quarta-feira, maio 09, 2007

Flashbacks

À primeira vista, gostei bastante de “Antônia”. É um filme bonito mesmo. Gosto do feeling feminino e intimista dele. Apesar de alguns maneirismos, Tata Amaral consegue fugir de um retrato de vitimização das cantoras. “Antônia” tampouco se resume a uma história de sucesso. E Tata mais uma vez absorve muito bem o espaço (Brazilândia) para dentro da narrativa, além de se aproximar em termos de enquadramento de “Um céu de estrelas”. Dava pra sentir uma certa fragilidade dramática. “Antônia” parece por vezes uma exposição de diferentes universos. Mas talvez também estivesse aí um diferencial curioso do filme.

No entanto, os problemas ficaram mais evidentes numa segunda investida. Dessa vez, me incomodou um pouco esta certa falta de objetividade narrativa. Na verdade, o roteiro me pareceu bem frágil e, apesar de (bem) aberto, um tanto esquemático e previsível. O inicio do filme em especial é desalentador. Mas o que mais me incomodou mesmo foram os flashbacks “explicativos”. Quando eles entram jogo, não há sutilezas. De fato, não gosto de flashbacks. Às vezes eles até podem ser necessários. Mas este não é definitivamente o caso de “Antônia”. Quando uma das meninas relata a briga que teve com o namorado a respeito de sua gravidez, o filme corta para um flashback. Por que recorrer ao passado? Por que essa lembrança não pode se dar no presente? Por que a menina simplesmente não dá seu depoimento do que foi a briga e pronto?

É curioso como nesta seqüência Tata Amaral se distancia de alguns dos cineastas brasileiros recentes que mais gosto. Me refiro mais especificamente a Karim Ainouz e Marcelo Gomes. Fiquei pensando numa influência de Eduardo Coutinho nos filmes da dupla e em como isso talvez pudesse me ajudar a explicar a diferença entre, por exemplo, “Cinema, aspirinas e urubus” (2005) e “Antônia”. Tudo bem: o interesse tanto em Tata quanto em Coutinho, Karim e Marcelo, é o cotidiano, as dificuldades, as pequenas alegrias, os encontros, os amigos... O universo que seus respectivos filmes pretendem nos revelar se desvendam em depoimentos ou situações que traçam uma rede de pequenas histórias.

Mas no cinema de Coutinho essas questões se resolvem no presente. Estamos falando de um cinema do presente, de um presente contaminado pela memória, de um presente em que coexistem diferentes fluxos. Com Karim e Marcelo a coisa parece se dar de maneira parecida. Eles evitam flashbacks, narrações em off... Eles se preocupam com “a palavra em ato” – como diz Consuelo Lins em relação ao cinema de Coutinho. Karim e Marcelo se atêm ao momento da filmagem - é interessante como no fim da sessão de “Madame Satã” (2002) e “Cinema, aspirinas e urubus”, algumas pessoas têm de ser lembradas de que se tratam de filmes de época. Em seus trabalhos há a escolha de personagens que são narradores de si mesmos. Para eles, assim como para Coutinho, a palavra é um elemento cinematográfico fundamental, tem um valor de criação dentro da estrutura narrativa.

Ouvir “Madame Satã”, por exemplo, é fundamental. Ouvir porque a simples pronunciação do personagem tem um papel orgânico no filme, uma função no conteúdo do drama. Lembro-me também de uma cena do “Cinema, aspirina e urubus” em que Ranulpho narra uma viagem ao Rio de Janeiro. Percebe-se ali o desejo de filmar “a palavra em ato”. A força ou a veracidade do que Ranulpho diz não se encontra necessariamente no que está sendo contado, mas no próprio ato de contar, na forma como ele se expressa, no olhar, nos silêncios, na construção das frases.

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