Onde andará Dulce Veiga ? ***
“Onde andará Dulce Veiga” começa com uma indicação espaço-temporal: “São Paulo, 198...”. O cinema de Guilherme Almeida Prado é plenamente consciente de sua identidade e este seu mais novo longa não foge à regra. Trata-se, por exemplo, mais uma vez, de um prato cheio de citações e homenagens, de Jean-Luc Godard e Jacques Demy à própria obra do cineasta. Ao mesmo tempo em que traz as obsessões e elementos mais identificáveis de seu cinema, “Dulce Veiga?” parece também empreender uma espécie de adaptação para os novos tempos. É a junção do universo “pós-moderno” dos anos 80 com a linguagem da Internet e da computação gráfica. Se por um lado “Dulce Veiga” é uma espécie de prestação de contas de Almeida Prado, uma tentativa de problematização de seu cinema; do outro, também se revela como uma carta de princípios ou uma afirmação daquilo que mais lhe fascina.
Os personagens de “Onde andará Dulce Veiga?” são figuras errantes, conectados pelo passado. Almeida Prado alimenta um clima de decadência, com curiosos rasgos de lirismo que podem por vezes beirar o absurdo. O curioso em relação ao protagonista e sua trajetória é o fato do foco e a evolução dramática do filme estarem sempre reservados às mulheres. A personagem Dulce Veiga, por sua vez, é como um ícone mágico. Ela é real, mas também parece existir apenas na mente de Caio. Almeida Prado sempre foi um cineasta que, acima de tudo, acredita no artifício, e imprime verdade em toda artificialidade. Em “Dulce Veiga”, o cineasta brinca com um artificialismo apoteótico – e, dessa vez, esta “brincadeira” parece intimamente relacionada com o movimento do filme, que trata de personagens repletos de máscaras.
O escafandro e a borboleta **
A adaptação de Julian Schnabel para o bestseller homônimo de Jean-Dominique Bauby já apontava para um exercício de recriação pela câmera de experiências subjetivas. Em seus primeiros 40 minutos, “O escafandro e a borboleta” se sai muito bem, encarando certos questionamentos a cerca da realização cinematográfica. Optar por um protagonista mudo, paralisado dos pés à cabeça, e cujo único contato visual com o mundo se dá através de apenas um único olho, possibilita a Schnabel e ao fotógrafo Janusz Kaminski uma exploração sobre variadas possibilidades de enquadramento e planos ponto de vista, sobre a profundidade de campo, sobre a narração em off e diversas modalidades de jogo com o extra-campo. O cineasta busca a identificação do espectador e aposta pesado em planos subjetivos, incluindo uma seqüência em que um médico sutura as pálpebras de um dos olhos de Bauby, filmado do ponto de vista do paciente.
Os grandes problemas do filme nascem quando Bauby, ao retomar a possibilidade de conectar-se com o mundo, cria toda uma realidade a partir de suas memórias e imaginação. Schnabel privilegia lembranças banais, uma viajem, um beijo na praia, um ensaio de fotografia. A idéia parece ser a de imprimir uma certa leveza à narrativa, um contraponto à dureza da situação de Bauby. No entanto, apesar de algumas belas seqüências, em especial as em que aparece Max Von Sydow como o pai do protagonista, as imagens de Schnabel nunca encontram a poeticidade que nos prometem. Em algumas passagens, “O escafandro e a borboleta” transpira uma artificialidade, um amadorismo hiper-calculado supostamente poético, com imagens de um “bom gosto” pra lá de duvidoso, cortes e zooms estranhos, variados lugares comuns visuais, e muitos escorregões no sentimentalismo.
O cinturão vermelho **
“O Cinturão Vermelho” é um filme estranho mesmo. Estamos mais uma vez em território mametiano, em uma história de corrupção epidêmica do espírito humano. Pode-se dizer que, com o tempo, Mamet vem se tornando um melhor diretor. Em “Spartan”, por exemplo, sobressaía-se mais sua direção do que seu roteiro. Em “O Cinturão” ficamos talvez no empate, ou, quem sabe, mais uma vez com a direção – apesar do filme começar meio mal, com aquele tiro acidental. Mamet, o diretor de fotografia Robert Elswit ("Magnólia", "Boa Noite e Boa Sorte" e "Syrianna") e o consultor Renato Magno constroem tudo apaixonadamente, com muita tranqüilidade e alguma eficiente secura. Para completar, Chiwetel Ejiofor é um ator realmente incrível e reveste seu personagem com uma densidade impressionante.
Depois que a intriga se estabelece, temos o esboço de uma teoria conspiratória que não se justifica exatamente. Como bem disse o Filipe Furtado, “Cinturão” mescla elementos e arquétipos que não parecem pertencer ao mesmo lugar. Mamet tenta dar conta da complexidade de um enorme número de personagens e suas “razões”, e quanto mais se acredita que o cineasta conseguirá reunir todos este elementos, mais nos deparamos com buracos pela narrativa e, de repente, somos jogados em um clímax previsível apesar de improvável e coerente. Estranho. Muito estranho. Para alguns, ao trabalhar com lacunas, Mamet produz uma sutil subversão. Para outros, “Cinturão” seria um equívoco. Eu não sei... O fato é que Mamet se identifica com a situação de um lutador solidário e carismático preso em um sistema corrupto. Quem ataca o showbusiness, embora se renda ou faça uso dele? “O cinturão vermelho” ou seu personagem? Este curioso e aparente paradoxo está nas entranhas do filme ou é ele uma constatação extra-narrativa?
“Onde andará Dulce Veiga” começa com uma indicação espaço-temporal: “São Paulo, 198...”. O cinema de Guilherme Almeida Prado é plenamente consciente de sua identidade e este seu mais novo longa não foge à regra. Trata-se, por exemplo, mais uma vez, de um prato cheio de citações e homenagens, de Jean-Luc Godard e Jacques Demy à própria obra do cineasta. Ao mesmo tempo em que traz as obsessões e elementos mais identificáveis de seu cinema, “Dulce Veiga?” parece também empreender uma espécie de adaptação para os novos tempos. É a junção do universo “pós-moderno” dos anos 80 com a linguagem da Internet e da computação gráfica. Se por um lado “Dulce Veiga” é uma espécie de prestação de contas de Almeida Prado, uma tentativa de problematização de seu cinema; do outro, também se revela como uma carta de princípios ou uma afirmação daquilo que mais lhe fascina.
Os personagens de “Onde andará Dulce Veiga?” são figuras errantes, conectados pelo passado. Almeida Prado alimenta um clima de decadência, com curiosos rasgos de lirismo que podem por vezes beirar o absurdo. O curioso em relação ao protagonista e sua trajetória é o fato do foco e a evolução dramática do filme estarem sempre reservados às mulheres. A personagem Dulce Veiga, por sua vez, é como um ícone mágico. Ela é real, mas também parece existir apenas na mente de Caio. Almeida Prado sempre foi um cineasta que, acima de tudo, acredita no artifício, e imprime verdade em toda artificialidade. Em “Dulce Veiga”, o cineasta brinca com um artificialismo apoteótico – e, dessa vez, esta “brincadeira” parece intimamente relacionada com o movimento do filme, que trata de personagens repletos de máscaras.
O escafandro e a borboleta **
A adaptação de Julian Schnabel para o bestseller homônimo de Jean-Dominique Bauby já apontava para um exercício de recriação pela câmera de experiências subjetivas. Em seus primeiros 40 minutos, “O escafandro e a borboleta” se sai muito bem, encarando certos questionamentos a cerca da realização cinematográfica. Optar por um protagonista mudo, paralisado dos pés à cabeça, e cujo único contato visual com o mundo se dá através de apenas um único olho, possibilita a Schnabel e ao fotógrafo Janusz Kaminski uma exploração sobre variadas possibilidades de enquadramento e planos ponto de vista, sobre a profundidade de campo, sobre a narração em off e diversas modalidades de jogo com o extra-campo. O cineasta busca a identificação do espectador e aposta pesado em planos subjetivos, incluindo uma seqüência em que um médico sutura as pálpebras de um dos olhos de Bauby, filmado do ponto de vista do paciente.
Os grandes problemas do filme nascem quando Bauby, ao retomar a possibilidade de conectar-se com o mundo, cria toda uma realidade a partir de suas memórias e imaginação. Schnabel privilegia lembranças banais, uma viajem, um beijo na praia, um ensaio de fotografia. A idéia parece ser a de imprimir uma certa leveza à narrativa, um contraponto à dureza da situação de Bauby. No entanto, apesar de algumas belas seqüências, em especial as em que aparece Max Von Sydow como o pai do protagonista, as imagens de Schnabel nunca encontram a poeticidade que nos prometem. Em algumas passagens, “O escafandro e a borboleta” transpira uma artificialidade, um amadorismo hiper-calculado supostamente poético, com imagens de um “bom gosto” pra lá de duvidoso, cortes e zooms estranhos, variados lugares comuns visuais, e muitos escorregões no sentimentalismo.
O cinturão vermelho **
“O Cinturão Vermelho” é um filme estranho mesmo. Estamos mais uma vez em território mametiano, em uma história de corrupção epidêmica do espírito humano. Pode-se dizer que, com o tempo, Mamet vem se tornando um melhor diretor. Em “Spartan”, por exemplo, sobressaía-se mais sua direção do que seu roteiro. Em “O Cinturão” ficamos talvez no empate, ou, quem sabe, mais uma vez com a direção – apesar do filme começar meio mal, com aquele tiro acidental. Mamet, o diretor de fotografia Robert Elswit ("Magnólia", "Boa Noite e Boa Sorte" e "Syrianna") e o consultor Renato Magno constroem tudo apaixonadamente, com muita tranqüilidade e alguma eficiente secura. Para completar, Chiwetel Ejiofor é um ator realmente incrível e reveste seu personagem com uma densidade impressionante.
Depois que a intriga se estabelece, temos o esboço de uma teoria conspiratória que não se justifica exatamente. Como bem disse o Filipe Furtado, “Cinturão” mescla elementos e arquétipos que não parecem pertencer ao mesmo lugar. Mamet tenta dar conta da complexidade de um enorme número de personagens e suas “razões”, e quanto mais se acredita que o cineasta conseguirá reunir todos este elementos, mais nos deparamos com buracos pela narrativa e, de repente, somos jogados em um clímax previsível apesar de improvável e coerente. Estranho. Muito estranho. Para alguns, ao trabalhar com lacunas, Mamet produz uma sutil subversão. Para outros, “Cinturão” seria um equívoco. Eu não sei... O fato é que Mamet se identifica com a situação de um lutador solidário e carismático preso em um sistema corrupto. Quem ataca o showbusiness, embora se renda ou faça uso dele? “O cinturão vermelho” ou seu personagem? Este curioso e aparente paradoxo está nas entranhas do filme ou é ele uma constatação extra-narrativa?
4 comentários:
Achei O Escafandro e a Borboleta tudoque eu esperava (eu li o livro e o considerava um tema complicado de ser transposto, mas Schnabel deu conta do recado). Não consegui ver Cinturão Vermelho por conta da incompetência das salas de cinema cariocas que programam os filmes ao deus-dará. Já Dulce Veiga, gosto muito do universo de Caio Fernando Abreu, mas confesso que não senti muito apreço pelo filme após ver o trailer. Ainda estou pensando se vou ao cinema conferir.
Discutir Mídia e Cultura?
http://robertoqueiroz.wordpress.com
Olá,
Já eu gostei bastante de Dulce Veiga: é uma bela homenagem ao Caio, com a estilização e cinefilia de Guilherme funcionando muito bem.
Cinturão vermelho teve lançamento pífio e saiu de cartaz porque é ruim mesmo.
Um abraço.
roberto, em geral, trailers de filmes brasileiros costumam ser ruins mesmo. Não dar pra levar como parâmetro...
luiz, tendo a concordar com vc em relação ao Cinturão. Mas precisaria ver o filme novamente.
Acho que o Mamet está em decadência. Spartan é o melhor trabalho em tempos recentes.
Não assistiria o Cinturão de novo: acho aquele final constrangedor.
Um abraço.
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