Vi “Baixio das bestas” duas vezes. E gostei em ambas. Parece mesmo consenso: Cláudio Assis radicaliza caminhos percorridos em “Amarelo manga” (2003), colhendo, inclusive, alguns avanços notórios em termos de linguagem. Despejando alto teor de brutalidade visual e narrativa, Assis recheia este “Baixio das bestas” com soluções cênicas originais e um rigoroso senso de espaço e cultura. “Baixio” é uma espécie de radiografia de um nordeste em decomposição. Toda a ambiência da locação nos remete à ruína, à desestruturação. E o filme, em seus mais diversos componentes (a fotografia, a direção de arte...), está sempre no encalço do conflito.
Em relação a “Amarelo manga” (2003), o cineasta opta em “Baixio” por uma mise-en-scène de tempos mais alongados, planos fixos, focos e desfocos numa mesma cena, experimentações no que diz respeito às entradas e saídas de quadro... Na verdade, o longa parece por vezes alimentar um tom mais contemplador. A impressão é a de que Assis acrescentou o tempo à famosa equação de “Amarelo”. Agora, o ser humano é estômago, sexo e tempo. Neste sentido, me chamou atenção o fato do cineasta procurar uma estrutura circular. O filme é todo marcado pelo ciclo da cana de açúcar e a rotina dos canavieiros, seus trajetos, a colheita e a queima da cana... Assis fala de um tipo particular de decadência muito brasileira. “Amarelo” mapeava os efeitos de um determinado contexto histórico, identificando um a um os males naturalizados naquele espaço urbano. “Baixio” não. Aqui há a intenção de apontar causas. E todos os personagens de “Baixio” são representações, “conseqüências” da mono-cultura da cana, de um ciclo exploratório dos tempos do Brasil colonial.
Mais uma vez: Assis situa muito bem os personagens em seus universos sociais. Através de uma descrição documental, afirma-se a ficção e um ambiente que mais parece ter vida própria. E esse é um movimento curioso. O realismo dormindo com seu oposto. Pois apesar do “registro realista”, “Baixio” abraça a ficção e por vezes quebra os manuais de comportamento cinematográfico (como no plano em que Matheus Nachtergaele dirige-se a câmera, afirmando o cinema como o lugar onde se pode tudo). Isso também é evidente nas interpretações dos atores de “Baixio”. Assis consegue tirar deles uma atuação num misto de cinema naturalista, teatro e performance de choque.
Talvez o que tenha mais me incomodado seja mesmo a participação do próprio Assis e do diretor de fotografia Walter Carvalho numa cena no final do longa. Nessa mesma linha, também acabei não gostando muito quando o personagem Everardo fala pelo filme. Aqui sim, “Baixio” ganha em perversidade e cinismo. Um pouco neste sentido, algumas críticas se perguntaram sobre o verdadeiro compromisso de Assis. Seria ele com as experiências mostradas ou a maneira de olhar para elas? Me parece que essa é uma falsa questão, ou talvez ela esteja mal colocada. Não vejo em “Baixio” um esforço exibicionista. Tampouco enxergo um olhar superior. Ele é definitivamente “de fora” (o que não é um problema, muito pelo contrário), mas encara de frente a sordidez do universo mostrado. Trata-se mesmo de universo em decomposição, mas que não deixa de ter uma beleza imanente E aliás, como bem detectou o Marcelo Ikeda, há em Assis, por mais que ele talvez não concorde, uma idéia de espetáculo.
Em relação a “Amarelo manga” (2003), o cineasta opta em “Baixio” por uma mise-en-scène de tempos mais alongados, planos fixos, focos e desfocos numa mesma cena, experimentações no que diz respeito às entradas e saídas de quadro... Na verdade, o longa parece por vezes alimentar um tom mais contemplador. A impressão é a de que Assis acrescentou o tempo à famosa equação de “Amarelo”. Agora, o ser humano é estômago, sexo e tempo. Neste sentido, me chamou atenção o fato do cineasta procurar uma estrutura circular. O filme é todo marcado pelo ciclo da cana de açúcar e a rotina dos canavieiros, seus trajetos, a colheita e a queima da cana... Assis fala de um tipo particular de decadência muito brasileira. “Amarelo” mapeava os efeitos de um determinado contexto histórico, identificando um a um os males naturalizados naquele espaço urbano. “Baixio” não. Aqui há a intenção de apontar causas. E todos os personagens de “Baixio” são representações, “conseqüências” da mono-cultura da cana, de um ciclo exploratório dos tempos do Brasil colonial.
Mais uma vez: Assis situa muito bem os personagens em seus universos sociais. Através de uma descrição documental, afirma-se a ficção e um ambiente que mais parece ter vida própria. E esse é um movimento curioso. O realismo dormindo com seu oposto. Pois apesar do “registro realista”, “Baixio” abraça a ficção e por vezes quebra os manuais de comportamento cinematográfico (como no plano em que Matheus Nachtergaele dirige-se a câmera, afirmando o cinema como o lugar onde se pode tudo). Isso também é evidente nas interpretações dos atores de “Baixio”. Assis consegue tirar deles uma atuação num misto de cinema naturalista, teatro e performance de choque.
Talvez o que tenha mais me incomodado seja mesmo a participação do próprio Assis e do diretor de fotografia Walter Carvalho numa cena no final do longa. Nessa mesma linha, também acabei não gostando muito quando o personagem Everardo fala pelo filme. Aqui sim, “Baixio” ganha em perversidade e cinismo. Um pouco neste sentido, algumas críticas se perguntaram sobre o verdadeiro compromisso de Assis. Seria ele com as experiências mostradas ou a maneira de olhar para elas? Me parece que essa é uma falsa questão, ou talvez ela esteja mal colocada. Não vejo em “Baixio” um esforço exibicionista. Tampouco enxergo um olhar superior. Ele é definitivamente “de fora” (o que não é um problema, muito pelo contrário), mas encara de frente a sordidez do universo mostrado. Trata-se mesmo de universo em decomposição, mas que não deixa de ter uma beleza imanente E aliás, como bem detectou o Marcelo Ikeda, há em Assis, por mais que ele talvez não concorde, uma idéia de espetáculo.
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