foi apenas um sonho *
O filme começa com uma desastrosa produção amadora de teatro. April (Kate Winslet) é a protagonista. A peça é um fracasso. E os Wheelers abraçam o fracasso, bebem nele, são por ele preenchidos. Num piscar de olhos, o que não passava de pequeno embaraço público, se transforma numa afirmação de seu mútuo desprezo e repugnância. Frank (Leonardo Di Caprio) e April acreditam serem melhores do que a banalidade exasperante em que caíram. Ele fantasia sobre o que chama de seu "próprio mérito excepcional", uma ilusão a qual eles se agarram, num movimento que registra uma certa neurose e uma espécie de sintoma de um mal social pra lá de vago.
Mendes transforma seus personagens em caricaturas histéricas e garante o “overdone” de cada cena. Para tanto, existe até o personagem porta-voz do roteiro: o louco John (Michael Shannon), sempre a nos explicar tudo o que nós já estávamos entendendo sobre o casal. E o é que aquele mar cinza de chapéus... Tudo aqui soa falso e impostado, teatralizado em excesso. Assim como em “Beleza Americana” (1999), “Foi apenas um sonho” parece por vezes reproduzir em suas estratégicas estéticas e dramáticas os mesmos métodos que busca denunciar na mediocridade de Frank e April.
Os personagens não têm muita simpatia por si. Eu tampouco. Talvez o grande problema seja o fato do envolvimento de Mendes ser meramente profissional. O cineasta mantém uma certa distância, uma frieza de quem traça um diagnóstico. E assim, o sentimento que seus personagens despertam é apenas pena. No mais, onde estão as questões para além de dois seres humanos egoístas que não foram honestos consigo próprios ou uns aos outros? Mendes não parece interessado na origem social ou histórica dos problemas vividos por Frank e April. Estamos em pleno anos 50. Mas para Mendes, isso não parece fazer nenhuma diferença. Será que em outros tempos, April e Frank (e muitos outros) teriam melhores condições para encontrar uma saída? A aproximação de Mendes é ahistórica, e seu filme, no fim das contas, dá sua bênção ao conformismo e à resignação.
dúvida *
“Dúvida” é um filme “sério” e "artístico", desses que empolam a Hollywood desses últimos anos – vide a triste safra do Oscar deste ano. O diretor e dramaturgo John Patrick Shanley surpreende pelos diálogos, pelas metáforas que seu texto suscita. Mas seus achados são sempre excessivamente sublinhados, reiterados, seja pela música, seja pela câmera, seja por suas previsíveis soluções visuais e dramáticas (as persianas se abrem como se acendesse uma luz de interrogatório, o toque insistente do telefone para elevar a carga de tensão, etc.). A impressão é a de que Shanley se esforçou para fazer de “Dúvida” mais do que uma simples adaptação de sua peça para o cinema. E assim, o filme segue pontuado por desastradas tentativas de desteatralizar tudo, com quadros na mais variadas angulações. Sofrem também as atuações. Sabemos que a atuação do ator cinematográfico exige a mediação de todo um mecanismo. E aqui ele cisma em prejudicar Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams e Viola Davis, cortado-os pra lá e pra cá.
De qualquer maneira, o que mais me incomoda é o fato da questão sobre o possível abuso sexual ser menos importante para Shanley do que o dilema da irmã Aloysius, da justeza de sua investigação e dos procedimentos de sua investigação. São tantas as vezes que a câmera vagueia até o céu, que o filme nos parece dizer que apenas o Todo-Poderoso poderia nos responder ao certo sobre a relação entre o Padre e o menino. Ora, ou o Padre abusou ou não. Shanley, no entanto, empurra um certo relativismo moral até o fim. Ele se recusa a satisfazer nosso desejo de saber o que realmente aconteceu. Tudo bem: é verdade que não podemos saber tudo com certeza. Mas uma Dúvida pode ser tão absoluta quanto uma Certeza. Ter certeza é sempre prejudicial? A dúvida é importante em todos os casos? O ceticismo mais radical não me parece ser receita para nada, exceto para se preservar o status quo. No fim das contas, não seria isso que vemos em “Dúvida”?
O filme começa com uma desastrosa produção amadora de teatro. April (Kate Winslet) é a protagonista. A peça é um fracasso. E os Wheelers abraçam o fracasso, bebem nele, são por ele preenchidos. Num piscar de olhos, o que não passava de pequeno embaraço público, se transforma numa afirmação de seu mútuo desprezo e repugnância. Frank (Leonardo Di Caprio) e April acreditam serem melhores do que a banalidade exasperante em que caíram. Ele fantasia sobre o que chama de seu "próprio mérito excepcional", uma ilusão a qual eles se agarram, num movimento que registra uma certa neurose e uma espécie de sintoma de um mal social pra lá de vago.
Mendes transforma seus personagens em caricaturas histéricas e garante o “overdone” de cada cena. Para tanto, existe até o personagem porta-voz do roteiro: o louco John (Michael Shannon), sempre a nos explicar tudo o que nós já estávamos entendendo sobre o casal. E o é que aquele mar cinza de chapéus... Tudo aqui soa falso e impostado, teatralizado em excesso. Assim como em “Beleza Americana” (1999), “Foi apenas um sonho” parece por vezes reproduzir em suas estratégicas estéticas e dramáticas os mesmos métodos que busca denunciar na mediocridade de Frank e April.
Os personagens não têm muita simpatia por si. Eu tampouco. Talvez o grande problema seja o fato do envolvimento de Mendes ser meramente profissional. O cineasta mantém uma certa distância, uma frieza de quem traça um diagnóstico. E assim, o sentimento que seus personagens despertam é apenas pena. No mais, onde estão as questões para além de dois seres humanos egoístas que não foram honestos consigo próprios ou uns aos outros? Mendes não parece interessado na origem social ou histórica dos problemas vividos por Frank e April. Estamos em pleno anos 50. Mas para Mendes, isso não parece fazer nenhuma diferença. Será que em outros tempos, April e Frank (e muitos outros) teriam melhores condições para encontrar uma saída? A aproximação de Mendes é ahistórica, e seu filme, no fim das contas, dá sua bênção ao conformismo e à resignação.
dúvida *
“Dúvida” é um filme “sério” e "artístico", desses que empolam a Hollywood desses últimos anos – vide a triste safra do Oscar deste ano. O diretor e dramaturgo John Patrick Shanley surpreende pelos diálogos, pelas metáforas que seu texto suscita. Mas seus achados são sempre excessivamente sublinhados, reiterados, seja pela música, seja pela câmera, seja por suas previsíveis soluções visuais e dramáticas (as persianas se abrem como se acendesse uma luz de interrogatório, o toque insistente do telefone para elevar a carga de tensão, etc.). A impressão é a de que Shanley se esforçou para fazer de “Dúvida” mais do que uma simples adaptação de sua peça para o cinema. E assim, o filme segue pontuado por desastradas tentativas de desteatralizar tudo, com quadros na mais variadas angulações. Sofrem também as atuações. Sabemos que a atuação do ator cinematográfico exige a mediação de todo um mecanismo. E aqui ele cisma em prejudicar Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams e Viola Davis, cortado-os pra lá e pra cá.
De qualquer maneira, o que mais me incomoda é o fato da questão sobre o possível abuso sexual ser menos importante para Shanley do que o dilema da irmã Aloysius, da justeza de sua investigação e dos procedimentos de sua investigação. São tantas as vezes que a câmera vagueia até o céu, que o filme nos parece dizer que apenas o Todo-Poderoso poderia nos responder ao certo sobre a relação entre o Padre e o menino. Ora, ou o Padre abusou ou não. Shanley, no entanto, empurra um certo relativismo moral até o fim. Ele se recusa a satisfazer nosso desejo de saber o que realmente aconteceu. Tudo bem: é verdade que não podemos saber tudo com certeza. Mas uma Dúvida pode ser tão absoluta quanto uma Certeza. Ter certeza é sempre prejudicial? A dúvida é importante em todos os casos? O ceticismo mais radical não me parece ser receita para nada, exceto para se preservar o status quo. No fim das contas, não seria isso que vemos em “Dúvida”?
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