quarta-feira, julho 30, 2008

a banda, a amante e o sol


a banda ***

Este “A banda” é uma deliciosa surpresa. É uma comédia discreta de narrativa simples, conduzida por cortes doces e muitos silêncios. A música não será o elemento universal a unir os personagens. Não há nem mesmo trilha incidental. Tampouco se verbaliza discursos sobre conflitos e tratados de paz. Eran Kolirin é um cara inteligente e consegue escapar elegantemente de alguns potenciais problemas. Mas o que mais me agrada em “A banda” é o esforço do cineasta e de seus personagens para resistirem à “violência” ou à “solidão” a que suas vidas e o convívio forçado que o filme relata parecem predestinados. Nós aguardamos os conflitos, mas Kolirin aposta, muito delicadamente, em algo mais elementar, em uma espécie de ética da amizade ou do convívio social que ainda sustentem o que restou desta civilização.

a última amante ***

Não conhecia nada do cinema de Catherine Breillat, mas gostei bastante deste “A última amante”. É um filme sobre o poder da carne, sobre a afirmação de uma identidade sexual em meio a um ambiente repressivo. O Pedro Butcher disse muito bem: “os personagens de Breillat não são figurinos recheados de corpos, mas corpos (desajeitadamente) vestidos com roupas de época”. A mise-en-scène é crua e direta. O cinema de Breillat se desmembra em corpos, olhares, e, principalmente, closes – trata-se também de um filme sobre a narrativa, já que grande parte do longa se dá quando Ryno conta a avó de sua futura esposa sobre suas aventuras amorosas.

E em cada close de Asia Argento o filme cresce. “A última amante” é todo Asia Argento. Sucumbir a sua performance é sucumbir ao filme. Argento é mais do que uma presença: é uma aparição. É assim que ela surge, deitada em um divã, nada preocupada em se levantar para o espectador, nos desafiando a acompanhá-la. A atriz sintetiza a representação da sexualidade feminina como um elemento transgressor, promovendo uma espécie de curto-circuito com este gênero “filme de época”. E a cineasta faz um uso incrível da persona ambígua de sua protagonista, ora feia, ora bela; ora primitiva, ora profunda; ora baixa, ora refinada...

o sol ****

Gosto muito dos cantos melancólicos de Aleksandr Sokurov. Gosto muito também deste seu “O sol”. Diferente dos outros longas da tetralogia sobre homens de poder (começada com Hitler em “Moloch” e Lênin em “Taurus”), em “O sol”, como bem diagnosticou o Eduardo Valente, Sokurov parece interessado não pelo mito, mas pelo homem. Em outras palavras, o imperador Hirohito, encarnado brilhantemente por Issei Ogata. Sokurov dilata o tempo e narra com muita paciência e detalhes o encontro do imperador com a sua humanidade. Em belas seqüências, como a em que o protagonista tem de abrir uma porta sozinho pela primeira vez, o filme alcança altos e trágicos decibéis.

As imagens (captadas em HD) emanam um quase sépia esfumaçado (o que passa uma impressão de serem velhas e modernas ao mesmo tempo), desafiam uma certa idéia de harmonia geométrica e se desmembram em rigorosas composições e lentos, porém constantes movimentos de câmera. O cineasta acompanha de perto o cotidiano ritualístico de seu personagem. Mais uma vez, abundam os planos-detalhe: pratos de cerâmica, abotoadeiras, luvas, embalagens de chocolate, etc. No cinema de Sokúrov, há vida em todo lugar. E todos estes elementos se mostram em perfeita sintonia com a trama. Existe uma pertinência estética, afinada com um conceito anterior à forma: um mundo que perdeu suas bases, vagando em uma nebulosa existencial, e um personagem a ponto de cometer um suicídio metafísico.

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