sexta-feira, outubro 05, 2007

três documentários


Juízo

Tive sérios problemas com “Juízo”. Não consegui “ler” o filme de Maria Augusta Ramos (“Justiça”). A diretora acompanhou, do tribunal às unidades correcionais de menores infratores, casos que vão do roubo de uma bicicleta ao assassinato de um pai, esfaqueado pelo próprio filho. Impossibilitada pela lei de mostrar os rostos dos meninos e meninas em seu filme, Maria Augusta decidiu substituí-los por atores que conhecessem essa realidade. Não sei se as seqüências que vemos foram encenadas ou apenas os planos dos acusados é que foram trocados. Maria Augusta assume a presença dos atores nos letreiros iniciais, mas depois esconde todos os traços de encenação. A montagem cria uma perfeita ilusão de continuidade e a câmera busca transparência. Talvez o problema seja maior pelo fato do filme ter um aspecto de serviço de utilidade pública. Neste sentido, a confusão que “Juízo” intencionalmente provoca não me parece saudável.

Talvez o meu problema tenha sido com a sessão em que vi o filme. A juíza e os promotores estavam por lá e a presença deles me incomodou bastante. “Juízo” pode até não ser explícito em seus julgamentos, mas o retrato crítico está ali para quem quiser vê-lo. A juíza, por exemplo, é autoritária, dona da verdade, armada de diversas “lições de moral”, completamente distante dos acusados – que precisam provar que são inocentes e não o contrário. Além do mais, ria muito a platéia na sessão deste filme, marcado pela desesperança, pela expressão de vidas potencialmente perdidas. O próprio ato de olhar do espectador está repleto de ética e é, ele próprio, o objeto de julgamento ético quando observado. O espectador deve ser considerado como eticamente responsável por suas respostas. Nota zero para o público presente. Para o filme... não sei. Terei de vê-lo novamente.

Diário de Sintra **

Gostei de “Diário de Sintra”. Um filme de uma mulher apaixonada em busca daquilo que perdeu, à procura daquela Sintra onde Glauber se retirou com a família pouco antes de sua morte. Viúva de Glauber, Paula Gaitán mistura filmes caseiros, depoimentos, entrevistas, fotos... Mas a sensação é de estarmos vendo uma espécie de travelogue, entre passado e presente, sonho e realidade, nostalgia e rememoração - “Caminhos que levam a Sintra ou talvez a lugar nenhum”, diz a cineasta em off. Gaitán está atrás dos vestígios, dos traços deixados pelo marido em sua passagem pela cidade portuguesa. Algumas soluções visuais dão muito certo (as mãos tentando se tocar), outras nem tanto (as fotos na árvore). Me incomoda um pouco uma verta necessidade de ser “artístico” a todo custo, além de algum, digamos, tiques da videoarte espalho aqui e ali. Há uma certa impostação na voz off que narra poemas dos mais variados autores em diversas línguas. Também fica a impressão de que Glauber talvez demore um pouco demais para aparecer, e não vemos quase nada de Gaitán, o que talvez enfraqueça o tom confessional que o filme busca.

O andarilho ****

Cao Guimarães é certamente um de nossos melhores cineastas. É um cinema de intensidades. Um cinema em transe com o mundo histórico. Um cinema que não narra, mas indica a presença real das coisas. “Andarilho” é um furacão delicado a capturar toda a vida que lhe cerca. O filme preserva o fluir do tempo com muita paciência e geometrias nos enquadramentos. O tempo através do qual esses andarilhos negociam suas presenças com o mundo. Radicalmente separado da informação, “Andarilho” nunca é exótico. Se aproxima se distanciando.

Ficamos então totalmente seduzidos pela loucura cheia de ordem desses andarilhos que o filme encontra. Pouco sabemos exatamente sobre eles. Na verdade, nos interessa apenas o personagem em sua constituição, seus gestos e fala, e a maneira pela qual eles dão uma integridade formal e estética a fragmentos do mundo histórico. Há ainda uma incrível pré-disposição ao acaso, que, por sua vez, premia o longa em alguns momentos. O encantamento do espectador com esse filme passa certamente pelo prazer de estar compartilhando a experiência do cineasta. E Guimarães desafia nosso olhar e audição. Vínculos sonoros, visuais e narrativos atam uma dimensão à outra, expandindo para o imaginário tudo o que é mostrado. Por todo o longa espalham-se tons evocativos e nuanças expressivas que nos lembram que o mundo é mais do que a soma das evidencias visíveis que nos são mostradas.

3 comentários:

Li e Gui disse...

Sobre Juízo:
As pessoas estão cada vez mais anestesiadas a ponto de rir da própria realidade. Nem mais aquela "estética da fome" serve para chocar.
Isso sim me choca ainda!

Li e Gui disse...

Ah! Já ia esquecendo.
Meu amigo e eu escrevemos sobre cinema e arte feita com imagens (fotografia, gravura, pintura, etc) no Blog Uma Imagem e Mil Palavras. QQ dia desses passa lá. Valeu!
www.imagendart.blogspot.com

Julio Bezerra disse...

li e gui,

tudo bem? obrigado pela visita. legal o Imagemdart. Vou botar o link de vcs aqui no Kinos.
um abraço,