sábado, março 29, 2008

rambo IV


Rambo é um personagem que nasceu interessante em um filme cheio de vigor e inteligência. “Rambo – Programado para matar” (1982) é um ótimo filme. Ted Kotcheff trabalha bem a violência, o suspense, e o widescreen, e tem plena consciência das implicações subversivas do que tem em mãos. O protagonista era uma figura alheia à lei, à civilização. Nada disso dizia mais respeito a Rambo. Tudo lhe fora tirado durante e depois da guerra. Rambo personifica a humilhação dos americanos, é uma espécie de cicatriz ambulante. O longa parecia também expressar o conflito de uma nação que passava da oposição contra a guerra no Vietnã à estranha sensação culpada de ter traído seus próprios soldados.

Essas idéias foram obviamente invertidas no segundo e terceiro filmes da série, quando John Rambo passa a representar a América e seus delírios de grandeza. Eis que temos então este “Rambo IV”. Neste longa, Rambo está novamente por sua conta e risco, sem servir a um governo ou a uma ideologia específica. Antes de ser ruim ou bom, “Rambo IV” é um filme muito, muito estranho.

Quem são os malvados do filme? Os milicianos da Birmânia? Mas somente eles? Os mercenários contratados também não seriam malvados? O próprio Rambo não parece ter plena consciência dele também ser malvado? E os bonzinhos? Os missionários não são tratados como bonzinhos, muito pelo contrário. Rambo é completamente contrário à missão deles, apesar de ajudá-los. Rambo não faz justiça, mas também não é exatamente pintado como um criminoso. “Rambo IV” não é pacifista, mas também não prega a guerra. Se em determinado momento, o filme parece apostar na possibilidade de se transformar a realidade, no fim das contas essa crença parece totalmente descartada. Ele não defende a transformação pela guerra, embora faça uso dela. Rambo parece convicto de que a guerra é contínua, mas ele acaba voltando pra casa.

“Rambo IV” é sempre muito reticente e cauteloso em suas afirmações, e se presta muito às conjunções adversativas. Todos os personagens relativizam de uma maneira ou de outra sua própria condição e crenças. “Rambo IV” é ambíguo ao extremo, não afirma nem nega nada. Ao contrário de todos os outros “Rambos”, neste não há exatamente um discurso político, ideológico ou religioso.

Talvez o único escorregão neste sentido seja mesmo a volta pra casa. Esta cena final soa como uma contradição e sugere conotações reveladoras que o filme não parece ter previamente deliberado. Em um ótimo texto, Contardo Calligaris vê nessa volta pra casa um retrato do atual espírito americano. Para ele, essa derradeira aventura de Rambo completa uma longa argumentação pelo isolacionismo. Talvez.

Sylvester Stallone (ator, diretor e tudo o mais) adere fortemente ao niilismo de Rambo e se esforça para oferecer ao público apenas aquilo que ele quer. “Rambo IV” é recheado de problemas, da canastrice sem limites dos atores a montagens paralelas bizarras. Mas concordo com o Marcelo Miranda que isso não significa que ele seja passível de descaso, deboche ou desrespeito. Stallone está ali por inteiro, sem jamais se permitir concessões, sem medo de soar ridículo ou patético. Merece respeito.

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