o lutador ***
“O lutador” é Mickey Rourke. Seu corpo “suja” o filme e materializa as tensões de Randy. É como uma aparição, uma presença que preenche o plano. Darren Aronofsky, cineasta famoso por um estilo cheio de virtuoses (como “Réquiem para um Sonho” e “Fonte da Vida”), o filma com simpatia e "simplicidade". Uma simpatia e uma simplicidade que não são ingênuas. A câmera não deixa Rourke/Randy, mas não vê o mesmo que ele. É um personagem irremadiavelmente romântico, mas o filme é de uma tristeza acachapante - embora vez ou outra cisme em sublinhá-la ou nos explicá-la. Ademais, o longa usa muito bem o universo da luta livre, uma espécie de subproduto da industria cultural, teatralizado, porém verdadeiro. E os momentos de ringue (e seus bastidores) são muito legais. Ainda assim, Aronofsky é de uma encenação grosseira. A mão é pesada em todas as viradas e em muitos dos diálogos. Quando a história precisa seguir, o filme cai. E, nesses momentos, Randy/Rourke ficam presos nas mecânicas da dramaturgia. No fim das contas, o filme tem a cara de Randy/Rourke. Não chega a ser um ótimo filme, meio irregular, meio brusco, com algumas brechas, cenas mal encenadas, algumas sem começo, outras sem final...
Gus Van Sant tem uma trajetória curiosa. Embora seja possível identificar aqui e ali as marcas estéticas do cineasta, não deixa de ser estranho para alguém que vem de “Lost days” (2005) e “Paranoid Park” (2007) fazer esse “Milk”. Este último é uma elegia sensível e pessoal, porém “oficial”. É um filme “importante”, “correto”, “acessível”, porém “oficial”. O filme se desenrola como um fluxo de consciência, com Harvey gravando seu testemunho. O cineasta transita entre um cinema mais lacrimal e um outro da análise psicológica, expandindo o contato com o espectador sem nunca subestimá-lo - embora o filme seja por vezes irritantemente reiterativo (a coisa do menino desesperançado que liga para Harvey, a relação entre o assassinato do personagem e a encenação da ópera Tosca). Van Sant assume uma posição diretamente pessoal e dotada de um juízo de valor positivo em relação aos personagens, conquistando com carinho nossa adesão. Acho muito legal a proximidade que o Van Sant busca com os seus atores. Juntos, eles correm atrás do personagem. Os filmes de Van Sant sempre são o personagem. Não é diferente em “Milk”.
É curioso atentar para a quantidade de filmes (quase todos os indicados ao Oscar esse ano) que recorrem a certas mediações internas por meio das quais um personagem ou uma voz da consciência emitem testemunhos (que a narrativa não problematiza) e se tornam na maioria das vezes a própria voz do filme. Eles nos dizem como deveríamos ver, sentir, ouvir e entender todas as situações que o filme nos mostra.
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