quarta-feira, agosto 31, 2011

melancolia ***

Não parece mais haver no cinema de Lars Von Trier um “apetite pelo real”. Ele não trabalha mais com imagens do mundo, com um material real sobre a realidade. Von Trier inscreve-se cada vez mais numa certa tendência de um cinema agressivo e manipulador do mal-estar do espectador. Em seus filmes, o cineasta exibe e põe em crise a essência da manipulação cinematográfica, sendo, ao mesmo tempo, manipulador e delator da sua própria manipulação – algo que o diferencia, pra mim, de um realizador como Michael Hanake. Em geral, pelo menos até “Anticristo” (2010), seu último filme, o cinema de Von Trier vinha sendo associado ao termo niilismo. No entanto, Melancolia, no sentido que este seu mais novo longa imprimi a palavra (algo que remonta, como bem delimitou Luiz Felipe Pondé na "Folha", a Sade), parece mesmo uma expressão mais certeira.

Algo estranho se passa com Justine. Em plena festa de casamento ela parece distante. Lars Von Trier alterna cenas da festa (um verdadeiro ritual de gestos e ações protocolares) e sequencias de Justine sozinha, seja em espaços fechados (como quartos ou banheiro), seja do lado de fora da mansão. Justine parece ter flertado com o caos, contemplado o vazio. E a partir daí, como ela mesma diz, será preciso lutar consigo própria para conseguir caminhar e respirar. Não é mais possível voltar atrás, casar ou trabalhar como publicitária. Nem mesmo seu prato preferido pode ser, como antes, saboreado. "A vida na Terra é má", diz ela. "Estamos sós", continua. Para Justine, a questão não é a apenas a sociedade contemporânea ou nem mesmo a raça humana. É a própria vida que é torta, errada, perversa. Melancolia, para Lar Von Trier, nasce desta consciência de que a natureza em si má. E o filme narra a tomada de consciência de Justine. Melancolia é também o nome de um planeta que se chocará com a Terra. Para Justine, é como se o universo dissesse a verdade pela primeira vez. E em uma estranha, porém bela cena narrada pelo ponto de vista de sua irmã, vemos Justine oferecendo seu corpo nu para Melancolia.

segunda-feira, agosto 29, 2011

miike e conferência no mac

- Começa amanhã no CCBB uma mostra com filmes do japonês Takashi Miike. Vejam a programação aqui.

- E, também amanhã, a pós da UFF inaugura o segundo semestre com uma palestra de Richard Peña, professor de Estudos Cinematográficos da Columbia University e chefe do setor de programação da Film Society of Lincoln Center, em Nova York. Ele falará sobre o cinema independente negro norte-americano no período da segregação. E a palestra será no MAC de Niterói, de 10h30 a 12h30.

sexta-feira, agosto 26, 2011

mam

O MAM do Rio vem exibindo uma pequena mostra chamada "Deleuze/Guattari". A curadoria é de Ruy Gardnier. Vejam só os filmes que serão exibidos neste fim de semana:

sex 26

18h30 – "Ouro e maldição" (1924) de Erich von Stroheim

sab 27

16h – "O demônio das onze horas" (1965) de Jean-Luc Godard

18h – "Deus e o diabo na terra do sol" (1964) de Glauber Rocha

dom 28

16h – O ano passado em Marienbad (1961) de Alain Resnais
18h – "A rotina tem seu encanto" (1962) de Yasujiro Ozu

quarta-feira, agosto 24, 2011

cineclube cinética

Amanhã tem Cineclube Cinética lá no IMS. Às 17h será exibido "Aprile" (1998), de Nanni Moretti. Às 19h é a vez de "Capitão Achab" (2007), de Philippe Ramos. Para ler textos sobre os filmes, basta clicar nos títulos.

terça-feira, agosto 23, 2011

revista e seminário

Estréia de uma nova revista online sobre cinema: LOLA, editada por Adrian Martin e Grish Shambu.

E começa dia 25 um seminário bem bacana na UFF: "As redes e a rua: Comunicação e democracia". Vejam a programação:

25 de Agosto | Quinta-feira

Mesa 1 | 9:30 – 12:30
Ivana Bentes | UFRJ
Daniel Aarão Reis | UFF
Renato Lessa | UFF
Coordenação: Isaac Pipano | UFF

Mesa 2 | 14:30 – 17:30
Marcus Faustini | Escritor e gestor público
Pablo Capilé | Fora do Eixo
Renato Roseno | PSOL/Ceará
Coordenação: Rodrigo Capistrano | UFF


26 de Agosto | Sexta-feira

Mesa 3 | 9:30 – 12:30
Fernando Resende | UFF
Fernanda Bruno | UFRJ
Cezar Migliorin | UFF
Coordenação: Edinei Genaro | UFF

Plenária | 14:30 – 17:30
Sistematização dos Debates
Local: Rua Tiradentes, 148, Ingá - Niterói.
redeserua.blogspot.com

domingo, agosto 21, 2011

super 8 ***

Como pode um filme basear-se na evocação de um determinado cinema e ao mesmo tempo afirmar-se como uma aventura cinematográfica singular? Como pode um filme valer de uma só vez por seu potencial abstrato e pelas ações concretas narradas? Pois o que está em jogo em “Super 8” não é somente aquilo que vemos nas imagens, sua configuração dramática e narrativa, mas também aquilo que elas são capazes de evocar. Isto, na verdade, está dado já no título. Afinal, o formato super 8 comporta neste filme duas simbologias diferentes: ele é caseiro, intimista, afetivo, documenta momentos banais vividos entre amigos e familiares; ele é também o formato através do qual toda uma geração de artesãos-cineastas começou a dominar o fazer cinema (além do próprio Abrams, conta-se ainda gente como Spielberg e M. Night Shyamalan).

Gostei bastante de “Super 8". É um filme maravilhoso, nostálgico não exatamente por um tempo, por uma juventude que se foi, mas por um certo estilo de filmagem. O filme começa e vemos um céu estrelado, a noite e seus segredos, crianças correndo por uma pequena cidade em bicicletas... “Super 8” lembra logo de cara os filmes (produzidos ou dirigidos) de Steven Spielberg do início dos anos 80. Seus personagens se deparam com um fascinante mistério e tentam investigar por si próprios, em uma aventura entre “E.T.” (1982), “Os Goonies” (1985) e filmes antigos de ficção científica. O que J.J. Abrams deseja é evocar a inocência deste cinema enquanto introduz um nível mais avançado nos efeitos especiais.

Estes, é claro, jamais estão no primeiro plano. Esta talvez seja a grande lição de Spielberg. O filme deve fazer acumular uma certa empatia emocional. E os efeitos funcionam como catalisadores. Este é o papel do aliens de “Super 8”. Ele funciona como um catalisador que impulsiona Joe para frente. Ele estará para sempre no segundo, no fundo. Pois o que importa, em primeira instância, é a história sentimental, os personagens e as situações nas quais eles estão inseridos. É incrível, por exemplo, a associação que o filme nos sugere entre os olhares da mãe de Joe (no filmete caseiro que ele assiste com a menina) e do alien (já no final do longa). Há uma complexa rede simbólica em jogo em torno destes olhares. O olhar da mãe para Joe se equivale ao olhar do monstro para Joe.

sexta-feira, agosto 19, 2011

george méliès

Está rolando na Caixa Cultural uma mostra com os filmetes de George Méliès. Em sua maioria, os filmes são projetados, infelizmente, em vídeo. A descrição dos filmes você encontra aqui. Vejam a programação:

Dia 19 de agosto, sexta-feira

Cinema 1 17h
Sessão 9 – Filmes de 1907 e 1908
56 min. Classificação livre

Cinema 2 18h
Sessão 10 – Filmes de 1908 parte I
55 min. Classificação livre

Cinema 1 19h
Sessão 16mm (filmes em película 16mm, com acompanhamento de música ao vivo
30 min. Classificação livre

Dia 20 de agosto, sábado

Cinema 1 17h
Sessão 11 – Filmes de 1908 parte II
53 min. Classificação livre

Cinema 2 18h
Sessão 12 – Filmes de 1908 a 1909
40 min. Classificação livre

Cinema 1 19h
Sessão novas descobertas II (1907 a 1911)
58 min. Classificação 12 anos

Dia 21 de agosto, domingo

Cinema 1 17h
Sessão 13 – Filmes de 1911 e 1912
40 min. Classificação livre

Cinema 2 18h
Sessão 14 – Os últimos filmes (1912 e 1913)
56 min. Classificação livre

Cinema 1 19h
Sessão Panorama
103 min. Classificação 12 anos

domingo, agosto 14, 2011

s’en fou La mort ***

“S’en fou La mort” (1990) é o terceiro filme de Claire Denis. Nele, um longa mais bruto do que “Chocolat” (1988), já é possível identificar a cineasta de “Bom trabalho” (1998), “Desejo e obsessão” (2001), “O intruso” (2004), entre outras grandes obras. Denis deixa-se experimentar a possibilidade de rodar um filme feito de olhares, rostos e corpos. A câmera de Agnes Godard se cola nos personagens e uma profusão sensorial nos impede de concatenar os fatos. A narrativa é passagem, variações sutis de um estado instaurado desde o início do filme. "Todo homem, independente de raça, cor, ou origem, é capaz de tudo e qualquer coisa”, diz Dah (Isaach De Bankolé), citando Chester Himes, logo no início do filme. A violência está sempre na espreita por uma forma que lhe dê vida. “S’em fou La mort” é esta forma. Não há como não pensar em “Galo de briga”, um filme-corpo-estranho de Monte Hellman. Pois mais do que as semelhanças da trama, Denis imprime em seu filme uma sensação muito cara ao cineasta americano: um cinema assombrado pela morte em que se experimenta uma forte sensação de que estamos observando personagens que nunca poderemos realmente entender. Alteridade absoluta.

quinta-feira, agosto 11, 2011

links

Alguns links:

Um mesa redonda intitulada "Obscure Objects of Desire: A Jam Session on Non-Narrative", com Raymond Durgnat, David Ehrenstein e Jonathan Rosenbaum.

E, sobre "A árvore da vida", de Terence Malick, que estréia amanhã, uma mesa redonda na CinemaScope, e uma série de textos na Reverse Shot.




terça-feira, agosto 09, 2011

desejo e obsessão *****

"Desejo e obsessão" é sensacional. É um filme que apela discretamente para as convenções do cinema de gênero, mas sem nunca se permitir ser reivindicado por ele. "Desejo e obsessão" poderia ser descrito como um filme de terror ou como uma ficção científica que não age como tal ou jamais sai do armário. O cinema de gênero é como que contrabandeado, infiltra-se na história como uma doença ao mesmo tempo familiar e estranha. Denis demonstra uma capacidade incrível de revisitar narrativas aparentemente esgotadas para reinvesti-las em toda a sua estranheza. A narrativa (ou melhor, os códigos e signos associados a determinados gêneros cinematográficos) funciona como uma forma de negociar a entrada do espectador no filme, é uma espécie de terreno comum (compartilhado pelo filme e pelos espectadores) e que facilita o diálogo.

Denis desfila mais uma vez suas fixações pelo corpo masculino, pelo sêmen, pela pele, pela doença... É um cinema sobre os corpos, seus limites e desejos, sempre em um equilíbrio incrível entre a sua materialidade, sua espessura impenetrável, e o seu sentido ou significado. O que existe são sensações e a consciência destas sensações. Denis faz da sensação a condição de força primordial da realidade. Isso sem falar em momentos de plasticidade incrível. Agnes Godard, a fotógrafa, faz do corpo uma paisagem inexplorada. E a câmera parece filmar pelo toque.

"Desejo e obsessão" é um filme sobre a carne. A "carne" tal como Merleau-Ponty a definia: um conceito (de caráter propriamente ontológico) que expressa a unidade primordial entre corpo e mundo. A carne é "a indivisão entre este ser sensível que eu sou e todo o resto que é sentido em mim". A carne é a espessura entre o que é visto e quem vê. Essa é a substância do cinema de Denis.

sábado, agosto 06, 2011

kubrick e maristela

O Cine Jóia exibe hoje em seu cineclube, às 21h30, "Laranja mecânica" (1971), de Stanley Kubrick. A entrada é franca. Senhas serão distribuídas a partir das 20h30.

E no CCBB, com a curadoria de Eduardo Ades e Rafael de Luna, está rolando uma mostra muito legal com os filmes do estúdio paulista Maristela. Vejam a programação:

Sábado (06/08):

- 15h, “Meu destino é pecar”, de Manuel Peluffo (Brasil, 1952). 35mm, 72min, P&B. Não recomendado para menores de 14 anos.
- 17h, “Presença de Anita”, de Ruggero Jacobbi (Brasil, 1951). Não recomendado para menores de 14 anos.
- 19h, “Ana”, de Alex Viany (Brasil, 1955). 25min (curta-metragem), P&B. Não recomendado para menores de 14 anos.
Debate: “Os gêneros no cinema brasileiro: melodramas e aventuras”, com: Rarafel de Luna Freire (curador da mostra) e Mariana Baltar (UFF).
Mediação: João Luiz Vieira (UFF).

Domingo (07/08):

- 15h, “Arara vermelha”, de Tom Payne (Brasil, 1957). 35mm (cópia nova), 97min, P&B. Não recomendado para menores de 14 anos.
- 17h, “O comprador de fazendas”, de Alberto Pieralisi (Brasil, 1951). 35mm, 90min, P&B. Livre.
- 19h, “Mãos sangrentas”, de Carlos Hugo Christensen (Brasil, 1954). Beta, 90min, P&B. Não recomendado para menores de 18 anos.

Terça (09/08):

- 17h, “Susana e o presidente”, de Ruggero Jacobbi (Brasil, 1951). 35mm (cópia nova), P&B, 79min Livre.
- 19h, “Getúlio, glória e drama de um povo”, de Alfredo Palácios (Brasil, 1956). 35mm, 85min, P&B. Livre.

Quarta (10/08):

- 17h, ”Vou te contá…”, de Alfredo Palácios (Brasil, 1958). 35mm (cópia nova), 90min. P&B. Livre.
- 19h, “O cinema nacional em marcha…”, de Jacques Deheinzelin (Brasil, 1951). 35mm (cópia nova), 10min, P&B. Livre
Debate: ”O cinema brasileiro industrial e independente”, com Afrânio Mendes Catani (USP) e Luís Alberto Rocha Melo (UFJF).
Mediação: Rafael de Luna Freire.
Quinta (11/08):
- 17h, “Simão, o caolho”, de Alberto Cavalcanti (Brasil, 1952). 35mm, 95min, P&B. Livre.
- 19h, “Quem matou Anabela?”, de D. A. Hamza (Brasil, 1956). 16mm, 93min, P&B. Não recomendado para menores de 14 anos.

Sexta (12/08):

- 15h, “A pensão de D. Estela”, de Alfredo Palácios e Frenc Frekete (Brasil, 1956). 16mm, 95min, P&B. Livre.
- 17h, “Mulher de verdade”, de Alberto Cavalcanti (Brasil, 1954). 35mm (cópia nova), 107min, P&B. Não recomendado para menores de 14 anos.
- 19h, “Susana e o presidente”, de Ruggero Jacobbi (Brasil, 1951). 35mm (cópia nova), P&B, 79min Livre.

Sábado (13/08):

- 15h, “Getúlio, glória e drama de um povo”, de Alfredo Palácios (Brasil, 1956). 35mm, 85min, P&B. Livre.
- 17h, “A pensão de D. Estela”, de Alfredo Palácios e Frenc Frekete (Brasil, 1956). 16mm, 95min, P&B. Livre.
- 19h, ”Vou te contá…”, de Alfredo Palácios (Brasil, 1958). 35mm (cópia nova), 90min. P&B. Livre.

Domingo (14/08):

- 15h, ”Mulher de verdade”, de Alberto Cavalcanti (Brasil, 1954). 35mm (cópia nova), 107min, P&B. Não recomendado para menores de 14 anos.
- 17h, “Quem matou Anabela?”, de D. A. Hamza (Brasil, 1956). 16mm, 93min, P&B. Não recomendado para menores de 14 anos.
- 19h, “Simão, o caolho”, de Alberto Cavalcanti (Brasil, 1952). 35mm, 95min, P&B. Livre.

terça-feira, agosto 02, 2011

serbian film 2

Hoje cineastas vão se encontrar na Fundição Progresso às 19h30m numa reunião aberta para debater as medidas que podem ser tomadas a fim de derrubar a censura ao "Serbian Film". Além disso, a Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM) programou exibições de filmes censurados no passado, seguidas de debates.

Domingo, saiu no “Globo” este texto abaixo assinado pelo Marcelo Janot sobre o censurado “Serbian Film”. Não se trata de uma matéria jornalística. Tampouco exatamente de uma crítica. É algo no meio do caminho. Parece-me até certo ponto um retrocesso em relação ao texto do Cezar Migliorin (veja no post abaixo). Janot ficou em cima do muro. Ele não condena de maneira mais incisiva a censura. É entranho como ela é criticada apenas pelo fato de ter dado sobrevida a um filme (segundo ele) ruim “através da pirataria, despertando o interesse de um público infinitamente superior ao que assistiria ao filme pelas vias legais”. Janot tem razão. Mas este não é definitivamente o x da questão. Estamos falando de liberdade de expressão e artística. Estamos falando de censura a um filme que ninguém viu. E o que mais me incomodou mesmo foi está penúltima e incompreensível frase: “E pior: fizeram com que um grupo de abnegados que se mobilizou contra a censura deixasse em muitos a impressão equivocada de estar defendendo um filme que, com ou sem cortes, merecia nada mais do que o completo anonimato”. Como assim?

Leiam o texto:

RIO – Milos é um ex-astro do cinema pornô sérvio. Passando por dificuldades para sustentar a mulher e o filho, ele aceita uma proposta milionária para voltar a atuar em um filme de um misterioso produtor. Desde o momento em que chega ao local das gravações, todos os seus passos são filmados. Ele é forçado a espancar uma mulher que lhe fornece sexo oral ao mesmo tempo em que observa uma adolescente chupando pirulito e se maquiando. Quando o produtor lhe mostra um vídeo em que um homem estupra um recém-nascido logo após o parto, aquilo é a gota d’água para Milos. Mas arrumam um jeito de drogá-lo para que ele volte a filmar e cometa barbaridades ainda piores.

Esta é a sinopse de “A Serbian film – Terror sem limites” (“Srpski film”). A simples leitura do parágrafo acima já insinua algo que se confirma nos primeiros minutos da projeção: o diretor estreante Srjdan Spasojevic fez um filme para chocar, abordando sem sutileza os mais variados tipos de tabus sexuais. Ao oferecê-los sem a menor preocupação de poupar o espectador (com exceção da cena com o recém-nascido, vista de longe e onde percebe-se que se trata de um boneco), e sem contextualizar as violações (que incluem sexo com cadáver e um estupro do filho de 5 anos) dentro do fiapo de roteiro, o diretor deu um tiro $próprio pé. Apesar de justificáveis apenas sob a ótica doentia do personagem do produtor, as cenas são tão gratuitas, grotescas e exageradas que perdem o impacto pretendido.

Nem a presença do bom ator Srdjan Todorovic, conhecido por filmes do diretor bósnio Emir Kusturica, empresta qualidade a essa produção de proposta realista. O que confere ao filme um caráter trash e alguma semelhança com os gore movies, mesmo sem o humor que caracteriza essas produções, é o excesso de tripas e sangue e a ausência de um roteiro consistente. Risíveis são as declarações dadas pelo diretor de que o filme seria uma espécie de metáfora do que passou o povo sérvio nos últimos anos.

Segundo o site IMDB, na Sérvia o filme arrecadou menos de 7 mil. E, por mais que gerasse algum burburinho em exibições esporádicas em festivais, por sua má qualidade artística passaria quase despercebido pelos cinemas onde fosse lançado. E aí quem resolveu dar um tiro no próprio pé foram as autoridades brasileiras. Ao proibirem a exibição do filme, garantiram a ele uma sobrevida com a circulação através da pirataria, despertando o interesse de um público infinitamente superior ao que assistiria ao filme pelas vias legais. E pior: fizeram com que um grupo de abnegados que se mobilizou contra a censura deixasse em muitos a impressão equivocada de estar defendendo um filme que, com ou sem cortes, merecia nada mais do que o completo anonimato. Não se espantem se em breve surgir uma onda de obras à altura da mediocridade de “Um filme sérvio”, já que a publicidade gratuita estará garantida.