teia do destino, de Max Ophuls
Sansão e Dalila, de DeMille
Stromboli, de Rossellini
Mercado de Ladrões, de Jules Dassin
Stray Dog, de Akira Kurosawa
Sob o Signo de Capricórnio, de Alfred Hitchcock
Punhos de Campeão, de Robert Wise
A Grande Ilusão, de Robert Rossen

sexta-feira, novembro 28, 2008

mam e ccbb

Grande Programação no MAM! Victor Erice e Kiarostami!

Olhem aí:

sex 28
18h30 El sol de membrillo (1992), de Victor Erice.

sab 29
16h O Espírito da Colméia (1973), de Victor Erice.

18h 10 (2002), de Abbas Kiarostami.

dom 30
16h Los desafios (1969), de Victor Erice, José Luis Egea, Claudio Guerin.

18h Oscuros sueños de otoño (1967), de Miguel Picazo.
O roteiro é de Erice.

Dezembro

sex 5
18h30 El sur (1983), de Victor Erice.

sab 6
18h Ten minutes older: the trumpet (2002), de Victor Erice, Kaige Chen, Werner Herzog, Jim Jarmusch, Aki Kaurismäki, Spike Lee e Wim Wenders.

dom 07
18h A propos de Nice, la suíte (1995), de Abbas Kiarostami, Catherine Breillat, Costa-Gavras, Claire Denis, Raymond Depardon, Pavel Lungin e Raoul Ruiz.


E no CCBB (02 a 21/12/08): Bertolucci.
02/12 – terça-feira
17h – Antes da Revolução (Prima della Rivoluzione, Itália, 1964, 35mm,P&B, 112 minutos)
19h – O Caminho do Petróleo (La Via del Petrolio, Itália, 1967,documentário, P&B, 133 minutos)
03/12 – quarta-feira
17h – A Saúde está Doente (La Salute è Malata, Itália, 1971,documentário, p/b, 35 minutos + Bernardo Bertolucci: Praque Serve o Cinema? (Bernardo Bertolucci: A Cosa Serve il Cinema?,dir. Sandro Lai, Itália, 2002, documentário, cor, 57 minutos)
19h – A Morte (La Commare Secca, Itália, 1962, 35mm, P&B, 93minutos)
04/12 – quinta-feira
17h – Antes da Revolução (Prima della Rivoluzione, Itália, 1964, 35mm,P&B, 112 minutos)
19h – Último tango em Paris (Ultimo Tango a Parigi, França, 35mm 1972,cor, 123 minutos)
05/12 – sexta-feira
17h – O Caminho do Petróleo (La Via del Petrolio, Itália, 1967,documentário, P&B, 133 minutos)
19h30 – La Luna (La Luna, Itália/EUA, 1979, 35mm, cor, 142 minutos)
06/12 – sábado
19h – O Conformista (Il Conformista, Itália, 1970, 35mm, cor,115minutos)
07/12 – domingo
17h – Carta a Bertolucci (dir. Marcos Jorge, Itália, 1993, vídeo,documentário, cor, 5 minutos) + Bernardo Bertolucci: Pra que Serve oCinema? (Bernardo Bertolucci: A Cosa Serve il Cinema?, dir. SandroLai, Itália, 2002, documentário, cor, 57 minutos)
19h – Amor e Raiva (Amore e Rabbia, Itália, 1969, 35mm, cor, 102 minutos)
09/12 – terça-feira
17h – Antes da Revolução (Prima della Rivoluzione, Itália, 1964, 35mm,P&B, 112 minutos)
19h – O Caminho do Petróleo (La Via del Petrolio, Itália, 1967,documentário, P&B, 133 minutos)
10/12 – quarta-feira
17h – A Saúde está Doente (La Salute è Malata, Itália, 1971,documentário, p/b, 35 minutos) + Bernardo Bertolucci: Praque Serve o Cinema? (Bernardo Bertolucci: A Cosa Serve il Cinema?,dir. Sandro Lai, Itália, 2002, documentário, cor, 57 minutos)
19h – Último tango em Paris (Ultimo Tango a Parigi, França, 35mm 1972,cor, 123 minutos)
11/12 – quinta-feira
17h – Antes da Revolução (Prima della Rivoluzione, Itália, 1964, 35mm,P&B, 112 minutos)
19h – A Estratégia da Aranha (Strategia del Ragno, Itália, 1970, 35mm,cor, 99minutos)
12/12 – sexta-feira
17h – O Conformista (Il Conformista, Itália, 1970, 35mm, cor,115minutos)
Sessão seguida de debate.
13/12 – sábado
19h – A Morte (La Commare Secca, Itália, 1962, 35mm, P&B, 93minutos)
14/12 – domingo
17h – A Saúde está Doente (La Salute è Malata, Itália, 1971,documentário, cor, 35 minutos) + Bernardo Bertolucci: Pra que Serve oCinema? (Bernardo Bertolucci: A Cosa Serve il Cinema?, dir. SandroLai, Itália, 2002, documentário, cor, 57 minutos)
19h – Partner (Partner/Il Sosia, Itália, 1968, 35mm, cor, 105minutos)
16/12 – terça-feira
17h – Antes da Revolução (Prima della Rivoluzione, Itália, 1964, 35mm,P&B, 112 minutos)
19h – Último tango em Paris (Ultimo Tango a Parigi, França, 35mm 1972,cor, 123 minutos)
17/12 – quarta-feira
17h – Carta a Bertolucci (dir. Marcos Jorge, Itália, 1993, vídeo,documentário, cor, 5 minutos) + Bernardo Bertolucci: Pra que Serve oCinema? (Bernardo Bertolucci: A Cosa Serve il Cinema?, dir. SandroLai, Itália, 2002, documentário, cor, 57 minutos)
19h – La Luna (La Luna, Itália/EUA, 1979, 35mm, cor, 142 minutos)
18/12 – quinta-feira
17h – O Caminho do Petróleo (La Via del Petrolio, Itália, 1967,documentário, P&B, 133 minutos)19h30 – Último tango em Paris (Ultimo Tango a Parigi, França, 35mm1972, cor, 123 minutos)
19/12 – sexta-feira
17h – Partner (Partner/Il Sosia, Itália, 1968, 35mm, cor, 105minutos)
19h – A Estratégia da Aranha (Strategia del Ragno, Itália, 1970, 35mm,cor, 99minutos)
20/12 – sábado
19h – Amor e Raiva (Amore e Rabbia, Itália, 1969, 35mm, cor, 102 minutos)
21/12 – domingo
16h – 1900 (Novecento, Itália/França, 1976, 35mm, cor,161 minutos)-Parte I
19h – 1900 (Novecento, Itália/França, 1976, 35mm, cor,161minutos)-Parte II

segunda-feira, novembro 24, 2008

fórum de cultura

Duas semanas de cinema no Fórum de Cultura, na UFRJ:

Desta segunda (24) à sexta (28), serão exibidos alguns filmes do russo Alexander Sokurov. Sempre às 19h. A entrada é franca.

Dia 24
A Fortunante Life (Rússia, 1996, 26 min) e Elegia de uma Viajem (Rússia, 2002, 48 min).

Após o filme haverá debate com as profas. Eliane Ivo Barroso (UFF) e Ivana Bentes (UFRJ)

Dia 25
Elegy of Moscou (Rússia, 1987, 88 min).

Dia 26
Russian Ark (Rússia, 2002, 96 min).

Dia 27
Mãe e Filho (Rússia, 1997, 73 min).

Dia 28
Pai e Filho (Rússia, 2003, 97 min).

E de segunda (1) à sexta (5), no mesmo horário e local, serão exibidos alguns filmes de Claire Denis e Abderrahmane Sissako.

Dia 1
Beau Travail (França, 1999, 92 min), de Claire Denis,

Dia 2
I Can't Sleep (França, 1994, 110 min), de Claire Denis

Dia 3
No Fear, No Die (França, 1990, 90 min), de Claire Denis

Dia 4
Chocolat (França, 1988, 105 min), de Claire Denis.

O filme será seguido por um debate entre as profas. Andréa França (PUC-Rio) e Peter Fry (UFRJ).

Dia 5
Heremakono (Waiting for Happiness) (França, 2002, 96 min), Abderrahmane Sissako

quinta-feira, outubro 30, 2008

mostra

Na Cinética, uma pequena contribuição à cobertura da Mostra de São Paulo.
Vársóvia Distante, de Christopher Doyle °
A Vida Moderna, de Raymond Depardon ****
O Casamento de Rachel, de Jonatham Demme ***
Adoração, de Atom Egoyan *

quarta-feira, outubro 22, 2008

mostras imperdíveis

Durante toda a próxima semana, a partir das 19h, o Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ (Praia Vermelha) exibirá filmes do tailandês Apichatpong Weerasethakul.

27/10 – 19 hrs Dokfa nai meuman (2000) ( Mysterious Object at Noon), 85 min.

28/10 – 19 hrs - Sud sanaeha (2002) (Blissfully Yours), 115 min.

29/10 – 19 hrs - Sud pralad (2004) (Tropical Malady), 114 min,

Após a exibição dos filmes haverá debate entres os críticos e professores: Erly Vieira (UFES/UFRJ) e Tadeu Capistrano (UNESA)

30/10 – 19 hrs - Hua jai tor ra nong (2003) (The Adventures of Iron Pussy), 90 min.

31/10 – 19 hrs - Sang sattawat (2006) (Syndromes and a Century), 105 min.

Enquanto isso, no CCBB, uma mostra imperdível sobre o cinema do grande Murnau. Quase todos os fimes serão exibidos em película!

QUARTA, 29 DE OUTUBRO

18h – Nosferatu (Alemanha, 1921/22), 66 min
20h – Aurora (EUA, 1926/27), 110 min

QUINTA, 30 DE OUTUBRO

17h30 – Fantasma (Alemanha, 1922), 119min, projeção em DVD
20h – A última gargalhada (Alemanha, 1924), 75 min

SEXTA, 31 DE OUTUBRO

16h – A última gargalhada
18h – Nosferatu, 66 min
20h – As finanças do Grão Duque (Alemanha, 1923/24), 64 min

SÁBADO, 1º DE NOVEMBRO

12h – A última gargalhada
20h – Fausto (Alemanha, 1925/26), 116’

DOMINGO, 2 DE NOVEMBRO

16h – As finanças do Grão Duque
17h30 – Aurora
20h – O caminho na noite (Alemanha, 1920), 83 min

TERÇA, 4 DE NOVEMBRO

18h – Tartufo (Alemanha, 1925), 71 min
20h – City Girl (EUA 1929/30), 66 min

QUARTA, 5 DE NOVEMBRO

18h – Tabu (EUA 1930/31), 81 min
20h – Fantasma

QUINTA, 6 DE NOVEMBRO

18h – Tartufo
20h – Castelo Vogelöd (Alemanha, 1921), 60 min

SEXTA, 7 DE NOVEMBRO

16h – Tabu
18h – Castelo Vogelöd
20h – Terra em chamas (Alemanha,1921/22), 110 min

SÁBADO, 8 DE NOVEMBRO

12h – Tartufo
20h – City Girl

DOMINGO, 9 DE NOVEMBRO

16h – Castelo Vogelöd
17h30 – Terra em chamas
20h – Tartufo

segunda-feira, outubro 13, 2008

festival IV

Na Cinética:
Repescagem:
TOKYO SONATA, de Kiyoshi Kurosawa ****
SUKIYAKI WESTERN DJANGO, de Takashi Miike **

sexta-feira, outubro 10, 2008

festival III

Na Cinética:

Procedimento operacional padrão
A batalha de Haditha
This is England


Filmes vistos:

VELHA JUVENTUDE, de Francis Ford Coppola ****
GLÓRIA AO CINEASTA, de Takeshi Kitano ***
CHOKE, de Clark Gregg *NA GUERRA de Bertrand Bonello ***
ALEXANDRA, de Alexander Sokurov **
PACHAMAMA, de Eryk Rocha **

Repescagem, meus destaques:

QUATRO NOITES COM ANNA, de Jerzy Skolimowski
M - VIDAS DUPLAS, de Ryuichi Hiroki
TOKYO SONATA, de Kiyoshi Kurosawa
SUKIYAKI WESTERN DJANGO, de Takashi Miike
A RAIVA, de Albertina CarriGONZO: UM DELÍRIO AMERICANO, de Alex Gibney

segunda-feira, outubro 06, 2008

festival II

Na Cinética, Desonra e Sentidos à flor da pele.

Filmes vistos:

BALLAST, Lance Hammer ***
SOB CONTROLE, Jennifer Lynch *
LES AMOURS D'ASTRÉE ET DE CÉLADON, de Eric Rohmer ***
PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO, de Errol Morris ****
THIS IS ENGLAND, de Shane Meadows ***
MINHA MÁGICA, de Eric Khoo **

sexta-feira, outubro 03, 2008

festival

Pra variar, estou enrolado. Não vai dar pra postar nada mais aprofundado por aqui sobre o festival, como havia prometido. Postarei apenas as estrelinhas dos que vi.
Na Cinética, textos sobre "Derek" e "Boogie".
BOOGIE, de Radu Muntean *
A FRONTEIRA DA ALVORADA, de Philippe Garrel ****
UM CONTO DE NATAL, de Arnaud Desplechin ****
SINÉDOQUE, NOVA IORQUE, de Charlie Kaufman *
SOL SECRETO, de Lee Chang-Dong ***
A VIAGEM DO BALÃO VERMELHO, de Hou Hsiao-Hsien *****
VOCÊS, OS VIVOS, de Roy Andersson ***
AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO, de Miguel Gomes *****
NA CIDADE DE SYLVIA, de José Luis Guerin ****
LA LEONERA, de Pablo Trapero ***
GUERRA SEM CORTES, de Brian De Palma ****
INÚTIL, de Jia Zhang-Ke ***
NOITE E DIA, de Hong Sang-Soo ****
SAD VACATION, de Shinji Aoyama *****
LIVERPOOL, de Lisandro Alonso ****
A MULHER SEM CABEÇA, de Lucrecia Martel ****
DESONRA, de Steve Jacobs °
IMPORT EXPORT, de de Ulrich Seidl **
O SANGUE BROTA, de Pablo Fendrik *
SOBRE O TEMPO E A CIDADE, de Terence Davies **
DEREK, de Isaac Julián **
GOMORRA, de Matteo Garrone **
A BATALHA DE HADITHA, de Nick Broomfield **
A FESTA DA MENINA MORTA, Matheus Nachtergaele **
SENTIDOS À FLOR DA PELE, Evaldo Mocarzel **
PAN-CINEMA PERMANENTE, Carlos Nader ***
JUVENTUDE, de Domingos de Oliveira ***
A ERVA DO RATO, de Julio Bressane ***
FELIZ NATAL, de Selton Melo **
O FANTASMA DA ÓPERA, de Dario Argento **
HAPPY-GO-LUCKY, de Mike Leigh ****
JARDS MACALÉ, UM MORCEGO NA PORTA PRINCIPAL, Marco Abujamra e João Pimentel *
Vale deixar aqui um puxão de orelha na organização do festival. É um caos. Filmes não chegam, programação trocada em cima da hora, longas importantes concetrados em alguns poucos dias, e a péssima cópia em DVCam na exibição de "Um conto de natal".

quinta-feira, setembro 25, 2008

festival!

É chegada a hora! Mais um Festival do Rio! O terceiro do Kinos!

Como sempre, muita gente boa ficou de fora. Mas a seleção até que está boa. Apesar de ter caído um pouco (pelo menos no papel), a Première Brasil mantém um bom nível. Os focos paralelos (Japão e UK) trazem ótimos filmes. Só ainda não sei se as mostras paralelas (italianos e irmãos Taviani) serão mesmo em película – se for, merecem atenção. O mais preocupante dessa vez foi a programação. Os filmes de maior interesse parecem quase todos concentrados na segunda semana... vai entender...

Abaixo segue uma (grande) lista de recomendações, divididas em três categorias: os que não posso deixar de ver; os que tenho curiosidade em ver; e os que acabarei vendo (ou não). Inclui filmes dos focos sobre a Grã Bretanha e Japão, mas não os das mostras italianas. Os que já vi seguem com uma cotação, e, em itálico, os longas que têm distribuidora nacional (o que, infelizmente, não quer dizer lá muita coisa).
Devo escrever uma ou outra coisa por aqui e lá na Cinética, cuja cobertura já começou.
Vamos lá:

Os que não posso deixar de ver:

35 DOSES DE RUM, de Claire Denis
ADORAÇÃO, de Atom Egoyan
ALEXANDRA, de Alexander Sokurov
LES AMOURS D'ASTRÉE ET DE CÉLADON, de Eric Rohmer
CAOS, de Youssef Chahine e Khaled Youssef
CHE, de Steven Soderbergh
CINZAS DO PASSADO – REDUX, de Wong Kar-Wai
A FRONTEIRA DA ALVORADA, de Philippe Garrel
UM CONTO DE NATAL, de Arnaud Desplechin
PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO, de Errol Morris
QUATRO NOITES COM ANNA, de Jerzy Skolimowski
O SILÊNCIO DE LORNA, de Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
SINÉDOQUE, NOVA IORQUE, de Charlie Kaufman
SOL SECRETO, de Lee Chang-Dong
VELHA JUVENTUDE, de Francis Ford Coppola
A VIAGEM DO BALÃO VERMELHO, de Hou Hsiao-Hsien
VOCÊS, OS VIVOS, de Roy Andersson ***
WALTZ WITH BASHIR, de Ari Folman
AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO, de Miguel Gomes
NA CIDADE DE SYLVIA, de José Luis Guerin
THIS IS ENGLAND, de Shane Meadows
SEGURANDO AS PONTAS, de David Gordon Green
AQUILES E A TARTARUGA, de Takeshi Kitano
GLÓRIA AO CINEASTA, de Takeshi Kitano
M - VIDAS DUPLAS, de Ryuichi Hiroki
PONYO ON THE CLIFF BY THE SEA, de Hayao Miyazaki
TOKYO SONATA, de Kiyoshi Kurosawa
SUKIYAKI WESTERN DJANGO, de Takashi Miike
LA LEONERA, de Pablo Trapero
GUERRA SEM CORTES, de Brian De Palma ****
INÚTIL, de Jia Zhang-Ke ***
NOITE E DIA, de Hong Sang-Soo ****
SAD VACATION, de Shinji Aoyama *****
LIVERPOOL, de Lisandro Alonso ****
A MULHER SEM CABEÇA, de Lucrecia Martel ****

Os que tenho curiosidade de ver:

O CASAMENTO DE RACHEL, de Jonathan Demme
CAVALO DE DUAS PERNAS, de Samira Makhmalbaf
CHOKE, de Clark Gregg
CLOUD 9, de Andreas Dresen
DESONRA, de Steve Jacobs
IL DIVO, de Paolo Sorrentino
IMPORT EXPORT, de de Ulrich Seidl **
KATYN, de Andrzej Wajda
MAIS TARDE, VOCÊ VAI ENTENDER..., de Amos Gitaï
MINHA MÁGICA, de Eric Khoo
NA GUERRA de Bertrand Bonello
PARIS, de Cédric Klapisch.
UM SEGREDO, de Claude Miller
BALLAST, de Lance Hammer
PUFFBALL, de Nicolas Roeg
O BOM, O MAU, O BIZARRO, de Kim Jee-Woon
NINHO VAZIO, de Daniel Burman
A RAIVA, de Albertina Carri
O SANGUE BROTA, de Pablo Fendrik
SOBRE O TEMPO E A CIDADE, de Terence Davies **
OS BASTARDOS, de Amat Escalante

Os que acabarei vendo (ou não):

GONZO: UM DELÍRIO AMERICANO, de Alex Gibney
DEREK, de Isaac Julián **
GOMORRA, de Matteo Garrone **
SOB CONTROLE, de Jennifer Lynch
SUJOS E SÁBIOS, de Madonna
TODOS OS MEUS FRACASSOS SEXUAIS, de Chris Waitt
WONDERFUL TOWN, de Aditya Assarat
HAPPY-GO-LUCKY, de Mike Leigh
CASA NEGRA, de Shin Terra
A BATALHA DE HADITHA, de Nick Broomfield
UM BOM HOMEM, de Vicente Amorim
QUEIME DEPOIS DE LER, de Joel Coen, Ethan Coen
SANGUEPAZZO, de Marco Tullio Giordana

resnais na cinética

A Cinética fez um especial sobre o Alain Resnais. Tem texto meu, uma breve ponte entre os primeiros Resnais e o cinema contemporâneo de Apichatpong Weerasethakul.

terça-feira, setembro 16, 2008

alguns brasileiros


pequenas histórias °

Este filme é uma coisa incrivelmente anacrônica. Já não gostava do “Batismo de sangue”, mas percebe-se em “Pequenas histórias” uma espécie de retrocesso em matéria de organização do plano e do encadeamento deles. É tudo muito evidente. Ratton filma num estilo tipo “telecurso 2000”. Todos os elementos estão ali sem nenhuma funcionalidade mais específica, sem nenhum efeito estético, sem nenhuma necessidade. E o que dizer daquela narração artificial... Fiquei lembrando dos documentaristas do cinema direto que diziam que se usava a narração sempre que se errava na filmagem.

Mas o mais importante: o filme do Ratton se encaixaria supostamente num projeto de cinema popular. No entanto, sinceramente, nesse elogio do cinema como um elemento mágico, associado a um mundo simples e interioriano mergulhado em crenças e lendas, me parece que “Pequenas histórias” não está falando com ninguém. Menos ainda com o publico ao qual ele estaria direcionado, o infanto-juvenil. E isso não é um juízo de valor estético.

era uma vez **

Breno Silveira narra de maneira doce. Em especial na primeira metade do filme, quando as situações parecem costuradas por alguns detalhes (um livro aqui, as roupas no varal acolá). “Era uma vez...” é um trabalho que prima, sobretudo, pela simplicidade. Mais uma vez, o que chama mais atenção é o desejo e a habilidade do cineasta em estabelecer um canal de comunicação com o público, sua coragem no sentido de não ter medo de cair no sentimentalismo. Mas o filme desanda quando a violência chega ao primeiro plano. Os conflitos sociais se fazem mais transparentes, migram para o diálogo e para a confrontação dramática, e toda aquela naturalidade da primeira metade do longa parece se esvaziar sob o peso da tragédia iminente. E assim nos aproximamos do final do filme, em uma série de seqüências constrangedoras que nunca justificam seus excessos.

“Era uma vez...” é um filme que nos alerta para necessidade de um olhar mais solidário para com os diferentes que nos cercam. Silveira tenta, mas talvez seu filme não consiga dar este primeiro passo. Dé e Nina se esforçam para resistir à violência a que suas vidas parecem predestinadas, mas o enredo não lhes reserva um final, digamos, generoso. “Era uma vez...” nos conduz a um desfecho fatal, à moda brasileira para todos os conflitos entre classes. O longa nos joga na cara as conseqüências violentas da desigualdade social brasileira. “Um soco no estômago”. Mas um desfecho “feliz”, que apostasse delicadamente nos sentimentos como uma possibilidade de se sustentar o que restou desta sociedade, talvez fosse igualmente chocante.

* Não dá pra deixar essa passar: o que é aquele merchandising? Ostensivo, para dizer o mínimo. Mais muito mais do que isso, sem nenhuma necessidade ou função dentro da narrativa. Logo depois de pegar o empréstimo com a financeira, o personagem também recebe dinheiro do irmão. Vai entender...

nome próprio ***

Tive uma relação curiosa com esse filme. Na primeira vez que o vi, Camila me pareceu extremamente egocêntrica, perdida pelos caminhos da vida adulta. Como bem disse Paulo Santos Lima, ela é um personagem que varia entre o escapismo da ficção e o embate com a realidade. Camila parecia repelir as pessoas. Me irritava o fato de que todos os seus problemas eram criados por ela. E, uma vez fabricados, viravam matéria-prima para seu blog. Uma protagonista histérica e pouca verdadeira.

A segunda vez foi diferente. Camila ainda me parecia um pouco ridícula em sua relação um tanto autoritária com as coisas. Mas, dessa vez, o que vi foi a beleza ao mesmo tempo lúcida e ingênua que emana dessa relação entre a personagem e o mundo. O filme de Murilo Salles se acha intimamente ligado a uma mudança de olhar lançado ao corpo. E essa pulsão maior de “Nome próprio”, o encantamento físico do corpo, me deixou mais interessado. O corpo como cogito. Toda aquela fidelidade com a qual Murilo Salles acompanha Camila até a última gota de suor, até última arrogância, até a última pílula, que tanto prejudicou minha adesão ao filme na primeira investida, me comoveu.

Só minhas impressões sobre o final do filme permaneceram intactas. A metaliguagem. Duas Camilas. Terceira e primeira pessoas se confundem. Desnecessário.

encarnação do demônio ****

Antes de mais nada: Zé do Caixão é um dos maiores personagens do cinema brasileiro. Antropofagia na veia. Terror genuinamente brasileiro. E este “Encarnação do Demônio” é uma provocação cheia de vida e atitude, mais um acerto de contas do que uma carta de intenção.

O personagem continua atrás da mulher perfeita. Sua saga nos é narrada por uma série de seqüências circulares, desconexas e um tanto caricaturais. Mojica continua grande e autodidata. Suas imagens respiram cinema, somente cinema. Singular em suas belas bizarrices, em suas doces cruezas. Um cinema onde tudo é incerto, onde tudo parece preste a ser outra coisa, a ponto de bala. Mojica doma os espaços, sempre em busca do drama, do ápice. Cineasta de cenas extremas, seus quadros nunca primam pela pura crueldade, mas pelo ritmo, pela beleza plástica, pela visão de mundo que revelam.

Logo de cara, a impressão que fica é a de uma inadequação datada. Ela não diz respeito somente à estética, mas também ao próprio Zé do Caixão. O mundo que ele encontra ao sair da prisão é perverso. Não é mais apenas o homem ordinário que permanece servil como sempre. O próprio Zé do Caixão quase morre atropelado, cruza com meninos se drogando, é agredido verbalmente e atacado num bar. Agora, ele não é apenas um criminoso, tem até os seus jovens seguidores. Como bem identificou o Francis Vogner lá na Cinética,“Encarnação do demônio” faz dessa inadequação uma força motriz. Mojica não esconde sua velhice estética, a velhice de seu personagem. E, mais do que isso: ele chama toda essa mitologia/pop que se criou em torno dele ao longo de todos esses anos pra porrada!

sábado, setembro 13, 2008

novos links

Repasso aqui a indicação deste simpósio sobre crítica de cinema na Internet realziado pela “Cineaste”. Alguns blogs legais que não conhecia:

Girish Shambu
Supposed Aura
Cinebeats
My Gleanings
Arbogast on Film
DVD Savant
Filmjourney.org
D-kaz
Chained to the cinematheque
Cinematalk

E não é que Robert Koehler, da "Variety", indica a Cinética. Pois é...
E por falar nela, segue o link para o texto sobre "Devoção", documentário de Sérgio Sanz.

sábado, setembro 06, 2008

grande stroheim

ouro e maldição *****

“Ouro e Maldição” é mesmo um filme estupendo. É também um dos maiores mitos da sétima arte: o melhor e mais famoso filme perdido de todos os tempos. A história é notória. Stroheim começou a trabalhar na adaptação do romance naturalista McTeague (1899), de Frank Norris em 1923 sob a batuta da Metro-Goldwyn-Mayer. Foram rodados ao todo 446 rolos de filme. A primeira versão editada pelo diretor, segundo diz a lenda, variava entre 42 e 47 rolos, entre 8 e 10 horas. Aos poucos, a MGM tirou o filme das mãos de Stroheim e lançou uma versão de 130 minutos, a que conhecemos hoje. O resto do material filmado acabou sendo queimado pelo estúdio anos depois para vender as quantidades ínfimas de prata extraíveis a partir do nitrato com que se fazia os negativos. E Stroheim nunca viu a versão exibida comercialmente.

Ainda, apesar de todas as mutilações e violências que sofreu e que são visíveis no filme (falta de transição entre a tímida e recém casada Trina e sua subseqüente deterioração como uma avarenta desmiolada, por exemplo), “Ouro e maldição” é estupendo. O filme já começa brilhante. Os personagens nos são apresentados e episódios se sucedem sem que você perceba uma exata correlação entre eles. De repente, num piscar de olhos, tudo se encaixa. O cineasta também é mais perceptivo em relação aos detalhes. A mise-em-scene dedica um olhar à trama em nível “microscópico”. Os três personagens principais são recheados de nuances de comportamento muito amplas, algo talvez inédito no cinema mudo.

Assim como em seus outros filmes, Stroheim explora cada episódio ao máximo de suas possibilidades dramáticas. Falando sobre o “Esposas Ingênuas” lá na “Paisá”, o Filipe Furtado disse que Stroheim filma como se estivesse comandando uma escavação. É verdade. Se pararmos, por exemplo, para comparar a mise-en-scène de Stroheim com a de outros diretores americanos da época (Griffith, Chaplin, Lubitsch, King Vidor, De Mille) o que parece extremamente moderno em “Ouro e maldição” é a multiplicidade de ângulos de câmera e dos pontos de observação em determinadas cenas. Um excelente exemplo disso é a cena noturna no consultório de Mac, quando este e a família chegam e são informados por diversos vizinhos de que Trina ganhou na loteria. Stroheim nos oferta uma espécie de mosaico de pontos de vista e interesses.

A seqüência final é uma das melhores do cinema. Em um belíssimo plano-geral, vemos a silhueta miserável do protagonista do filme algemado a um homem morto no conjunto do cenário-deserto, que pode ser observado nitidamente e que predomina na imagem. Mais do que expressar solidão ou impotência, a cena transborda uma luminosidade, uma profundidade, uma exasperação... Cinema moderno avant la lettre.

terça-feira, setembro 02, 2008

aprendendo a atuar com james franco

See more James Franco videos at Funny or Die

blogs, première brasil, manny farber

Alguns blogs mudaram:

O Chip Hazard foi para aqui.
O Anjo Exterminador virou Cinema com Cana.

Novos blogs:

O dos irmãos Pretti
E o Critic After Dark

Olhem aí a lista da Première Brasil:

LONGAS DE FICÇÃO- Competitiva

1.A festa da menina morta, de Matheus Nachtergaele
2. Apenas o fim, de Matheus Souza
3. Feliz Natal, de Selton Mello
4. Juventude, de Domingos Oliveira
5. Rinha, de Marcelo Galvão
6. Se nada mais der certo, de José Eduardo Belmonte
7. Verônica, de Maurício Farias
8. Vingança, de Paulo Pons

LONGAS DOCUMENTÁRIOS - Competitiva

1. Cantoras do Rádio, de Gil Baroni e Marcos Avellar
2. Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado, de Joel Zito Araújo
3. Contratempo, de Malu Mader e Mini Kerti
4. Estrada Real da Cachaça, de Pedro Urano
5. Jards Macalé - Um Morcego na Porta Principal, de M. Abujamra e João Pimentel
6. Loki - Arnaldo Baptista, de Paulo Fontenelle
7. Morrinho - Deus sabe tudo mas não é X9, de F. Gavião e M.Oliveira
8. Palavra (En)Cantada, de Helena Solberg
9. Sentidos à flor da pele, de Evaldo Mocarzel
10. Titãs - A vida até parece uma festa, de B. Mello e O. R. Alves

LONGAS DE FICÇÃO HORS CONCOURS

1. A Erva do Rato, de Julio Bressane
2. Um Romance de Geração, de David França Mendes
3. Romance, de Guel Arraes
4. A Guerra dos Rocha, de Jorge Fernando
5. Todo mundo tem problemas sexuais, de Domingos Oliveira
LONGAS DOCUMENTÁRIOS HORS CONCOURS

1.O Homem Que Engarrafava Nuvens, de Lírio Ferreira
2. Pan-Cinema Permanente, de Carlos Nader
3. Garapa, de José Padilha
4. Simonal, de C. Manoel, M. Langer e C. Leal

LONGAS DOCUMENTÁRIOS RETRATOS

1. A paixão segundo Callado, de José Joffily
2. Juruna, o Espírito da Floresta, de Armando Lacerda
3. Vida, de Paula Gaitán
4. Paulo Gracindo - o bem amado, de Gracindo Junior
5. Só dez por cento é mentira, de Pedro Cézar

MOSTRA CENAS DO RIO

1. Corpo do Rio, de Izabel Jaguaribe e Olivia Guimarães
2. Favela on Blast, de Leandro HBL
3. Abaixando a máquina, de Guillermo Planel e Renato de Paula
4. Eu sou povo, de B. Bacellar, Luis Fernando Couto e Regina Rocha
5. Praça Saens Peña, de Vinicius Reis
6. Novela na Santa Casa, de Cathie Lévy

Por último: lembrança tardia da morte do grande Manny Farber, no último dia 18. Farber é um dos melhores críticos do cinema. Leiam "Negative space".

O Filipe Furtado postou algumas passagens de Farber e Jonathan Rosenbaum prestou uma longa homenagem.

quinta-feira, agosto 21, 2008

fórum

O Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ organizou uma mostra legal com filmes contemporâneos e importantes.
Pra mim, estes são os destaques:
26/8 - Sans Soleil (França, 1983, 100 min), de Chris Marker, em inglês com legendas em português.
1/9 - A Vida sobre a Terra (Mali/França, 1998, 66 min), de Abderrahmane Sissako, falado em várias línguas, com legendas em inglês.
3/9 - O Mundo (China, 2004, 105 min), de Jia Zhang-Ke, falado em várias línguas, com legendas em inglês.
4/9 - O Intruso (França, 2004, 130 min), de Claire Denis, falado em várias línguas, com legendas em inglês.

Os longas serão exibidos no Salão Moniz de Aragão, de 25 de agosto a 5 de setembro, de segunda à sexta-feira, sempre às 19hrs. A entrada é gratuita. A programação está aqui.

quarta-feira, agosto 20, 2008

resnais

A mostra completíssima do Alain Resnais já começou! Pelo amor de Deus, não percam. Segue até o dia 7 de setembro no CCBB do Rio. A programação pode ser acessada aqui.

Lá na cinética, uma nota sobre minha primeira experiência com o 3D. Para ler, clique
aqui.

domingo, agosto 10, 2008

hulk e agente 86

Estes dois filmes me deixaram um pouco entediado. Juntos, são uma experiência reveladora do que se tornou Hollywood hoje.
O “Agente 86” é exatamente aquilo que se espera de uma adaptação hollywoodiana de uma série de TV de sucesso. O longa tenta combinar uma porção cômica e o desejo pela ação. Para ser mais exato, os personagens e as relações que se dão entre eles são sempre trabalhados com humor, enquanto a ação vem travestida dos mais variados efeitos especiais. Steve Carrell é um excelente comediante, mas “O agente 86” é previsível e muito pouco ambicioso em sua competência. Nos faz rir quando é preciso, cria suspense quando necessário... cartilha seguida de perto.

Irmão da série que fez sucesso na década de 70, “O incrível Hulk” é também exatamente o que se espera de uma produção do tipo franchise: ações confusas e recheadas de efeitos e muitos buracos na narrativa. Louis Leterrier é uma grata surpresa em algumas seqüências (como a em que Rickson Gracie bate na cara de Banner, por exemplo), mas o seu “Hulk” faz um uso nada inventivo do CGI, não encontra exatamente um equilíbrio entre as gags/efeitos e uma consistência dramática, e deixa muitos buracos (proposital?) pelo caminho – além de sublinhar o caráter descartável dos filmes hollywoodianos, já que o “Hulk” (2003) de Ang Lee é tratado como se não existisse. De uma força meio amoral e destrutiva, o monstro verde se transforma em uma espécie de quase militante. O Hulk de Leterrier se encontra domesticado, em um “filme para toda a família”.

Não é que os filmes sejam ruins. Muito pelo contrário, eles até divertem. Mas são pura e simplesmente produtos de uma indústria, higiênicos, incolores, insossos... sem vida. Filmes de compromissos e mais compromissos. Muitos pouco ambiciosos. Feitos para serem consumidos em seus termos superficiais e efêmeros.

segunda-feira, agosto 04, 2008

oc versão snl

See more funny videos at Funny or Die

do outro lado e melhores 2008.1

Meu texto sobre o “Do outro lado” lá na “Cinética”.

A liga dos blogues elegeu as melhores (e as piores) estréias deste primeiro semestre. Minha lista foi essa aí:

A questão humana, de Nicolas Klotz
Falsa loura, de Carlos Reichenbach
Luz silenciosa, de Carlos Reygadas
WALL-E, de Andrew Stanton
Serras da desordem, de Andrea Tonacci
Não estou lá, de Todd Haynes
Paranoid Park, Gus Van Sant
Onde os fracos não têm vez, de Ethan Coen e Joel Coen
Sangue negro, de Paul Thomas Anderson
Fim dos tempos, de M. Night Shyamalan

quarta-feira, julho 30, 2008

tempo de violência

Amanhã, no MAM, às 18h30, a sessão do Cineclube Tela Brasilis exibirá o raríssimo “Tempo de violência” (1969), um clássico nacional do gênero policial dirigido por Hugo Kusnet, argentino radicado no Brasil. Trata-se de uma atualização do noir no contexto da Ditadura Militar, com influências de Joseph Losey e seu “O criado” (1963).

a banda, a amante e o sol


a banda ***

Este “A banda” é uma deliciosa surpresa. É uma comédia discreta de narrativa simples, conduzida por cortes doces e muitos silêncios. A música não será o elemento universal a unir os personagens. Não há nem mesmo trilha incidental. Tampouco se verbaliza discursos sobre conflitos e tratados de paz. Eran Kolirin é um cara inteligente e consegue escapar elegantemente de alguns potenciais problemas. Mas o que mais me agrada em “A banda” é o esforço do cineasta e de seus personagens para resistirem à “violência” ou à “solidão” a que suas vidas e o convívio forçado que o filme relata parecem predestinados. Nós aguardamos os conflitos, mas Kolirin aposta, muito delicadamente, em algo mais elementar, em uma espécie de ética da amizade ou do convívio social que ainda sustentem o que restou desta civilização.

a última amante ***

Não conhecia nada do cinema de Catherine Breillat, mas gostei bastante deste “A última amante”. É um filme sobre o poder da carne, sobre a afirmação de uma identidade sexual em meio a um ambiente repressivo. O Pedro Butcher disse muito bem: “os personagens de Breillat não são figurinos recheados de corpos, mas corpos (desajeitadamente) vestidos com roupas de época”. A mise-en-scène é crua e direta. O cinema de Breillat se desmembra em corpos, olhares, e, principalmente, closes – trata-se também de um filme sobre a narrativa, já que grande parte do longa se dá quando Ryno conta a avó de sua futura esposa sobre suas aventuras amorosas.

E em cada close de Asia Argento o filme cresce. “A última amante” é todo Asia Argento. Sucumbir a sua performance é sucumbir ao filme. Argento é mais do que uma presença: é uma aparição. É assim que ela surge, deitada em um divã, nada preocupada em se levantar para o espectador, nos desafiando a acompanhá-la. A atriz sintetiza a representação da sexualidade feminina como um elemento transgressor, promovendo uma espécie de curto-circuito com este gênero “filme de época”. E a cineasta faz um uso incrível da persona ambígua de sua protagonista, ora feia, ora bela; ora primitiva, ora profunda; ora baixa, ora refinada...

o sol ****

Gosto muito dos cantos melancólicos de Aleksandr Sokurov. Gosto muito também deste seu “O sol”. Diferente dos outros longas da tetralogia sobre homens de poder (começada com Hitler em “Moloch” e Lênin em “Taurus”), em “O sol”, como bem diagnosticou o Eduardo Valente, Sokurov parece interessado não pelo mito, mas pelo homem. Em outras palavras, o imperador Hirohito, encarnado brilhantemente por Issei Ogata. Sokurov dilata o tempo e narra com muita paciência e detalhes o encontro do imperador com a sua humanidade. Em belas seqüências, como a em que o protagonista tem de abrir uma porta sozinho pela primeira vez, o filme alcança altos e trágicos decibéis.

As imagens (captadas em HD) emanam um quase sépia esfumaçado (o que passa uma impressão de serem velhas e modernas ao mesmo tempo), desafiam uma certa idéia de harmonia geométrica e se desmembram em rigorosas composições e lentos, porém constantes movimentos de câmera. O cineasta acompanha de perto o cotidiano ritualístico de seu personagem. Mais uma vez, abundam os planos-detalhe: pratos de cerâmica, abotoadeiras, luvas, embalagens de chocolate, etc. No cinema de Sokúrov, há vida em todo lugar. E todos estes elementos se mostram em perfeita sintonia com a trama. Existe uma pertinência estética, afinada com um conceito anterior à forma: um mundo que perdeu suas bases, vagando em uma nebulosa existencial, e um personagem a ponto de cometer um suicídio metafísico.

segunda-feira, julho 21, 2008

dulce veiga, escafandro e cinturão

Onde andará Dulce Veiga ? ***

“Onde andará Dulce Veiga” começa com uma indicação espaço-temporal: “São Paulo, 198...”. O cinema de Guilherme Almeida Prado é plenamente consciente de sua identidade e este seu mais novo longa não foge à regra. Trata-se, por exemplo, mais uma vez, de um prato cheio de citações e homenagens, de Jean-Luc Godard e Jacques Demy à própria obra do cineasta. Ao mesmo tempo em que traz as obsessões e elementos mais identificáveis de seu cinema, “Dulce Veiga?” parece também empreender uma espécie de adaptação para os novos tempos. É a junção do universo “pós-moderno” dos anos 80 com a linguagem da Internet e da computação gráfica. Se por um lado “Dulce Veiga” é uma espécie de prestação de contas de Almeida Prado, uma tentativa de problematização de seu cinema; do outro, também se revela como uma carta de princípios ou uma afirmação daquilo que mais lhe fascina.

Os personagens de “Onde andará Dulce Veiga?” são figuras errantes, conectados pelo passado. Almeida Prado alimenta um clima de decadência, com curiosos rasgos de lirismo que podem por vezes beirar o absurdo. O curioso em relação ao protagonista e sua trajetória é o fato do foco e a evolução dramática do filme estarem sempre reservados às mulheres. A personagem Dulce Veiga, por sua vez, é como um ícone mágico. Ela é real, mas também parece existir apenas na mente de Caio. Almeida Prado sempre foi um cineasta que, acima de tudo, acredita no artifício, e imprime verdade em toda artificialidade. Em “Dulce Veiga”, o cineasta brinca com um artificialismo apoteótico – e, dessa vez, esta “brincadeira” parece intimamente relacionada com o movimento do filme, que trata de personagens repletos de máscaras.

O escafandro e a borboleta **


A adaptação de Julian Schnabel para o bestseller homônimo de Jean-Dominique Bauby já apontava para um exercício de recriação pela câmera de experiências subjetivas. Em seus primeiros 40 minutos, “O escafandro e a borboleta” se sai muito bem, encarando certos questionamentos a cerca da realização cinematográfica. Optar por um protagonista mudo, paralisado dos pés à cabeça, e cujo único contato visual com o mundo se dá através de apenas um único olho, possibilita a Schnabel e ao fotógrafo Janusz Kaminski uma exploração sobre variadas possibilidades de enquadramento e planos ponto de vista, sobre a profundidade de campo, sobre a narração em off e diversas modalidades de jogo com o extra-campo. O cineasta busca a identificação do espectador e aposta pesado em planos subjetivos, incluindo uma seqüência em que um médico sutura as pálpebras de um dos olhos de Bauby, filmado do ponto de vista do paciente.

Os grandes problemas do filme nascem quando Bauby, ao retomar a possibilidade de conectar-se com o mundo, cria toda uma realidade a partir de suas memórias e imaginação. Schnabel privilegia lembranças banais, uma viajem, um beijo na praia, um ensaio de fotografia. A idéia parece ser a de imprimir uma certa leveza à narrativa, um contraponto à dureza da situação de Bauby. No entanto, apesar de algumas belas seqüências, em especial as em que aparece Max Von Sydow como o pai do protagonista, as imagens de Schnabel nunca encontram a poeticidade que nos prometem. Em algumas passagens, “O escafandro e a borboleta” transpira uma artificialidade, um amadorismo hiper-calculado supostamente poético, com imagens de um “bom gosto” pra lá de duvidoso, cortes e zooms estranhos, variados lugares comuns visuais, e muitos escorregões no sentimentalismo.

O cinturão vermelho **

“O Cinturão Vermelho” é um filme estranho mesmo. Estamos mais uma vez em território mametiano, em uma história de corrupção epidêmica do espírito humano. Pode-se dizer que, com o tempo, Mamet vem se tornando um melhor diretor. Em “Spartan”, por exemplo, sobressaía-se mais sua direção do que seu roteiro. Em “O Cinturão” ficamos talvez no empate, ou, quem sabe, mais uma vez com a direção – apesar do filme começar meio mal, com aquele tiro acidental. Mamet, o diretor de fotografia Robert Elswit ("Magnólia", "Boa Noite e Boa Sorte" e "Syrianna") e o consultor Renato Magno constroem tudo apaixonadamente, com muita tranqüilidade e alguma eficiente secura. Para completar, Chiwetel Ejiofor é um ator realmente incrível e reveste seu personagem com uma densidade impressionante.

Depois que a intriga se estabelece, temos o esboço de uma teoria conspiratória que não se justifica exatamente. Como bem disse o Filipe Furtado, “Cinturão” mescla elementos e arquétipos que não parecem pertencer ao mesmo lugar. Mamet tenta dar conta da complexidade de um enorme número de personagens e suas “razões”, e quanto mais se acredita que o cineasta conseguirá reunir todos este elementos, mais nos deparamos com buracos pela narrativa e, de repente, somos jogados em um clímax previsível apesar de improvável e coerente. Estranho. Muito estranho. Para alguns, ao trabalhar com lacunas, Mamet produz uma sutil subversão. Para outros, “Cinturão” seria um equívoco. Eu não sei... O fato é que Mamet se identifica com a situação de um lutador solidário e carismático preso em um sistema corrupto. Quem ataca o showbusiness, embora se renda ou faça uso dele? “O cinturão vermelho” ou seu personagem? Este curioso e aparente paradoxo está nas entranhas do filme ou é ele uma constatação extra-narrativa?

sábado, julho 12, 2008

nárnia e joy division


As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian *

É impressionante como o filão de “filmes de fantasia” cresceu depois do enorme sucesso da trilogia do “Senhor dos Anéis”. O triste é que o gênero não mais joga com o infinito da imaginação, não se aventura pela construção de climas e sentimentos. Com a exceção de um ou outro (em especial “Stardust” e "As Crônicas de Spiderwick"), a fantasia se resume basicamente a uma grandiosidade barroca-realista, com efeitos por minuto se sobrepondo à dramaturgia.

Neste universo de suposta magia, ”As Crônicas de Nárnia” é certamente a série que mais me incomoda. O que temos é uma irritante maçaroca de simbolismos. Ao belicismo acrescenta-se todo um arsenal de figuras fabulares/irreais e um discurso reacionário e arrogante de nobreza e bondade. Um conto de fada infantil, um filme de guerra medieval, e uma alegoria do triunfo do cristianismo. Longos, os dois filmes da série jamais conseguem, nem por um instante, nos instalar em um universo supostamente mágico. Tampouco nos permite pensar por nós mesmos, investindo uma compreensão controlada e cheia de maniqueísmos.

O segundo filme da série, ”As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian”, se afasta um pouco daquela espiritualidade barata que marcava o primeiro filme e se concentra agora em uma shakespeariana sucessão de trono. Investe-se também na ação e em uma violência higiênica – para não atrapalhar a pipoca ou complicar a censura. Aposta-se mais uma vez na grandiosidade do espetáculo. Um espetáculo limitado ao exotismo proporcionado pelos efeitos - os verdadeiros responsáveis pela construção do realismo, já que os atores, a decupagem e o ritmo parecem secundários. “Príncipe Caspian” é de fato mais grandioso que seu antecessor. Mas não ajuda ter tantas seqüências chupadas do “Senhor dos Anéis” (a revolta das árvores, o rio e seus dedos, a fortaleza de pedra, a perseguição a cavalo), onde a expressão da pujança tecnológica-visual-sonora de Hollywood é muito mais hipnotizante.

Joy Division **

Produzido e dirigido por um fã confesso da banda, o documentário “Joy Division” se apresenta como uma espécie de discurso oficial sobre a trajetória deste que é um dos grupos mais importantes do new wave. Grant Gee (diretor de clipes do U2 ao Blur, e realizador do documentário “Meeting People Is Easy”, com base na turnê de “OK Computer”, do Radiohead) não se mostra interessado em revelações bombásticas, em levantar debates, cutucar polêmicas ou mesmo propor novas interpretações ao ideário da banda. A partir de entrevistas e depoimentos de remanescentes da grupo – Bernard Sumner (guitarrista), Peter Hook (baixista) e Stephen Morris (baterista) – e profissionais e amigos como Tony Wilson (produtor e co-fundador da Factory Records, gravadora que prensou os dois únicos álbuns deles), Annik Honoré (amante de Ian Curtis), Pete Shelley (do grupo Buzzcocks), e Anton Corbijn (autor da antológica foto em Manchester Apollo (1979) e diretor do filme “Control”), o que temos é um inventário saudosista, emotivo e “chapa branca”. Apesar de limitar possíveis vôos e experimentações, esta fidelidade ao discurso oficial do Joy Division tem obviamente o seu interesse.

No mais, como bem disse o Cléber Eduardo lá na Cinética, “Joy Division” é um filme frágil em suas escolhas e forte em seus efeitos. Em sua curta, porém fundamental existência, o Joy Division se tornou um dos combos mais inspirados da história do rock. Onde os punks eram luta e destruição, o Joy Division era contemplação e desespero - Tony Wilson descreve brilhantemente essa mudança como uma passagem do “fuck!” para o “I’m fucked!” O resgate de imagens raras de apresentações da banda na Granada TV (1978) e na BBC (1979) valem o ingresso e confirmam o curto circuito poderoso e cativante que o Joy Division trouxe ao rock. Guitarras em timbres estranhos, um baixo alto e distorcido, uma bateria rápida de som “achatado”, intervenções gélidas do teclado, e a voz grave de Curtis cantando pequenos e assustadores contos psicóticos. Poucas bandas encararam com tanta honestidade e sensibilidade sentimentos tão difíceis de serem assimilados e transmitidos.