sexta-feira, abril 24, 2009

feliz e milionário


simplesmente feliz ***

Mais uma vez: Mike Leigh transmite peculiaridades de "ser inglês" com um enorme rigor – o que pra mim, que morei por lá, é muito legal. Avesso aos atalhos moralistas e psicologizantes, Leigh se mostra também extremamente atento aos modos distintos com que as pessoas se relacionam. O filme começa didático, em uma série de hipérboles sobre a personagem e sua visão de mundo: Poppy anda de bicicleta distribuindo sorrisos pelo transito londrino, ela rejeita um livro da vitrine, se sente confortável na seção infantil, e faz piada até quando lhe roubam a bicicleta. Não há dúvidas. Poppy decidiu ser feliz! E ponto final. Mas Simplesmente Feliz não é uma comédia leve e alegre. Muito pelo contrário. O que Mike Leigh nos provoca é um certo incômodo. O cineasta põe a alegria de sua protagonista em questão. Ora o filme a desafia, armando confrontos mais variados (do roubo da bicicleta ao caso de violência doméstica de um dos alunos da personagem), ora é própria Poppy quem provoca essas em situações em que seu estado de espírito é posto a prova (a relação com o professor da auto-escola). Simplesmente Feliz é um filme tenso. E Sally Hawkins é incrível. Ela contagia, mas não explica.

quem quer ser um milionário? °

Não queria dar trela para esse filme. Mas não agüentei. “Quem Quer Ser Um Milionário?” é uma afronta, uma tentativa equivocada de romance de formação e drama redentor. É uma aposta cínica em um “cinema globalizado”. Eu me senti francamente ofendido por esse filme. Logo de cara, assusta a falta de organicidade da estrutura narrativa. O filme se assume como um jogo de perguntas e respostas, e a montagem segue esquemática em um “pingue-pongue” absurdo e mirabolante – as questões são ilustradas por flashbacks que narram a história de Jamal. O que são esses personagens? E esses atores? Estão sempre tão irritantemente auto-conscientes de seus papeis e do que eles simbolizam... Jamal, o bem absoluto – os vilões diante dele são ainda mais vilões. Latika e o amor, que a tudo vence. E é claro: o dinheiro é um meio, mas nunca um fim.

Jamal viu a mãe ser morta a pauladas num conflito entre muçulmanos e hindus. Pessoas são queimadas vivas, em uma seqüência rápida como um piscar de olhos, desprovida de qualquer contextualização histórica ou religiosa. “Milionário” é um filme rasteiro como poucos. Tudo é tão incrivelmente superficial. O cinema de Boyle sempre foi uma espécie privilegiada de spot, exemplar de um certo ideal estético caro ao imaginário da propaganda. Mas dessa vez a ofensa é menos estética do que ética. A Índia é um esgoto a céu aberto. E as crianças indianas não pensam duas vezes antes de mergulharem na merda para conseguir um autógrafo. E tudo acaba em um musical (e em oscars). Dança alegre da miséria, exploração de uma cultura exótica e remixada para o gosto ocidental. Os Oscars ainda pioram a situação: agora “Milionários” vende a sensação edificante de que estaríamos vendo um mundo distante com olhos mais abertos e tolerantes.

Um comentário:

lucasg disse...

Caros,
No próximo dia 01 estréia em São Paulo e outras capitais o longa-metragem FilmeFobia, do diretor Kiko Goifman.

www.filmefobia.com.br

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