quarta-feira, março 16, 2011

l'enfance nue *****


Este filme de 68, estréia de Maurice Pialat, é incrível. Acho-o tão bom quanto “Aos nossos amores” (1983) e “Van Gogh” (1991). Eu jamais passo incólume por um filme de Pialat, sempre tão apaixonado e corajoso, sempre tão violento em sua opacidade. Não conheço nenhum outro longa sobre a infância como este, nada de psicologismos, estudos sociológicos ou sonhos nostálgicos de uma liberdade perdida. A infância de François, como nos alerta o título do filme, nos chega nua, sem nenhuma idéia mestra que a direcione a cada movimento para um determinado adjetivo, julgamento ou moral da história. Pialat é um cineasta da ação, única e exclusivamente. “L’enfance nue” é um filme substantivo.

O que constitui uma cena? Onde ela começa? Onde ela termina? De que maneira ela se conjuga com o que passou e com o que está por vir? “L’enfance nue” é ficção e é documentário. É cenário e é paisagem. É personagem e é ator. E tudo isso é de uma absoluta clareza, o que me traga para dentro do filme como uma longa seqüência de momentos preciosos. Pialat possui um enorme respeito, esbanja uma enorme solidariedade por aquilo que ele filma. E assim, um barman vendendo um pacote de cigarros se transforma em um espetáculo. A impressão é a de que Piatat pedia aos atores/personagens que repetissem o que normalmente fazem e inseria elementos ficcionais (os cantos no casamento, o simpático casal de velinhos contando sua história para os meninos, etc), mas com os olhos sempre abertos para as faíscas que essa comunhão pudesse gerar (como a inesperada troca de beijos entre François e Pépère). Seria, no entanto, perda de tempo apontar estratégias, identificar procedimentos. Por isso o cinema de Pialat é tão contemporâneo. É inútil procurar ali uma maneira de se fazer cinema, uma receita, um modelo. Não é como fazer, mas como ser cinema.

Leiam esta resposta de Pialat:

Quanto de seus filmes é planejado antes da filmagem? Quanto é improviso?

Este é um tema delicado. Veja o exemplo de Godard: seus filmes parecem todos milimetricamente pensados e calculados. O que estou querendo dizer é (e isto acontece comigo também), ele filma enquanto diz: “Ok... muito bem, a esquina, isso, muito bom. Não há porque ir além disso...” – é real, mas ainda assim se trata de uma escolha. Eu estou falando de direção, mas é mesma coisa quando escrevemos. “Improvisação” – isso não significa nada pra mim. O que você tem na sua cabeça, ainda não formulado, é muito mais preciso do que você pode imaginar.

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