quinta-feira, outubro 30, 2014

era uma vez em nova york ****

James Gray é um cineasta que valoriza a cena, que acredita na necessidade do drama. Isto, contudo, não diz respeito exatamente à possibilidade de se contar histórias as mais variadas, mas à oportunidade de se gerar uma experiência mais passional. "Era uma vez em Nova York", como seus antecessores, nos demanda um tipo diverso de adesão. Uma adesão irrestrita e atenta. Gray é de uma objetividade, digamos, generosa. Quer dizer: ele está sempre muito perto, porém sempre reservando uma certa distância. Os sentimentos são grandiloquentes, do tamanho do mundo, embora tão absolutamente concretos e por isso incertos e difusos, incapazes de serem contidos em um verbete de dicionário, em um nome frio, sem vida, impessoal.

Ewa, Bruno e Orlando são maneiras de olhar, de se mover, de sentar, de se vestir, de falar. Eles são um combinado de comportamento, ritmo e atmosfera. São universos. Universos que se chocam, inevitavelmente. Ewa e Bruno dependem um do outro. Uma dependência que destruirá ambos. É como se necessitassem um do outro pelas razões erradas.
Orlando também cairá. Vemos eles caindo. O filme abraça essa dor sem justificá-la ou julgá-la, sem tampouco eximir seus personagens de culpa. O que espanta, vejam só, é afirmação ao fim de que ninguém é melhor do que ninguém, que todos nós merecemos ser amados e respeitados. Todos nós temos direito a uma segunda chance, ao perdão e à redenção. Em uma frase: Ewa, Bruno e Orlando são humanos. Isso é bonito. Isso é trágico. É, sobretudo, um fenômeno solitário.

Há uma pedagogia nesse cinema. O filme se oferece não como apreciação ou contemplação, tampouco como um julgamento do mundo, mas como um processo dinâmico de experimentação de um mundo. Uma experiência irredutível à generalização. Uma experiência que, justamente por situar-se além de nossas possibilidades, nos força a pensar, a alargar nossas faculdades sensíveis, a nos tornarmos mais tolerantes.

domingo, outubro 26, 2014

cavalo dinheiro ****

Fontainhas está no chão. Foi demolida. Ela, contudo, persiste, insiste. Fontainhas habita o imaginário de Ventura. Ela o constitui. Ela o põe em movimento. Não existe mais como bairro ou paisagem. Mas é como uma espécie de mito fundador daquela realidade constituída em filme - aliás, como bem reforçou o Filipe Furtado lá na "Cinética", jamais a herança de John Ford esteve tão presente em Pedro Costa.

"Cavalo Dinheiro" é filme sincopado, musical mesmo, talvez mais rápido e físico e menos refinado do que seu monumental antecessor, "Juventude em Marcha". São ritmos diferentes, maneiras diversas de se olhar para Ventura. É também um filme ainda mais misterioso. Ventura, hospitalizado, à beira da morte, revisita sua vida em uma espécie de delírio, e fantasmagoria elíptica e fugidia. Vemos hospitais, corredores, espaços, espaços, espaços. Eles são diferentes, embora se pareçam, tenham a mesma força opressora. As cenas escapam tanto ao “presente” quanto ao “passado”, e nos convidam a pensar de outra forma a temporalidade do filme e a natureza de Ventura. Seu corpo é um condutor de hipóteses narrativas, condensações provisórias e cambiantes de múltiplos possíveis. É também um filme mais angustiante. Uma angústia permeia tudo, cada plano, os enquadramentos, o jogo de luz e sombra, o corpo de Ventura. A noite reina soberana. A sombra apropriou-se da luz. Talvez seja pior que isso: a luz absorveu a sombra. o que vemos é um brilho enganoso, difuso, enevoado, que recobre a paisagem e os personagem e os força a viver sob ameaça, em um universo claustrofóbico. Uma certa impossibilidade governa este filme.

"Cavalo Dinheiro" é certamente uma espécie de exorcismo. Ventura, o assombrado, externaliza seus demônios. Externaliza? Talvez não seja o termo mais apropriado. Esse assombro não é localizável, seja no interior ou no exterior. Uma analogia com a energia atômica talvez seja mais proveitosa. Quer dizer: o filme libera uma certa energia e esta liberação, mais do que um possível exorcismo, nos ameaça a todos.

sexta-feira, outubro 24, 2014

bem vindo a nova york ****

Vi o filme duas vezes. Queria mais. "Bem vindo a Nova York" é um filme imenso. Escrever sobre ele, sobre minha relação com ele, não é algo fácil. É, porém, necessário. Não tem jeito. Eu adio e a necessidade me persegue. Enfim, vamos a alguns breves comentários:

Gerard Depardieu. Um monstro sedutor. Um corpo pesado, atado ao mundo, ou melhor, ao mundano. Uma força da natureza, incontrolável, injustificável, sem origem, destino ou função. Depardieu não nos entregava uma atuação tão acachapante desde os filmes de Maurice Pialat.

Um desconforto moral, característico dos melhores filmes do cineasta americano, se estabelece desde cedo. Devereaux é o que queríamos ser. Ou não? Rico. Bem-sucedido. Um hotel estrelado. Poder. Belas mulheres. Aventuras sexuais. Sabemos o que ele fez. Veremos o que ele fez - e Ferrara encena a sequencia do abuso à distância, sem conduzir o nosso olhar, sem recorrer à trilha ou à decupagem. Ferrara nos diz: trata-se de um ato sem maiores  justificativas ou explicações e absolutamente interligado ao que vimos antes e julgá-lo é julgar a nós mesmos. Não é toa que seremos interpelados diversas vezes ao longo do filme. Somos o contracampo. Somos cínicos. Hipócritas. Somos culpados.

Gosto muitos das discussões entre Devereaux e Simone. O excesso dos personagens transborda, invade a narrativa, contamina o filme (sempre mais interessado em blocos de ação do que em um certo equilíbrio ou elegância formal) com uma fisicalidade inultrapassável, e alcança o espectador em cheio.

É incrível como vez ou outras alguns breves enxertos (em geral no fim de uma sequência) realçam as cenas anteriores. É o caso do close do rapaz negro no tribunal que será julgado logo após Devereaux. O enxerto se liga diretamente ao que vemos e ouvimos nos planos anteriores, ao teatro do advogados, promotores e juiz, à indiferença do protagonista. Algo contudo escapa a esta associação, nos faz pensar, nos leva a lugares desconhecidos. A imagem como uma abertura.

sábado, outubro 11, 2014

links

Alguns Links:

Atualização no (In) Transition

Uma relação bacana com vários ensaios audiovisuais

Ótima atualização da Senses of Cinema!

Kent Jones sobre Hou Hsaio-Hsien

Peter Labuza sobre "Ninfomaníaca"

Nicole Benez entrevista Eric e Marc Hurtado

Francis Vogner dos Reis sobre "Bem Vindo a Nova York"

Filipe Furtado sobre "Cavalo Dinheiro"

E, abaixo, trailer do novo Michael Man!



E do Paul Thomas Anderson!