- Não gostei do novo filme de Eryk Rocha. A mise en scène sempre foi protagonista de seu cinema. Há em seus filmes um formalismo do plano, um certo maneirismo de se conseguir um efeito plástico. “Transeunte” não é diferente. Organiza-se uma sucessão de sequencias singulares, com imagens empenhadas em criar estranhamento e adquirir estatuto de autonomia em relação à narrativa, sempre com angulações inusitadas, muitos grãos e o corpo do protagonista em primeiro plano. O efeito plástico é como um fim que justifica os meios. “Transeunte” é um filme de coragem – disposto a construir um olhar atento aos pormenores de um personagem anônimo sem particularidades. Neste processo, no entanto, Rocha deixou a receita à vista. “Transeunte” faz força demais, repetidamente, para “significar”. É um filme de macetes significantes. E sua busca de um não sentido por vezes parece escorregar na busca de um sentido único.
- Hugo Carvana é um cineasta com um universo facilmente reconhecível. E muito me agrada o seu espírito descompromissado. "Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo", como os últimos longas de Carvana, é um filme apaixonado. É claro: Carvana tem suas limitações como cineasta, todas elas muito evidentes. Mas ele não as disfarça. Muito pelo contrário. É como se por vezes suas imperfeições tão particulares funcionassem como assinaturas. Devo dizer, no entanto, que um furo na narrativa de “Não se preocupe” me jogou para longe do filme e eu não consegui mais voltar. O guru indiano havia sido preso em Miami por uma acusação de pedofilia. Uma empresária brasileira que havia contratado o guru para palestras no Rio de Janeiro resolve procurar um ator desconhecido que possa se passar pelo indiano. Lalau (Gregório Duvivier) aceita o trabalho, sobrevive aos jornalistas e às primeiras palestras. Eu me senti agredido por isto. Em tempos de Internet, se um famoso guru indiano for preso em Miami por pedofilia antes de vir ao Brasil, todo mundo vai saber. A trama talvez funcionasse alguns anos atrás. Hoje, no entanto, é como se ela estivesse subestimando a minha inteligência. Pelo menos foi como me senti. E por mais que eu quisesse, não consegui mais entrar no filme.
- O que é o final de “O Homem do futuro”!? O filme seguia aos trancos até o fim, é verdade, até mesmo Wagner Moura me parecia ruim, mas Cláudio Torres tem de fato algum talento se o compararmos a outros cineastas brasileiros. Mas este final é algo tão cínico e amoral... Um filme morre pra mim num momento como este. Fiquei lembrando de Jacques Rivette e seu texto paradigmático sobre “Kapo” (1959), em que ele condenava um movimento de câmera de Gillo Pontecorvo ao “mais profundo desprezo”. Faço o mesmo com “O homem do futuro”.
- Sobre “A alegria”, leiam esta crítica de Inácio Araújo:
"A Alegria" é, até certo ponto, o filme da geração do "fim da história", do sentimento de nada a fazer, nada por que combater, nada a obter. Representada por quatro amigos, a geração opõe-se ao nada que lhe é oferecido e dispõe-se a lutar contra.
É, também, o filme de uma cidade que experimenta o fantasma do próprio extermínio, da submersão, do fim sob uma onda de violência, a saber, o Rio de Janeiro.
Unir os dois temas não é simples. O primeiro envolve uma atitude existencial, uma disposição diante de como o mundo se apresenta a jovens de determinado momento. O segundo diz respeito a uma experiência urbana.
O produto de ambos talvez seja esse grupo de adolescentes em busca de si mesmos diante de uma realidade que se apresenta bastante hostil.
Diante dela, o grupo de amigos estará com Luiza, sua aparente líder, que menciona uma "política da alegria", talvez a única viável ao grupo (e à geração).
Essas questões já se encontravam no filme anterior da dupla Felipe Bragança e Marina Meliande, "A Fuga da Mulher Gorila". Talvez não seja inexato dizer que estavam colocados de maneira mais eficaz lá, na trajetória da garota que se transformava numa assustadora gorila.
Aqui certos elementos retornam: as máscaras, a menção ao fantástico (um tanto incompreensível) ao final, compondo a estranha e fascinante colagem de imagens ora coloquiais, ora poéticas, ora realistas, ora alegóricas.
A aproximação entre esses registros gera uma incômoda sensação de obscuridade (para a qual colaboram decisivamente as deficiências do som e da direção de atores).
Sem paternalismo, os tropeços podem ser vistos como parte do percurso muito interessante escolhido pelos realizadores, de um grupo que se opõe ao comercialismo (o sucesso de bilheteria como fim) do cinema brasileiro.
Talvez essa trajetória se torne mais clara quando observarem que a limpidez de algumas de suas imagens é mais significativa do que os momentos em que a necessidade de buscar a originalidade parece se interpor entre os autores do filme e seu objeto.
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