quarta-feira, dezembro 06, 2006

Eureka *****


"A tidal wave is coming. It will sweep us away"

E assim começa “Eureka” (2000), filme magnífico do japonês Shinji Aoyama. Um filme sobre os efeitos imensuráveis sofridos por pessoas que “experienciaram” situações limite de violência. Um filme sobre a possibilidade da “cura”. E Aoyama nos apresenta um processo longo e vagaroso que talvez não tenha fim; filmado em CinemaScope num preto-e-branco sépia, seco, sem nenhum contrate. Um filme que se passa num estado entre o sonho e o acordar, num mundo de três horas e trinta e sete minutos que eu não queria que terminasse.

A onda em questão surge na forma de um seqüestro de um ônibus, deixando apenas três sobreviventes: Kozue e seu irmão Naoki (Aoi e Masaru Miyazaki), no caminho para a escola, e Makoto (Koji Yakusho), o motorista do ônibus. O filme que se segue não é mais do que o alastramento e a depuração da violência cometida/sofrida neste primeiro momento. As crianças perderam os pais, cortaram os laços com o mundo, não falam (comunicando-se entre si através de uma espécie de telepatia, por nós presenciada ocasionalmente por intermédio da voz off). Makoto perde a mulher, sofre de insônia, tem pesadelos constantes e acaba se tornando o principal suspeito de uma série de assassinatos.

A maior parte do longa se dá dois anos mais tarde, quando Makoto, depois de vagar sem destino desde o incidente, retorna à cidade e acaba se mudando para a casa dos agora órfãos Kozue e Naoki. Makoto pede “Desculpe” a todas as pessoas com quem se relaciona. É curioso como isso nos alerta para impossibilidade do contato, da troca entre o personagem e as pessoas que o rodeiam. Os únicos capazes de entendê-lo e de serem por ele entendidos são os irmãos. Os três dividirão a casa com um quarto personagem, Akihiko (Yoichiro Saito), primo das crianças, enviado pela família para cuidar delas e manter o olho gordo na herança. Aos poucos, Makoto se dá conta que a vida deles precisa de mudanças. A vida na pequena cidade tornou-se mais obstáculo do que um encorajamento. Os quatro embarcam numa viajem num ônibus comprado por Makoto.

Ele e as crianças experienciam o mundo de maneira diferente. Aoyama penetra neste mundo (a partir do qual todos os outros são como aliens), e filma “Eureka” lá de dentro. Ao invés de dramatizar o estado emocional em que se encontram os personagens, o filme o absorve. E isso talvez tenha menos a ver com uma possível intenção de fazer o espectador experimentar a mesma ausência de dados dos personagens, e mais com o enorme respeito que Aoyama nutre pela fragilidade de seus protagonistas, vulneráveis a qualquer convenção narrativa.

O curioso é como na viagem os personagens parecem ainda mais desligados do mundo, num movimento aparentemente paradoxal. E no fim do filme os personagens parecem bem piores do que quando começaram. Mas Aoyama imprime esperança no sofrimento deles. Nada mais real do que a dor, nos diz “Eureka”. Para Makoto, Kozue e Naoki “sentir” é uma vitória. Um primeiro passo da paralisia para se questionar valores que nos foram passados, reconsiderar a presença do próximo, reaprender a dar significado às coisas. Recomeçar não é fácil. Talvez seja difícil demais. Talvez seja tarde para certas coisas. Talvez alguns não consigam. Talvez alguns não mereçam. “Eureka” tem o tamanho destas perguntas.

2 comentários:

Cinecasulófilo disse...

Eureka! Obra-prima!

Julio Bezerra disse...

Sem dúvida!