quarta-feira, outubro 31, 2007

imperdíveis

Amanhã, numa sessão conjunta entre sala escura e tela brasilis, o MAM exibe, às 18h30, "O vampiro da cinemateca" (1975-77), de Jairo Ferreira, e os curtas "Mocoso mal criado" (1993), de Pablo Trapero, e "Rey muerto" (1995), de Lucrecia Martel.

E no CCBB, a mostra completíssima do Jarmusch:

Dia 1/11 (quinta):

15h30 – Johnny Guitar, de Nicholas Ray
17h30 – Down by Law, de Jim Jarmusch
19h30 – Trem Mistério, de Jim Jarmusch

Dia 2/11 (sexta)

15h30 – Sem Fôlego, de Paul Auster e Wayne Wang
17h30 – Sobre café e cigarros (curta e longa), de Jim Jarmusch
19h30 – Pull my Daisy, de Alfred Leslie e Robert Frank
The Last Clean Shirt, de Alfred Leslie

Dia 3/11 (sábado):

19h – Sem Fôlego, de Paul Auster e Wayne Wang
20h30 – Sobre café e cigarros (curta e longa), de Jim Jarmusch

Dia 4/11 (domingo):

16h – Os Corruptos, de Fritz Lang
18h – Pull my Daisy, de Alfred Leslie e Robert Frank
The Last Clean Shirt, de Alfred Leslie
20h – Tigrero, de Mika Kaurismäki

Dia 6/11 (terça):

15h30 – A marca da maldade, de Orson Welles
17h30 – Uma Noite sobre a Terra, de Jim Jarmusch
19h50 – Ghost Dog, de Jim Jarmusch

Dia 7/11 (quarta):

15h30 – Faça a coisa certa, de Spike Lee
17h30 – Ghost Dog, de Jim Jarmusch
19h30 – Year of the Horse, de Jim Jarmusch

Dia 8/11 (quinta):

15h30 – Accatone – Desajuste Social, de Pier Paolo Pasolini
17h30 – O estado das coisas, de Wim Wenders
19h30 – Uma Noite sobre a Terra, de Jim Jarmusch

Dia 9/11 (sexta):

15h30 – Tigrero, de Mika Kaurismäki
17h30 – Dead Man, de Jim Jarmusch
19h40 – Permanent Vacation, de Jim Jarmusch
Ten Minutes Older, de Jim Jarmusch

Dia 10/11 (sábado):

19h – Flores Partidas, de Jim Jarmusch
20h30 - Dead Man, de Jim Jarmusch

Dia 11/11 (domingo):

16h – Acossado, de Jean-Luc Godard
18h – Permanent Vacation, de Jim Jarmusch
Ten Minutes Older, de Jim Jarmusch
20h - Flores Partidas, de Jim Jarmusch

terça-feira, outubro 16, 2007

mais dicas

O CinePuc, organizado pelos alunos do curso de cinema da faculdade, se supera a cada mês. Outubro é dedicado ao mestre português João César Monteiro:

09/10 às 19h - Veredas, João César Monteiro, 1978, 120 min.
16/10 às 19h - Recordações da Casa Amarela , João César Monteiro, 1989, 122 min. - convidado: Hernani Heffner
23/10 às 19h - O Último Mergulho, João César Monteiro, 1992, 88 min.
30/10 às 20h - Vai E Vem, João César Monteiro, 2003, 178 min.

E a partir desta quarta, a cinemateca do MAM abriga uma imperdível mostra sobre Alexander Kluge, um dos maiores (e menos conhecidos) expoentes do cinema novo alemão. A mostra traz a obra completa em longas-metragens (vários inéditos no Brasil), além de curtas e programas de televisão. Eu mesmo vi apenas dois filmes de Kluge: “Os artistas da cúpula do circo: Perplexos” (1968) e “O poder dos sentimentos” (1983). Obras-primas. A programação.

Para terminar, a tirinha do Laerte:




domingo, outubro 14, 2007

duas dicas

Mais um blog/diário de filmagem bem legal: Filmefobia. A página é de autoria do roteirista Hilton Lacerda ("Baixio das bestas", "Árido Movie") e relata as filmagens do novo filme de Kiko Goifman ("33").
A outra dica (esta roubada discaradamente do Anotações de um Cinéfilo), é a disponibilização na web do livro de Tag Gallagher sobre John Ford. É só clicar no link.

quarta-feira, outubro 10, 2007

outros cinco

O festival chegou ao fim. Ando meio completamente sem tempo, mas continuarei postando por aqui sobre os filmes que vi.

ps: queria recomendar a cobertura do festival feita pelo Cinecasulofilia.



I'm a Cyborg but that's ok *

“I'm a Cyborg but that's ok” me parece ser um filme com um desejo mais popular do que os anteriores de Park Chan-Wook (“Old boy”, “Lady vingança”). O coreano parece buscar um filme família, dando destaque para um cantor de música pop coreana chamado Rain (um dos protagonistas). Talvez o procedimento que mais gera interesse seja também aquele que torna o filme tão previsível. “Cyborg” transita muito bem da câmera subjetiva da protagonista para a terceira pessoa, conseguindo alguns momentos sedutores mesmo. Mas isso aos poucos vai quebrando o feitiço. Chan-Wook vai paulatinamente descortinando todas as nuances e ambigüidades que sua premissa absurda trazia consigo. No mais, o filme me parece um tanto fútil como retrato da loucura. Ou seja: não é um filme louco, sobre os loucos ou com os loucos.

Mundo livre *

Atualmente, vejo os filmes de Ken Loach com a única e exclusiva razão de implicar com o meu pai, fã do cinema do inglês. É engraçado: depois do filme, meu pai acaba sempre (ou quase) concordando comigo. Acho que o apreço dele pelo cinema de Loach passa certamente por uma questão geracional e pela simpatia que ele tem pela verve política do cineasta. Não é que Loach seja um péssimo realizador. Aliás, esta é uma idiossincrasia da crítica de Internet brasileira que simplesmente não gosta do cara (uma implicância em geral não confessada). É verdade que seus filmes chafurdam num esquematismo um tanto irritante, mas não são as bombas que muitos dizem por aí. Na verdade, as críticas parecem mais interessadas em combater os posicionamentos políticos do diretor, sua visão de mundo, do que pensar mais propriamente como essas premissas parecem por vezes prescindir ao filme, engessá-lo. O problema não é (do ponto de vista cinematográfico) as idéias (que, por sua vez, não são desinteressantes como dizem) de Loach, mas sua artesania. E neste sentido, ele é no máximo competente, com uma dramaturgia em geral frágil e extremamente convencional.

“Mundo livre” guarda algumas diferenças para com os filmes mais recentes de Loach. Dessa vez, a história não é vista pelos olhos dos explorados. A personagem principal, Angie (Kierston Wareing) dirige uma agência de empregos e o longa acompanha a sua trajetória de extrema e crescente promiscuidade com a ilegalidade. Apesar das viradas dramáticas deixarem no ar um tom um tanto melodramático, o desenvolvimento da personagem não me pareceu forçado ou arbitrário. Muito pelo contrário, o longa parece alimentar uma certa ambigüidade em relação a protagonista até o fim. O que seria um avanço se a interpretação de Wareing fosse um pouco melhor.

Sonhando acordado **

Não entendo a recepção tão negativa em relação a esse filme. É verdade que o roteirista Charlie Kaufman faz falta. No fim das contas, as construções de “Sonhando acordo” parecem meio aleatórias mesmo. O caos aqui parece por vezes completamente desordenado. Em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004), Michel Gondry servia e potencializava um roteiro extremamente rigoroso em seus desenvolvimentos e propósitos. Já “Sonhando acordado” não diz exatamente ao que veio. Mas acho bem legal a recusa ao CGI e o uso de técnicas como o stop motion. Gondry e equipe conseguem uma textura onírica, e atmosfera visual de fantasia funciona com muita sedução. Ou seja: pra mim, o saldo é positivo.

Ah... outra coisa: Gael Garcia Bernal está bem, mas o personagem parece às vezes mais idiota do que sonhador (só não dá pra saber se isso vem do roteiro ou da própria atuação de Bernal).

Nascido e criado **

Gosto muito mesmo de Pablo Trapero (“El Bonaerense” “Família rodante”). O cineasta argentino se centra sempre em personagens deslocados, perdidos, agentes passivos mergulhados num contexto ao qual não pertencem. Em seus filmes há sempre uma viajem, veículos de expressão para seus personagens. Não é diferente em “Nascido em criado”. Embora mais discreto do que nos trabalhos anteriores, é ótimo o cinemascope de Guillermo Nieto, sublinhando os contornos um tanto opressivos da enormidade branca da paisagem. Trapero faz da Patagônia um reflexo do estado emocional de Santiago (Guillermo Pfening). Trapero impregna o filme com essa paisagem/atmosfera fria e inóspita, olhando com cuidado para os personagens esquecidos que por ali insistem em viver.

A história está lá, mas apenas como ponto de partida. E isso se percebe claramente para o bem e para o mal. Trapero é no máximo competente quando o filme demanda uma dimensão narrativa. No entanto, naquilo que realmente lhe interessa, essa espécie de comunhão e testemunha de um personagem e suas experiências, o realizador é mais uma vez brilhante. E o curioso é que em meio há tanto sofrimento, “Nascido e criado” é um longa à disposição da vida. Toda a seqüência da despedida de solteiro de Robert (Federico Esquerro) é impressionante. Apesar da construção dramática me parecer um tanto frágil, Trapero consegue fazer com que cada seqüência tenha seus respectivos elementos, conflitos, e detalhes por vezes fascinantes. Triste é o fato de “Nascido e criado” perder muito de sua força com um final conclusivo e muito pouco convincente. A admiração persiste, mas confesso uma ponta de decepção.

For your consideration ***

Christopher Guest é mestre num certo tipo de humor, capaz de trazer todos os elementos de um filme para uma órbita cômica bem particular. Guest é extremamente cuidadoso na construção de seus personagens, figuras quase sempre atormentadas por decepções. E, na verdade, o tom humorístico de seus filmes vem destes seus personagens e suas desilusões demasiado humanas. Por sua vez, “For your consideration” é um longa de insiders da industria hollywoodiana, mas com uma perspectiva outsider. E este é um movimento curioso. Ao mesmo tempo em que ironiza a indústria, “For your consideration” faz dela a sua própria imagem. Trabalhando com a mesma trupe de atores, o cineasta consegue ótimas atuações e talvez peque apenas por uma certa previsibilidade e pela falta de ritmo aqui e ali. Mas, definitivamente, Guest é um realizador subestimado.

sexta-feira, outubro 05, 2007

três documentários


Juízo

Tive sérios problemas com “Juízo”. Não consegui “ler” o filme de Maria Augusta Ramos (“Justiça”). A diretora acompanhou, do tribunal às unidades correcionais de menores infratores, casos que vão do roubo de uma bicicleta ao assassinato de um pai, esfaqueado pelo próprio filho. Impossibilitada pela lei de mostrar os rostos dos meninos e meninas em seu filme, Maria Augusta decidiu substituí-los por atores que conhecessem essa realidade. Não sei se as seqüências que vemos foram encenadas ou apenas os planos dos acusados é que foram trocados. Maria Augusta assume a presença dos atores nos letreiros iniciais, mas depois esconde todos os traços de encenação. A montagem cria uma perfeita ilusão de continuidade e a câmera busca transparência. Talvez o problema seja maior pelo fato do filme ter um aspecto de serviço de utilidade pública. Neste sentido, a confusão que “Juízo” intencionalmente provoca não me parece saudável.

Talvez o meu problema tenha sido com a sessão em que vi o filme. A juíza e os promotores estavam por lá e a presença deles me incomodou bastante. “Juízo” pode até não ser explícito em seus julgamentos, mas o retrato crítico está ali para quem quiser vê-lo. A juíza, por exemplo, é autoritária, dona da verdade, armada de diversas “lições de moral”, completamente distante dos acusados – que precisam provar que são inocentes e não o contrário. Além do mais, ria muito a platéia na sessão deste filme, marcado pela desesperança, pela expressão de vidas potencialmente perdidas. O próprio ato de olhar do espectador está repleto de ética e é, ele próprio, o objeto de julgamento ético quando observado. O espectador deve ser considerado como eticamente responsável por suas respostas. Nota zero para o público presente. Para o filme... não sei. Terei de vê-lo novamente.

Diário de Sintra **

Gostei de “Diário de Sintra”. Um filme de uma mulher apaixonada em busca daquilo que perdeu, à procura daquela Sintra onde Glauber se retirou com a família pouco antes de sua morte. Viúva de Glauber, Paula Gaitán mistura filmes caseiros, depoimentos, entrevistas, fotos... Mas a sensação é de estarmos vendo uma espécie de travelogue, entre passado e presente, sonho e realidade, nostalgia e rememoração - “Caminhos que levam a Sintra ou talvez a lugar nenhum”, diz a cineasta em off. Gaitán está atrás dos vestígios, dos traços deixados pelo marido em sua passagem pela cidade portuguesa. Algumas soluções visuais dão muito certo (as mãos tentando se tocar), outras nem tanto (as fotos na árvore). Me incomoda um pouco uma verta necessidade de ser “artístico” a todo custo, além de algum, digamos, tiques da videoarte espalho aqui e ali. Há uma certa impostação na voz off que narra poemas dos mais variados autores em diversas línguas. Também fica a impressão de que Glauber talvez demore um pouco demais para aparecer, e não vemos quase nada de Gaitán, o que talvez enfraqueça o tom confessional que o filme busca.

O andarilho ****

Cao Guimarães é certamente um de nossos melhores cineastas. É um cinema de intensidades. Um cinema em transe com o mundo histórico. Um cinema que não narra, mas indica a presença real das coisas. “Andarilho” é um furacão delicado a capturar toda a vida que lhe cerca. O filme preserva o fluir do tempo com muita paciência e geometrias nos enquadramentos. O tempo através do qual esses andarilhos negociam suas presenças com o mundo. Radicalmente separado da informação, “Andarilho” nunca é exótico. Se aproxima se distanciando.

Ficamos então totalmente seduzidos pela loucura cheia de ordem desses andarilhos que o filme encontra. Pouco sabemos exatamente sobre eles. Na verdade, nos interessa apenas o personagem em sua constituição, seus gestos e fala, e a maneira pela qual eles dão uma integridade formal e estética a fragmentos do mundo histórico. Há ainda uma incrível pré-disposição ao acaso, que, por sua vez, premia o longa em alguns momentos. O encantamento do espectador com esse filme passa certamente pelo prazer de estar compartilhando a experiência do cineasta. E Guimarães desafia nosso olhar e audição. Vínculos sonoros, visuais e narrativos atam uma dimensão à outra, expandindo para o imaginário tudo o que é mostrado. Por todo o longa espalham-se tons evocativos e nuanças expressivas que nos lembram que o mundo é mais do que a soma das evidencias visíveis que nos são mostradas.

quarta-feira, outubro 03, 2007

segunda chance no Odeon

A programação da repescagem do festival:
Sexta 5-outubro
13:45 Opera Jawa, de Garin Nugroho
16:00 Eu e você, de Ma Liwen
17:45 Na estrada com o amante da minha mulher, de Kim Tai-sik
19:45 Fraulein, de Andrea Staka
21:30 Floresta dos lamentos, de Naomi Kawase

MARATONA: a partir das 23h
23h20: Go Go Tales, de Abel Ferrara
2h: Like a Virgin, de Lee Hae-Young Lee Hae-Jun
4h40: Mundo imundo de John Waters, de Jeff Garkin
Sábado 6-outubro
13:15 Hana, de Hirokazu Kore-Eda
15:45 Antiga alegria, de Kelly Reichardt
17:30 Uma velha amante, de Catherine Breillat
19:45 O outro, de Ariel Rotter
21:30 Lust, Caution, de Ang Lee
Domingo 7-outubro
13:45 As rosas do deserto, de Mario Monicelli
15:45 O bom de chorar, de Matias Bize
17:30 Antes que o Diabo saiba que você está morto, de Sidney Lumet
19:45 Entrevista, de Steve Buscemi
21:30 Não toque no machado, de Jacques Rivette
Segunda 8-outubro
13:00 O Antigo Jardim, de Im Sang-soo
15:15 A vida pós-moderna da minha tia, de Ann Hui
17:30 O casamento de Tuya, de Wang Quan’an
19:30 Morrer em hebreu, de Alejandro Springall
21:30 Caixas Boxes, de Jane Birkin

Terça 9-outubro
13:30 Ezra, o menino soldado Ezra, de Newton I. Aduaka
15:30 A felicidade de Sakai, de Mipa
17:45 Sonhos de deserto Hyazgar, de Zhang Lu
19:45 Um táxi para a escuridão, de Alex Gibney
21:30 O caminho de San Diego, de Carlos Sorin
Quarta 10-outubro
13:15 Os encantos de Paloma Délice Paloma, de Nadir Moknèche
15:30 Argentina latente, de Fernando Solanas
17:30 Cristóvão Colombo – O enigma, de Manoel de Oliveira
19:00 Feche... apenas seus olhos, de Ali Reza Amini
Quinta 11-outubro
13:45 Adeus, cidade do sul Goodbye, de Oleg Safaraliyev
15:45 Eichmann Eichmann, de Robert Young
17:45 Elvis Pelvis, de Kevin Aduaka
19:45 Papel não embrulha brasas, de Rithy Panh
21:30 A cada um seu cinema

terça-feira, outubro 02, 2007

quatro franceses


As testemunhas **

Não conheço muito do cinema do francês André Techiné. Mas gosto do pouco que vi, em especial o “Encontro” (1985) e “Os ladrões” (1996). Me impressiona como ele consegue fazer de cada um de seus personagens um universo particular, além de conseguir um enorme equilíbrio entre as histórias que narra. Neste sentido, o próprio titulo deste seu novo filme diz muito de seu cinema. Um cinema contemplador de vidas. “As testemunhas” começa muito bem, apresentando os dramas de seus personagens, suas bagagens, suas razões e causas e os efeitos que elas geram. Trata-se de um filme genuinamente de roteiro, embalado num formato claramente literário, e um tanto ágil em sua montagem. O problema é que Techiné também quer um testemunho do surgimento devastador da AIDS na França. E aí “As testemunhas” parece assumir um tom mais informativo ou didático. Apesar de alguns momentos de grande interesse, aos poucos, o longa se perde um pouco.

De volta à Normandia ***

“De volta a Normadia” é um filme de muita ambição. Difícil dizer sobre o que ele realmente trata. Este novo documentário de Nicolas Philibert (“Ser e ter”) só se pode descrever por fragmentos. Ainda que o cineasta tente definir seu objeto de maneira clara - como a volta as locações do “Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão” (1975), onde trabalhou como assistente de direção de René Allio -, “De volta a Normadia” parece seduzido pelos personagens que encontra. E Philibert nutre um olhar encantado e extremamente paciente para com os camponeses que atuaram no filme de Allio, acompanhando o presente deles com muitos detalhes. As múltiplas camadas que caracterizam o filme, os contornos incertos de seu “sujeito”, sua volta às origens do próprio cinema de seu diretor... “De volta a Normandia” é também um longa sobre o trabalho do documentarista e sobre a vocação de Philibert. Para completar, há uma seqüência lindíssima fechando o filme: o cineasta resgata imagem do próprio pai, Michel Philibert, que havia interpretado um pequeno papel na produção de Allio, eliminada no corte final. A imagem nos é mostrada sem som, em todo a sua pequena duração. Uma linda homenagem.

Em Paris ***

Uma das melhores idéias da Nouvelle Vague era a de que o cinema poderia ou deveria exprimir o prazer não só de fazer filmes, como também de assisti-los e de pensar sobre eles. Me parece ser essa a premissa de “Em Paris”, de Christophe Honoré. Trata-se um longa sobre amores. Paul acaba de encerrar um relacionamento - os flashbacks nos dão um pouco do conflituoso romance entre ele e Anna, uma (seremos apresentados a outras) das causas da depressão dele – e se refugia na casa do pai e do irmão mais novo. É curiosa a química entre Romais Duris (um ator quase símbolo do cinema francês mais contemporâneo) e Louis Garrel (uma reencarnação do herói de Truffaut, Antoine Doinel). Honoré busca inspiração em Godard e Truffaut e, numa das mais belas cenas do filme, ainda nos lembra de "Os Guarda-Chuvas do Amor", do grande Jacques Demy. Mas estas referências não transformam o longa apenas em um divertido jogo para iniciados. As citações jamais parecem muletas; as homenagens e as referencias nunca são pedantes. Muito pelo contrário: elas apimentam a trama e sublinham o próprio amor pelo cinema. “Em Paris” é uma prazerosa homenagem a Nouvelle Vague, através da qual Honoré estabelece um acordo entre o passado e o presente.

Uma moça divida em dois ****

Claude Chabrol é um amante incorrigível das caricaturas. Em “Uma moça dividida em dois”, a trama mais uma vez é apenas o ponto de partida para um inventário com generosas doses de humor sobre três personagens (interpretados por François Berléand, Ludivine Sagnier, e o ótimo Benoît Magimel). Chabrol exagera nas caracterizações e põe suas criaturas em situações limites, sublinhando seus sentimentos mais mesquinhos e inocentes. O cineasta não revela as motivações dos personagens – talvez, elas nem existam mesmo. Na verdade, não existem segredos. Mas há um registro curioso aqui. Chabrol conta sua história frontalmente, cada cena diz e mostra tudo aquilo que ela quer dizer e mostrar. No entanto, nessa maneira aparentemente simples de narrar, temos toda a evocação do “mistério”. E Chabrol é mestre em (re)introduzir mistério naquilo que parecia simples. Além do mais, é empolgante tentar desnudar as construções do cineasta. Em “Uma moça dividida em dois”, a imagem é construída com o máximo de cuidado e precisão. Tudo, dos enquadramentos e movimentos aos olhares, está ali por algum motivo. Chabrol é claro e profundo. Cerebral.

segunda-feira, outubro 01, 2007

três brasileiros


Ainda orangotangos **

É bonito ver a entrega radical de Gustavo Spolidoro e sua equipe à “Ainda orangotangos”. Rodado num único plano-sequência, o filme transborda em frescor, com uma impecável dinâmica de produção, ótimas atuações e a proposta bem sucedida de filiação a Porto Alegre. O trabalho da câmera é um tanto irregular, mas consegue cambiar de ângulos e escalas com muita fluidez, além manter nossa curiosidade em relação ao seu próximo passo. Baseado no livro homônimo de Paulo Scott, o longa é uma espécie de mosaico de bizarrices. Há uma certa irregularidade nos episódios e alguns deles talvez estejam mesmo totalmente fora de sintonia com o restante do longa (a cena do pesadelo, por exemplo). E por vezes o conceito do plano-seqüência vem antes de tudo, como regra primeira de um jogo que em algumas seqüências (como a da bebedeira de perfume no apartamento) parece pedir o corte.

Estômago ***

“Estômago” é cinema popular. O primeiro filme de Marcos Jorge funciona muito bem nesta chave, com o trabalho da música (com alguns exageros, é verdade), os ótimos João Miguel e Babu Santana, um impressionante timing nos diálogos e algumas gags visuais, e muitas referências a Fellini. O longa gira em torno da trajetória anedótica do protagonista/narrador Raimundo Nonato. Marcos Jorge vai empurrando os diálogos até o limite do ridículo; às vezes, escorrega nele, noutras se sai ileso e com muitas gargalhadas. O cineasta e o fotógrafo Toca Seabra não escondem a dimensão de representação do filme, apesar de chamarem pouca atenção para suas construções dramáticas. A sedução de “Estômago” se esvai um pouco pela confusão estrutural do longa, que se desdobra em dois segmentos temporais. Mas trata-se de uma boa estréia. Uma pena o circuito brasileiro não estar pronto para um filme como esse.

A cada de Alice ***

“A casa de Alice” começa muito bem. Somos apresentados um a um a todos os personagens. Há um certo exagero em suas descrições, mas o estreante em ficções, Chico Teixeira conduz tudo com considerável segurança, acompanhando Alice e sua família desestruturada, caminhando pela sexualidade à flor da pele de seus integrantes e uma certa imoralidade nos relacionamentos – apenas a figura do pai me parece um pouco negligenciada. A fotografia de Mauro Pinheiro (que no início parece sempre atrasada ou adiantada em relação a ação) e a arte de Marcos Pedrosa constroem um universo cinzento, na direção das operações, digamos, naturalistas do filme. Teixeira se aproxima espacialmente e afetivamente de seus personagens, comprometido com suas verdades pra lá de ambíguas. E Alice (Carla Ribas) é uma personagem encantadora. O longa parece narrar essas impossibilidades que delineiam nossas frágeis vidas. Um belo dia Alice despertou num quarto estranho, junto de estranhos com os quais não consegue mais se reencontrar. O acaso, o desejo sexual e o capricho das circunstâncias vão marcar os desdobramentos de sua história.

Os problemas surgem aqui e ali e vão se acumulando na medida que a narrativa avança. Não vejo o cinismo e muito menos o negativismo programático que algumas críticas apontaram. No entanto, talvez o problema maior do filme seja o fato da solidariedade inicial para com os personagens se transformar um pouco em maldade. E na verdade, aquele “over” na caracterização dos personagens também pontua outras opções de “A Casa de Alice”, que insiste, por exemplo, em alguns psicologismos complicados. Aos poucos, os personagens parecem simples instrumentos de manipulação a serviço da narrativa, que, por sua vez, se desenvolve a passos por demais funcionalizados.