segunda-feira, outubro 01, 2007

três brasileiros


Ainda orangotangos **

É bonito ver a entrega radical de Gustavo Spolidoro e sua equipe à “Ainda orangotangos”. Rodado num único plano-sequência, o filme transborda em frescor, com uma impecável dinâmica de produção, ótimas atuações e a proposta bem sucedida de filiação a Porto Alegre. O trabalho da câmera é um tanto irregular, mas consegue cambiar de ângulos e escalas com muita fluidez, além manter nossa curiosidade em relação ao seu próximo passo. Baseado no livro homônimo de Paulo Scott, o longa é uma espécie de mosaico de bizarrices. Há uma certa irregularidade nos episódios e alguns deles talvez estejam mesmo totalmente fora de sintonia com o restante do longa (a cena do pesadelo, por exemplo). E por vezes o conceito do plano-seqüência vem antes de tudo, como regra primeira de um jogo que em algumas seqüências (como a da bebedeira de perfume no apartamento) parece pedir o corte.

Estômago ***

“Estômago” é cinema popular. O primeiro filme de Marcos Jorge funciona muito bem nesta chave, com o trabalho da música (com alguns exageros, é verdade), os ótimos João Miguel e Babu Santana, um impressionante timing nos diálogos e algumas gags visuais, e muitas referências a Fellini. O longa gira em torno da trajetória anedótica do protagonista/narrador Raimundo Nonato. Marcos Jorge vai empurrando os diálogos até o limite do ridículo; às vezes, escorrega nele, noutras se sai ileso e com muitas gargalhadas. O cineasta e o fotógrafo Toca Seabra não escondem a dimensão de representação do filme, apesar de chamarem pouca atenção para suas construções dramáticas. A sedução de “Estômago” se esvai um pouco pela confusão estrutural do longa, que se desdobra em dois segmentos temporais. Mas trata-se de uma boa estréia. Uma pena o circuito brasileiro não estar pronto para um filme como esse.

A cada de Alice ***

“A casa de Alice” começa muito bem. Somos apresentados um a um a todos os personagens. Há um certo exagero em suas descrições, mas o estreante em ficções, Chico Teixeira conduz tudo com considerável segurança, acompanhando Alice e sua família desestruturada, caminhando pela sexualidade à flor da pele de seus integrantes e uma certa imoralidade nos relacionamentos – apenas a figura do pai me parece um pouco negligenciada. A fotografia de Mauro Pinheiro (que no início parece sempre atrasada ou adiantada em relação a ação) e a arte de Marcos Pedrosa constroem um universo cinzento, na direção das operações, digamos, naturalistas do filme. Teixeira se aproxima espacialmente e afetivamente de seus personagens, comprometido com suas verdades pra lá de ambíguas. E Alice (Carla Ribas) é uma personagem encantadora. O longa parece narrar essas impossibilidades que delineiam nossas frágeis vidas. Um belo dia Alice despertou num quarto estranho, junto de estranhos com os quais não consegue mais se reencontrar. O acaso, o desejo sexual e o capricho das circunstâncias vão marcar os desdobramentos de sua história.

Os problemas surgem aqui e ali e vão se acumulando na medida que a narrativa avança. Não vejo o cinismo e muito menos o negativismo programático que algumas críticas apontaram. No entanto, talvez o problema maior do filme seja o fato da solidariedade inicial para com os personagens se transformar um pouco em maldade. E na verdade, aquele “over” na caracterização dos personagens também pontua outras opções de “A Casa de Alice”, que insiste, por exemplo, em alguns psicologismos complicados. Aos poucos, os personagens parecem simples instrumentos de manipulação a serviço da narrativa, que, por sua vez, se desenvolve a passos por demais funcionalizados.

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