quarta-feira, agosto 12, 2009

stroszek


Gostei muito de “Stroszek” (1976). Muito mesmo. Werner Herzog escreveu o filme especialmente para Bruno S. - um cantor de rua com uma leve deficiência mental e muitas passagens por reformatórios -, que havia sido descoberto pelo próprio cineasta alemão em “O Enigma de Kaspar Hauser”. Desiludidos com a vida alemã, Bruno, seu amigo Scheitz e a prostituta Eva (tanto o protagonista, quanto os demais personagens, usam os nomes dos próprios atores) viajam para os Estados Unidos. Os problemas, no entanto, não tardam. Mas “Stroszek” não é um filme de denúncia. Não é filme interessado em desmascarar o sonho americano. “Stroszek” é antes de tudo um filme sobre a história desses três personagens à deriva em um mundo que não foi feito para eles.

Ao longo do filme, o que sinto é essa uma sensação de absoluto isolamento de cada um desses personagens (de todos eles, não apenas os protagonistas), abandonados no mundo. A câmera de Herzog acompanha inquieta as suas criaturas e pinta um mundo perverso, onde tudo é efêmero, como a casa que chega já pronta, trazida por um caminhão, e, da mesma maneira, é levada de volta. Herozg filma o confronto entre o apelo de seus personagens e o silêncio irracional do mundo.

Antes de ser belo, “Stroszek” é justo, justíssimo. Herzog ainda garante aos seus personagens uma espécie de vingança para com o mundo. É assim que vejo o desfecho do filme. A seqüência começa em círculos: a galinha dançarina, Bruno passeando no teleférico e o caminhão pegando fogo. O mundo se vê impotente. “Há um caminhão pegando fogo, não consigo encontrar o interruptor para desligar o teleférico dos esquiadores e não consigo parar a máquina da galinha dançarina”, diz um policial. “Mandem um eletricista”, responde o seu comandante. Segue então dois minutos da galinha dançando sem parar. O que vemos antes de tudo é uma contradição. Diante dessas imagens, tentamos agregar algum sentido. Mas é inútil esforçar-se para ser convincente. Herzog e seus personagens não nos deixam esquecer disso. Em “Stroszek”, o mundo não é tão racional, nem irracional. É irracionável, e nada mais do que isso. A razão constata os seus limites e nega a si mesma. É simplesmente absurdo. Um desfecho perturbador.

Na Internet, encontrei essa pequena entrevista em português de Portugal:

Werner Herzog: É como o fim de Stroszek, por exemplo, com a galinha dançante. Mas, na altura, a equipa técnica ou quase todos nas filmagens odiaram o filme de tal forma que por fim o director de fotografia se recusou a filmá-lo (ao plano) e disse: "Vamos almoçar agora, se queres filmar essa merda." E eu disse: "Vou filmar esta merda, claro". E tentei dizer-lhes. "Não percebem que há algo muito muito grande aqui?" E ninguém o via. Era mesmo grande. Ainda é uma das melhores coisas que filmei na minha vida.

Offscreen: É um dos finais mais bonitos de um filme...

Werner Herzog: Até a equipa que eu paguei e que me era leal entrou em greve.

Offscreen: Estava a cena no guião inicialmente?
Werner Herzog: Não me lembro. Acho que estava no guião. Sim! Acho mesmo que estava no guião. Mas não tenho a certeza absoluta, devia dar uma vista de olhos no guião.

Offscreen: E uma coisa sobre essa cena é uma rara ocorrência de montagem intercalada de diferentes coisas que ocorrem simultaneamente, de Bruno nas montanhas aos animais (galinhas, patos, coelhos) dançando e tocando música e para o camião a arder andando aos círculos lá fora. Normalmente, as suas cenas são segmentos bastante largos, passados num local, numa situação, frequentemente tomadas longas...

Werner Herzog: Sim, mas os animais dançam ainda algum tempo, portanto agarramo-nos a isso. O problema era que as galinhas não dançavam mais do que 15 segundos e depois retiravam-se. Colocamo-las em treino especial para que dançassem tanto quanto pudessem. Quando se punha uma moeda na máquina, a música tocava e a galinha dançava. Como recompensa recebia algum milho. Estavam acostumadas a dançar entre 3 a 5 segundos. Mantive-as em treino por uns par de meses para que dançassem tanto quanto pudessem. Mas só dançavam durante 15 segundos. O problema é que não me conseguia safar com um final que fosse um plano de 15 segundos. Tinha bastantes planos desses e tive que os juntar. Ficava sempre um jump cut. Portanto, também havia razões técnicas por trás disso. Muitas vezes não é uma ideologia ou algo parecido que está por trás de alguma coisa. »

Abaixo, duas cenas do filme.

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