“Cópia fiel” nos conta a história do encontro entre um homem e uma mulher numa pequena aldeia no Sul da Itália. O inglês James (William Shimell) é um conhecido filósofo da arte que vai até Lucignano, na Toscana, para apresentar o seu mais recente livro sobre o valor artístico da cópia/réplica. A francesa Elle (Juliette Binoche) é uma simpática galerista que vive na Itália com o seu filho pré-adolescente. O filme começa com uma longa palestra de James. Em resumo, o que ele defende em seu livro é o seguinte: há verdade na relação que se estabelece entre o espectador e a cópia – algo como um lema para o próprio filme, embora Kiarostami recheie a cena com outras pequenas ações para nos roubar a atenção (o filho dela que entra e sai, o celular, etc.). Pouco depois, os personagens resolvem passear pela pequena vila da Toscana. Eles falam sobre arte, filhos, vida, trabalho. Os diálogos, no entanto, vêem aparentemente cheios de segundas intenções, como se James e Elle estivessem em uma estranha espécie de jogo.
A encenação, as cores, os atores, a narrativa, tudo soa diferente em relação ao que Kiarostami vinha fazendo. Será mesmo? Logo de cara, é possível identificar algumas de suas preferências, como as conversas dentro do carro, a paisagem de pequenas estradas, a maneira como elementos ou objetos à margem dos protagonistas são capazes de alterar a cena. E eis que, em determinado momento, James e Elle se sentam em um pequeno café. Algo se passa ali. Kiarostami muda as regras do jogo. Os personagens não são mais tão claros. A encenação muda de tom. Kiarostami procurava a autenticidade da cena, frontalmente, na aparência. Era já palpável um certo espírito de encenação, a auto-consciência dos personagens/atores e o rigor do cineasta. As cenas eram transparentes como cenas. Agora, no entanto, Kiarostami acrescenta mais uma camada e vem nos dizer que, embora tenhamos apenas as aparências, elas enganam. James e Elle são casados? Talvez o filme comece como um flashback – sem recorrer às mudanças de roupas e espaços. Talvez sejam mesmo histórias sobre casais que se assemelham bastante. “Cópia fiel” é a história de dois casais em um. A história de múltiplos casais.
O que impressiona é como essa torção narrativa se mostra plausível, como uma evolução natural do homem e da mulher que vimos no início do filme. Isso se deve em grande parte ao fato de que, para Kiarostami, a realidade não é unicamente aquilo que se passa diante de nossos olhos, mas o que poderia se passar. Dessa maneira, a partir do momento em que alguém vê os dois personagens como um casal, assim que essa realidade se torna possível, James e Elle podem muito bem ser um casal. Pois é. Kiarostami é Kiarostami. Um cineasta empenhado em bagunçar a maneira que nós vemos o mundo. Um cineasta do artifício sem perder a ternura. Para ele, a imagem não visa o engano, não se trata de uma farsa do real, apenas algo recheado de opacidade.