domingo, novembro 05, 2006

Dia noite, dia noite **


Tive muitos problemas com “Dia noite, dia noite”, filme de estréia da americana de origem russa, Julia Loktev. Um longa “pequeno”, filmado em digital com uma equipe mínima. “Dia noite, dia noite” é protagonizado por uma jovem de 19 anos que se prepara para agir como mulher-bomba no Times Square, em Nova York. Seu rosto e tom de pele tornam sua etnia indecifrável, seu inglês surge sem nenhum sotaque, e suas orações não fazem referências a uma religião específica. Primeiro vemos a personagem sendo orientada por seus superiores mascarados, para depois a acompanharmos no momento mesmo do ato terrorista.

As motivações da jovem permanecem obscuras e ambíguas. Não há drama pessoal, tampouco uma convicção política ou religiosa. Loktev despe "Dia noite, dia noite" de qualquer acepção política, religiosa e/ou psicológica. De fato, até a dimensão existencial é aqui meio nebulosa. Loktev se abstém de moralismos e sentimentos, e mantém sua câmera colada em sua anônima protagonista (numa bela interpretação da estreante Luisa Williams). A cineasta está também obviamente interessada no acúmulo de detalhes/gestos humanos que a personagem colhe ao longo da Times Square e como esses pequenos momentos/encontros afetam sua decisão aparentemente sem volta.

Como disse, o filme não está certamente atrás de motivações, mas busca transparência neste registro de auto-destruição, de auto-esfalecimento do ser. Pra mim, isso é uma grande questão. Em "Paradise now", por exemplo, Hany Abu-Assad desloca a saga do terrorismo palestino para o campo da política, questionando, inclusive, o aspecto religioso - pintado por nós ocidentais como talvez o principal. Agora, qual é exatamente o conflito em “Dia noite, dia noite”? Não consigo acreditar na personagem. Não é que o longa tenha que apontar as razões de sua protagonista, mas é preciso que ela as tenha. Não me parece ser o caso aqui. E aí então, todo o exercício de estilo “verídico” de linguagem me pareceu gratuito. Loktev quer nos convencer da realidade do que não vimos, e seu estilo busca um detalhamento extremo, parecendo, por vezes, almejar uma posição de autoridade meio autoritária. Em “Vôo United”, Paul Greengrass também traz essa linguagem documental, mas o filme tem um tom meio de terror, pontuado pela certeza pulsante da morte inevitável. Através da captação da ação em tempo real, Greengrass trabalha com uma estética de perplexidade que faz o espectador remexer na cadeira. Diferente de Loktev e “Dia noite, dia noite”, o cineasta trabalha na chave da reconstituição/reconstrução/dramatização, propondo uma série de questões sobre as relações da encenação com a realidade.

2 comentários:

Julio Bezerra disse...

Diana,
Também acho que as filmagens no Times Square foram muito bem feitas. Sensacionais mesmo. Mas o problema é que, no fim das contas, me pareceu um exercício gratuito. Não acho que o filme tenha que esclarescer as motivações da personagem, mas, como eu disse, é preciso que ela as tenha. Não sei se me entende...
Ah... obrigado aí pelo elogio.

Anônimo disse...

Adorei saber que este blog é teu! Sempre lia! Mas enfim, eu gosto de pensar que o cinema é um sala na qual pessoas concordam em compartilhar uma mesma experiência a partir de um valor estipulado para todos igualmente, mas os resultados nem sempre se aproximam! Acho que entendio que vc quis dizer, e respeito a sua opinião, mas pra mim o encanto do filme é esse mesmo... a surpresa da gratuidade. As vezes nos pega mais fundo do que um grande impacto visual.
Não?