Muito trabalho, uma viajem, problemas com meu computador... e lá se vão quase três semanas sem atualizar o Kinos. Mas agora estou de volta. Tenho alguns textos para postar por aqui, alguns sobre filmes que já até saíram de cartaz. Enfim... vamos lá.
Medos privados em lugares públicos *****
Alain Resnais talvez seja o maior cineasta francês vivo. Ele ainda é mais conhecido por suas três primeiras obras primas (“Hiroshima meu amor”, “O ano passado em Marienbad” e “Muriel”), mas nunca realizou obras indiferentes e seus trabalhos mais recentes permanecem desafiadores dentro de uma continuidade temática e estilística. De “Melo” (1986) a “Na boca não” (2003), Resnais segue mestre. “Medos privados em lugares públicos”, seu 48º filme, baseado numa peça homônima de Alan Ayckbourn (marcando uma nova parceria de Resnais com o dramaturgo inglês, de quem já tinha adaptado a comédia “Smoking/No Smoking”) é mais um belo acréscimo a sua filmografia.
“Medos privados” é mais uma comédia de tons irônicos a respeito das possibilidades e buscas por felicidade. A trama do filme lida com histórias que tratam do cotidiano, um tanto banais mesmo, mas cobrindo toda uma camada de fragilidades e solidões. Com muita ternura por seus personagens, o cineasta desenha de maneira deslumbrante um mundo de liberdades e pessoas que não sabem o que fazer delas. Assim como em “Amores parisienses”, Resnais desvela um desespero silencioso por de baixo da superfície colorida e de plástico do mundo contemporâneo. A própria Paris de “Medos privados” não é a cidade das luzes, mas uma gélida e moderna capital, feita de espaços elegantes e vazios, onde pessoas se encontram e desencontram. Aos poucos, percebe-se um jogo trivial de máscaras e uma estrutura rígida, matemática. E são pessoas como nós, com algumas arestas de fora, é verdade, mas vivas. Todas elas funcionam em papéis como o filho, a colega, a irmã, a noiva o desempregado. Papéis que os definem e os reprimem ao mesmo tempo.
O mestre francês é um cineasta essencialmente emocional. Mas para ele, é a forma o melhor caminho para a emoção. É impressionante o domínio de Resnais, que faz uso de todos os recursos a sua disposição. Em determinadas seqüências, numa aproximação, num único movimento de câmera ele rearranja as forças atuantes em cena. Neste sentido, é curioso observar os recentes e constantes diálogos de Resnais com o gênero musical, o teatro, e, agora, as séries de TV. Em entrevistas recentes, Resnais se diz muito interessado pela inventividade da câmera em séries de TV americanas. Para a revista “Positf”, por exemplo, o realizador se declarou fã de “Arquivo X” e da virtuosidade da técnica de campo-contracampo e da mise-en-scène de Kim Manners, um dos diretores mais constantes da série – para completar, Mark Snow, músico das séries “Arquivo X” e “Millenium”, faz a trilha do longa. E assim como em “Melo”, "Smoking/No-smoking” (1993) e “Na boca não”, “Medos privados” não esconde a raiz no teatro. A mise-en-scène de Resnais esbanja teatralidade, insistindo nas divisões do cenário e as posições dos personagens - aliás, a primeira seqüência de “Medos privados” trava uma discussão a respeito de nossa percepção do espaço. Resnais também experimentou convenções do musical em seus dois últimos trabalhos. Em “Medos privados” não parece ser diferente. O diretor mais uma vez tira proveito do gênero, construindo o tipo de encontros e desencontros que o musical convencionou.
E na verdade, é a neve que parece funcionar como um intermédio musical. Há neve por todos os lados, sempre - até mesmo dentro de um apartamento. A neve branca de fevereiro assegura a transição por entre as seqüências, que se dissolvem num balé que imprimi uma certa leveza ao filme. Num hoje famoso texto, André Bazin já se perguntava porque nevava tanto no cinema. Para o crítico francês, a neve, em sua brancura e monotonia, armazena abismos e metamorfoses. E a impressão que dá é a de que Resnais deve ter lido “Il neige sur le cinema”. Pois em “Medos privados” a neve não é apenas fotogênica. A neve é um poderoso símbolo. Ela contamina, submerge os personagens numa espécie de aquário de nostalgias. Mas ela também cura ou, ao mínimo, confidencia. Mas, no entanto, no fim das contas, resta um otimismo curioso, um apelo sutil a fraternidade. “Medos privados” parece recomendar que desliguemos a TV. Pois a vida segue. Sempre.
Medos privados em lugares públicos *****
Alain Resnais talvez seja o maior cineasta francês vivo. Ele ainda é mais conhecido por suas três primeiras obras primas (“Hiroshima meu amor”, “O ano passado em Marienbad” e “Muriel”), mas nunca realizou obras indiferentes e seus trabalhos mais recentes permanecem desafiadores dentro de uma continuidade temática e estilística. De “Melo” (1986) a “Na boca não” (2003), Resnais segue mestre. “Medos privados em lugares públicos”, seu 48º filme, baseado numa peça homônima de Alan Ayckbourn (marcando uma nova parceria de Resnais com o dramaturgo inglês, de quem já tinha adaptado a comédia “Smoking/No Smoking”) é mais um belo acréscimo a sua filmografia.
“Medos privados” é mais uma comédia de tons irônicos a respeito das possibilidades e buscas por felicidade. A trama do filme lida com histórias que tratam do cotidiano, um tanto banais mesmo, mas cobrindo toda uma camada de fragilidades e solidões. Com muita ternura por seus personagens, o cineasta desenha de maneira deslumbrante um mundo de liberdades e pessoas que não sabem o que fazer delas. Assim como em “Amores parisienses”, Resnais desvela um desespero silencioso por de baixo da superfície colorida e de plástico do mundo contemporâneo. A própria Paris de “Medos privados” não é a cidade das luzes, mas uma gélida e moderna capital, feita de espaços elegantes e vazios, onde pessoas se encontram e desencontram. Aos poucos, percebe-se um jogo trivial de máscaras e uma estrutura rígida, matemática. E são pessoas como nós, com algumas arestas de fora, é verdade, mas vivas. Todas elas funcionam em papéis como o filho, a colega, a irmã, a noiva o desempregado. Papéis que os definem e os reprimem ao mesmo tempo.
O mestre francês é um cineasta essencialmente emocional. Mas para ele, é a forma o melhor caminho para a emoção. É impressionante o domínio de Resnais, que faz uso de todos os recursos a sua disposição. Em determinadas seqüências, numa aproximação, num único movimento de câmera ele rearranja as forças atuantes em cena. Neste sentido, é curioso observar os recentes e constantes diálogos de Resnais com o gênero musical, o teatro, e, agora, as séries de TV. Em entrevistas recentes, Resnais se diz muito interessado pela inventividade da câmera em séries de TV americanas. Para a revista “Positf”, por exemplo, o realizador se declarou fã de “Arquivo X” e da virtuosidade da técnica de campo-contracampo e da mise-en-scène de Kim Manners, um dos diretores mais constantes da série – para completar, Mark Snow, músico das séries “Arquivo X” e “Millenium”, faz a trilha do longa. E assim como em “Melo”, "Smoking/No-smoking” (1993) e “Na boca não”, “Medos privados” não esconde a raiz no teatro. A mise-en-scène de Resnais esbanja teatralidade, insistindo nas divisões do cenário e as posições dos personagens - aliás, a primeira seqüência de “Medos privados” trava uma discussão a respeito de nossa percepção do espaço. Resnais também experimentou convenções do musical em seus dois últimos trabalhos. Em “Medos privados” não parece ser diferente. O diretor mais uma vez tira proveito do gênero, construindo o tipo de encontros e desencontros que o musical convencionou.
E na verdade, é a neve que parece funcionar como um intermédio musical. Há neve por todos os lados, sempre - até mesmo dentro de um apartamento. A neve branca de fevereiro assegura a transição por entre as seqüências, que se dissolvem num balé que imprimi uma certa leveza ao filme. Num hoje famoso texto, André Bazin já se perguntava porque nevava tanto no cinema. Para o crítico francês, a neve, em sua brancura e monotonia, armazena abismos e metamorfoses. E a impressão que dá é a de que Resnais deve ter lido “Il neige sur le cinema”. Pois em “Medos privados” a neve não é apenas fotogênica. A neve é um poderoso símbolo. Ela contamina, submerge os personagens numa espécie de aquário de nostalgias. Mas ela também cura ou, ao mínimo, confidencia. Mas, no entanto, no fim das contas, resta um otimismo curioso, um apelo sutil a fraternidade. “Medos privados” parece recomendar que desliguemos a TV. Pois a vida segue. Sempre.
2 comentários:
Julioooooooooooo !!!!!!!! Está de voltaaaaaaaaaa !!!!!!! Vou te ligar um dia desses !!!!!!!! Muitas novidades !!!!!! Beijos, amigooooooo
Engraçado. Eu gostei do filme, mas não achei tudo isso que as pessoas dizem.
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