O ultimato Bourne ****
Em “O ultimato Bourne”, terceiro capítulo da série sobre o angustiado ex-agente da CIA Jason Bourne (vivido magistralmente por Matt Damon), Paul Greengrass amplifica o estilo que o fez famoso: a câmera na mão, montagem rápida, e um tom falsamente documental. É como um 007 em cinema direto americano. Se bem que, Greengrass foge do heroísmo e parece unicamente interessado em filmar o movimento e o deslocamento de corpos, reforçando a cada fotograma a ilusão de que tudo está se passando neste exato momento.
Embora este talvez seja o mais político da série, “O ultimato” não parece ter as preocupações de denúncia política de filmes anteriores do cineasta inglês. Aparentemente livre de qualquer ideal de objetividade – o crítico Nathan Lee costuma dizer com uma certa razão que “Vôo 93” e “Paixão de Cristo” são o mesmo tipo de filme para platéias diferentes -, Greengrass fez de seu mais novo filme um exercício acachapante de ação.
O cineasta sabe como poucos agarrar o espectador. A seqüência da estação londrina de Waterloo é impressionante. Greengrass trabalha embalado por um fluxo interminável de imagens/informações, numa fotografia que parece dividir os quadros/espaços como se em cortes e movimentos bruscos e trepidantes. Por vezes, isso nos custa a visão da cena, mas Christopher Rouse redefine a idéia de "montagem rápida" em cinema de entretenimento, e garante que entendamos exatamente o que se passa.
Embora este talvez seja o mais político da série, “O ultimato” não parece ter as preocupações de denúncia política de filmes anteriores do cineasta inglês. Aparentemente livre de qualquer ideal de objetividade – o crítico Nathan Lee costuma dizer com uma certa razão que “Vôo 93” e “Paixão de Cristo” são o mesmo tipo de filme para platéias diferentes -, Greengrass fez de seu mais novo filme um exercício acachapante de ação.
O cineasta sabe como poucos agarrar o espectador. A seqüência da estação londrina de Waterloo é impressionante. Greengrass trabalha embalado por um fluxo interminável de imagens/informações, numa fotografia que parece dividir os quadros/espaços como se em cortes e movimentos bruscos e trepidantes. Por vezes, isso nos custa a visão da cena, mas Christopher Rouse redefine a idéia de "montagem rápida" em cinema de entretenimento, e garante que entendamos exatamente o que se passa.
Dos curtas a "Meu tio matou um cara" (2005), o cinema de Jorge Furtado dorme com a literatura e com o cinema clássico e se alimenta de uma enorme preocupação em relação ao contato com o público. Num universo regido por imprevistos, seus personagens mais parecem prisioneiros das circunstâncias, sempre à espera do grande acontecimento de suas vidas. Extremamente habilidoso na articulação entre forma e conteúdo, o cineasta vem de um leve escorregão, mas se levanta em “Saneamento básico”, seu quarto longa. Diferente de seus três longas anteriores, os personagens de “Saneamento” não se mexem por paixão. Cada um deles se move por um objetivo particular e tem por trás de si um arquétipo específico. Na verdade, dessa vez, pela primeira vez, a comédia não tem conotações românticas. “Saneamento” tampouco se ancora numa narração em off. E até aquela displicência no uso de câmera parece melhor diluída.
Em linhas diversas, o cineasta mais uma vez cria um conjunto com unidade multifacetada. Mais uma vez, a verdade dos fatos não está nos fatos, mas nos pontos de vistas de quem os enxerga. E a história é o que se vê acontecer na tela - de certa maneira, “Saneamento” talvez se aproxime de “Houve uma vez dois verões” (2002) em seu referencial no cinema clássico, trabalhando com um enorme frescor os personagens que cria. E é nesse jogo narrativo que Furtado está interessado. Para o filme, pouco importa que pareça estranho a personagem de Fernanda Torres não saber o que significa ficção. Aliás, neste sentido, talvez o que mais me incomode seja a versão distorcida que Furtado nos mostra da região gaúcha de colonização italiana – recomendo a leitura do texto de Fernando Mascarello na Cinequanon.
Em “Saneamento”, comédia rima com política. O dinheiro é mais uma vez um elemento preponderante. Os personagens discutem o preço das coisas a todo momento, traduzindo os custos para uma “moeda” mais próxima a eles. Assim, ficamos sabendo que a quantia gasta na montagem daria para comprar muitos, muitos tijolos. E assim, as contradições relativas à produção cinematográfica em um país como o Brasil tornam-se subtexto para lá de explícito. Na hora H, os personagem tem de decidir entre comprar os direitos de uma música de Billie Holiday ou manter a possibilidade da construção da fosse. Eles acabam optando pela música. E Furtado está claramente com eles.
Em “Saneamento”, comédia rima com política. O dinheiro é mais uma vez um elemento preponderante. Os personagens discutem o preço das coisas a todo momento, traduzindo os custos para uma “moeda” mais próxima a eles. Assim, ficamos sabendo que a quantia gasta na montagem daria para comprar muitos, muitos tijolos. E assim, as contradições relativas à produção cinematográfica em um país como o Brasil tornam-se subtexto para lá de explícito. Na hora H, os personagem tem de decidir entre comprar os direitos de uma música de Billie Holiday ou manter a possibilidade da construção da fosse. Eles acabam optando pela música. E Furtado está claramente com eles.
“Cidade dos homens” começa com muitas promessas. A bela trilha de Antônio Pinto (“Cidade de Deus”) casa com pequenos flashes de antigas passagens da série. Num tom quase épico, Paulo Morelli tenta aqui uma ligação emocional com o espectador. Vemos Acerola/Douglas e Laranjinha/Darlan mais jovens, personagens e atores marcados pelo tempo do filme e pelo tempo real. Cria-se um bonito elo entre a “vida real” e a realidade dentro do cinema. Outro ponto positivo é o exercício de economia narrativa realizado no roteiro de Morelli e Elena Soarez. Acerola e Laranjinha estão cercados de muitos personagens, mas conseguimos chegar perto de cada um deles. A fotografia de Adriano Goldman (“O ano em que meus pais saíram de férias”) segue o padrão estético delimitado por César Charlone em “Cidade de Deus”, com uma câmera fortemente influenciada pela publicidade, indo sempre ao encontro dos corpos, banhados numa luz dourada.
No entanto, os flashes que tão bem abrem “Cidade dos homens, o filme” são usados à exaustão por toda a duração do longa e o efeito comovente conseguido inicialmente se perde por completo. O curioso é que o filme tem alguns dos problemas (de decupagem, de mise-en-scène) que marcaram as outras duas investidas de Morelli pelo longa-metragem, o filme de época "O preço da paz" (2003) e a comédia "Viva voz" (2003). Em seqüências como aquela em que Acerola e Laranjinha se separam pela primeira vez, cada um indo para um lado do quadro, a mise-en-scène de Morelli se mostra um tanto óbvia. O cineasta também peca vez por outra com uma linguagem cinematográfica que se pretende moderna e inteligente, escorregando na busca sem freios da emoção, em algumas gags bem rasteiras, e em alguns tiques hiper-explorados, como a câmera na mão, os focos e desfocos, e os arredores super-fotogênicos.
Talvez o que mais preocupe seja o fato de se assistir ao filme como um grande dejá-vu. Quatro anos separam a estréia de "Cidade dos homens" na TV do lançamento do filme nos cinemas. De lá para cá, pode-se notar que a presença da imagem popular na televisão brasileira ressurgiu como uma enorme novidade. Em outras palavras, a cultura da pobreza e das favelas no Brasil ganha hoje visibilidade como uma fonte de significado e identidade. A série “Cidade dos homens”, tanto em seu conteúdo quanto em sua forma, foi delicadamente deglutida: aquele apetite pelo real, os traços de jovialidade da dupla de protagonistas, a fricção entre elementos cômicos e dramáticos, e a estilização da imagem a partir das atuais convenções da câmera na mão, da instabilidade na captação, dos cortes abruptos...
No entanto, os flashes que tão bem abrem “Cidade dos homens, o filme” são usados à exaustão por toda a duração do longa e o efeito comovente conseguido inicialmente se perde por completo. O curioso é que o filme tem alguns dos problemas (de decupagem, de mise-en-scène) que marcaram as outras duas investidas de Morelli pelo longa-metragem, o filme de época "O preço da paz" (2003) e a comédia "Viva voz" (2003). Em seqüências como aquela em que Acerola e Laranjinha se separam pela primeira vez, cada um indo para um lado do quadro, a mise-en-scène de Morelli se mostra um tanto óbvia. O cineasta também peca vez por outra com uma linguagem cinematográfica que se pretende moderna e inteligente, escorregando na busca sem freios da emoção, em algumas gags bem rasteiras, e em alguns tiques hiper-explorados, como a câmera na mão, os focos e desfocos, e os arredores super-fotogênicos.
Talvez o que mais preocupe seja o fato de se assistir ao filme como um grande dejá-vu. Quatro anos separam a estréia de "Cidade dos homens" na TV do lançamento do filme nos cinemas. De lá para cá, pode-se notar que a presença da imagem popular na televisão brasileira ressurgiu como uma enorme novidade. Em outras palavras, a cultura da pobreza e das favelas no Brasil ganha hoje visibilidade como uma fonte de significado e identidade. A série “Cidade dos homens”, tanto em seu conteúdo quanto em sua forma, foi delicadamente deglutida: aquele apetite pelo real, os traços de jovialidade da dupla de protagonistas, a fricção entre elementos cômicos e dramáticos, e a estilização da imagem a partir das atuais convenções da câmera na mão, da instabilidade na captação, dos cortes abruptos...
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