Gerard Depardieu. Um monstro sedutor. Um corpo pesado, atado ao mundo, ou melhor, ao mundano. Uma força da natureza, incontrolável, injustificável, sem origem, destino ou função. Depardieu não nos entregava uma atuação tão acachapante desde os filmes de Maurice Pialat.
Um desconforto moral, característico dos melhores filmes do cineasta americano, se estabelece desde cedo. Devereaux é o que queríamos ser. Ou não? Rico. Bem-sucedido. Um hotel estrelado. Poder. Belas mulheres. Aventuras sexuais. Sabemos o que ele fez. Veremos o que ele fez - e Ferrara encena a sequencia do abuso à distância, sem conduzir o nosso olhar, sem recorrer à trilha ou à decupagem. Ferrara nos diz: trata-se de um ato sem maiores justificativas ou explicações e absolutamente interligado ao que vimos antes e julgá-lo é julgar a nós mesmos. Não é toa que seremos interpelados diversas vezes ao longo do filme. Somos o contracampo. Somos cínicos. Hipócritas. Somos culpados.
Gosto muitos das discussões entre Devereaux e Simone. O excesso dos personagens transborda, invade a narrativa, contamina o filme (sempre mais interessado em blocos de ação do que em um certo equilíbrio ou elegância formal) com uma fisicalidade inultrapassável, e alcança o espectador em cheio.
É incrível como vez ou outras alguns breves enxertos (em geral no fim de uma sequência) realçam as cenas anteriores. É o caso do close do rapaz negro no tribunal que será julgado logo após Devereaux. O enxerto se liga diretamente ao que vemos e ouvimos nos planos anteriores, ao teatro do advogados, promotores e juiz, à indiferença do protagonista. Algo contudo escapa a esta associação, nos faz pensar, nos leva a lugares desconhecidos. A imagem como uma abertura.
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