sexta-feira, julho 04, 2008

lumet, allen e bressane


Antes que o Diabo saiba que você está morto ****

Para Sidney Lumet, “Antes que o Diabo saiba que você está morto”, mais do que um retorno à forma, é quase uma espécie de ressurreição: um melodrama violento e trágico, inventivo nos movimentos, preciso nos planos, e elegante nos enquadramentos. Trata-se de um filme incrivelmente simples, a começar pelo contundente roteiro do estreante Kelly Masterson. “Antes que o diabo” é um melodrama aparentemente clássico em sua estrutura. O drama nasce não exatamente dos personagens, mas da maneira pela qual eles se ajustam às situações apresentadas e justificam suas ações. A narrativa é agressiva e crua. Os eventos se desenrolam sem alarde. Não há tempo para trabalhar o background dos personagens ou para que eles possam acertar as pontas com seus passados. E, definitivamente, não há heróis.

Depois de um começo em tom idílico, entramos direto na trama e o filme já se esboça como a história de um desastre. Aos poucos, este “desastre” parece se expandir de diversas maneiras: da burocracia de uma locadora de veículos a uma fotografia gradativamente mais dura. A narrativa começa a ir e vir no tempo. Lumet parece narrar em camadas. Em cada uma delas, temos pequenas aulas de concisão dramática. Aos poucos estes pedaços vão se somando. O espectador poderá assistir a determinadas cenas em diferentes ângulos e pontos de vista. O drama se multiplica. O mau se instala.

Curiosamente, o cineasta se disse em algumas ocasiões fascinado pelo digital. Filmado em HD, “Antes que o diabo” transpira esse fascínio. Além da elegância formal, o longa demonstra uma enorme vitalidade no trabalho da câmera. Lumet e o fotógrafo Ron Fortunato fazem uso instigante das câmeras digitais em close-ups distorcidos e estourados que mais parecem oriundos de um “Inland Empire”. Ethan Hawke nunca esteve tão bem, sempre com um sorriso nervoso e descontrolado no canto da boca. E Philip Seymour Hoffman constrói um personagem aparentemente desconectado dos horrores à sua volta, perdido como um zumbi. Um filme deliciosamente desagradável.

O sonho de Cassandra **

É recorrente a afirmação de que Woddy Allen não é exatamente um amigo íntimo da mise-en-scène. Ele seria, sobretudo, um roteirista. Ele faria filmes de palavras e de atores, sem muitas preocupações com a imagem. Pois em “O Sonho Cassandra” sinto o contrário. De um lado, o roteiro me parece recheado de muita redundância em suas viradas e dilemas morais. As questões presentes no longa são valorizadas de forma quase telecurso segundo grau por Allen. O tempo todo alguém declama sentenças do tipo "It's funny how life boils down to this", "Life is nothing if not totally ironic", "The whole of human life is about violence", ou "Funny how life has a life of its own".

Por outra lado, Allen parece mais seco, cruel, e interessado em atmosferas. Logo nas primeiras cenas, o cineasta vai direto ao ponto: os irmãos Terry e Ian compram um barco ao som de Philip Glass, em uma cena que dá o tom do filme e sugere (também visualmente) o destino de seus personagens. A impressão é a de que o cineasta prezou mesmo uma eficiência dramatúrgica, com uma mise-en-scène cheia de sugestões e caprichos. E o talento na direção de atores, uma das marcas registradas de Allen, é palpável nas atuações de todo o elenco, em especial a de Colin Farrel.

Apesar de gostar mais deste do que dos outros “Match Point” e “Scoop”, “Cassandra” cai um pouco no fim, quando Allen pisa no acelerador e as coisas começam a se precipitar. E é bem verdade que vez ou outra é evidente uma certa falta de rigor nos cortes e nos enquadramentos de algumas cenas. Os últimos filmes de Woody Allen me passam esta impressão aparentemente paradoxal. São filmes esquemáticos e previsíveis, mas ao mesmo tempo um tanto frouxos.

Cleópatra ***

Em “Cleópatra”, Julio Bressane investiga esta personagem mitológica cheia de faces e facetas e a põe na roda, a coloca em cheque, constatando a total impossibilidade do cinema de produzir quaisquer revelações a respeito de sua persona “real”. E nada disso forma um enredo. Os personagens não se constroem, a intriga não se arma nunca. O mito prevalece. Engrandece. O cinema do Bressane pressupõe a busca de um universo próprio. O cineasta parece por vezes brincar com uma certa autonomia dos planos. Sua narrativa parece se sustentar em sua capacidade de criar vida através da soma de um sem-número de pequenos detalhes. É preciso, então, estar aberto a este acúmulo de referências, imagens, sons e músicas.

“Cleópatra” me parece por vezes buscar talvez um certo equilíbrio entre uma idéia de formalismo e outra de expressividade. Cada plano tem uma idéia. Não parece fazer questão de ser percebida como raciocínio, mas acho que se impõe como tal. Bressane não nos permite reduzir sua protagonista a significados. O filme quer despir estes significados, busca a valorização da plasticidade e o efeito sensorial. O que me incomoda é que estes procedimentos me parecem às vezes chamar muita para si mesmos. Não sei. Em miúdos: seja na experiência sensorial ou mesmo nesta minha reflexão mais distanciada, o filme realmente não colou em mim.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vi que estavam comentando da Moviemobz. Saiu uma matéria legal hoje no Globo.com sobre a distribuidora.

Vale conferir: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2008/07/07/comunidade_virtual_permite_cinefilos_marcarem_sessoes_de_filmes_independentes_favoritos_de_classicos_producoes_em_cartaz-547126144.asp

Julio Bezerra disse...

Valeu, luiz.
Vou dar uma olhada.