Gostei de “Intervalo clandestino”, uma espécie de filme-CPI do povo brasileiro e suas “místicas” (como diz um personagem do longa) relações com a política e a democracia. A partir de uma multidão de expressões e impressões, Eryk Rocha retoma uma estética de colagem (“A rocha que voa”), dialogando com a video-arte e o filme experimental.
A câmera circula pela malha urbana das capitais e registra a atmosfera pré-eleitoral, apontando a objetiva para pessoas comuns de diversas profissões e classes sociais, que, através de depoimentos, tecem comentários e reflexões sobre as perspectivas políticas do país. Assim como em “Rocha que voa”, Eryk desprivilegia a figura do entrevistado em prol de seu discurso, procurando mapear as mais diversas falas sobre o assunto. Em sua forma essencialmente desarrumada, o filme registra a desarticulação das falas de pessoas apanhadas na rua (num discurso simultâneo ao pensamento), e a própria e inerente instabilidade do discurso sobre a política. Afinal, o que é política? O que é democracia? Em seus melhores momentos, “Intervalo clandestino” leva seus personagens a discutirem calorosamente nos limites do quadro.
Apesar de por vezes esbarrar no mero virtuosismo, tornado algumas de suas soluções visuais em muletas circunstanciais, a montagem de Ava Rocha consegue interessantes casamentos/divórcios entre som e imagem, buscando uma aproximação com o fluxo de pensamento, enveredando por uma experiência sensorial. Também me incomoda um pouco a não-intervenção no ato mesmo da entrevista. Mas a opção pelo conflito, pelo debate confere a “Intervalo clandestino” uma urgência ausente em grande parte da produção brasileira recente.
Acho que o Inácio Araújo está certo quando ele diz que "Intervalo Clandestino" é, “em um nível, um filme pré-histórico, que retoma soluções que o cinema brasileiro já usou e gastou em anos passados”. Mas não sei exatamente fazer um juízo de valor sobre isso. No entanto, a observação feita pelo crítico da “Folha” de que o filme seria originalmente fracassado, “trabalho de um cineasta que procura entender uma população pobre da qual está visceralmente separado pela segregação de classe”, ficou comigo. Inácio Araújo tem razão. A primeira seqüência de “Intervalo clandestino” parece alimentar esta interpretação, quando um entrevistado diz: "Não vai passar na TV? Então não adianta filmar. Quase ninguém vê". A voz assegura que, se uma imagem não aparece na TV, é como se ela não existisse. O entrevistado está certo. Os números não mentem – de acordo com algumas estatísticas, uma simples exibição em tv aberta que não chega a 1% de Ibope atinge mais público do que aquele alcançado por 95% dos filmes nacionais lançados esse ano nos cinemas (uma média de 50 mil espectadores). Mas então, se o longa não será exibido na telinha, ele necessariamente se dirige a outras pessoas que não as interpeladas pelo documentarista. Cinema não é mais definitivamente popular. Retornando à seqüência em questão, o cineasta pergunta: "O sr. acha que a gente desiste de fazer o filme?". E ouve a conclusão: "Não. Tem que ter filme também". Porque? Essa pergunta não foi feita, nem respondida. Afinal, o cinema brasileiro atual é uma necessidade nacional ou apenas expressão do desejo de quem dele vive ou tenta viver? Qualquer que seja a resposta, ambas travam diálogos duros com as opções de cinema de “Intervalo clandestino”.
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