A Cidade Baixa de Salvador é mais uma vez um componente de extrema importância. Um espaço que impregna os seres que o habitam de forma pegajosa. Há uma espécie promíscua de energia pairando pelos cenários. É lá que os personagens compartilham suas experiências.Vez ou outra, um olhar e ou um close de “Quincas” evocam seu antecessor e o talento do cineasta para nos instalar sensorialmente no clima sugerido. Enquanto o seu penúltimo filme operava numa fruição narrativa em que importava menos o que acontecia do que como acontecia, “Quincas” se afirma no desenrolar lúdico das aventuras de seus personagens. Há mais uma vez uma atenção cuidadosa aos movimentos corporais, aos traços descritos pelos gestos. Desta vez, no entanto, esses elementos não marcam a condução de uma narrativa de sentimentos, mas buscam, em especial quando os quatro mosqueteiros de Quincas (Flávio Bauraqui, Irandhir Santos, Luis Miranda e Frank Menezes) estão em cena, uma comédia física. O universo de Jorge Amado está lá, nas texturas, nos cenários, nos cheiros, nos ritmos, nas cores, nos corpos suados. Mas todos estes elementos são trabalhados em um tom fantástico, porém sutil, sem exageros. Ao contrário de “Cidade Baixa”, que operava em uma espécie de realismo expressivo, “Quincas” parece exacerbar a realidade e assumir por vezes o jeitão de uma farsa. Talvez seja mais complicado do que isso. “Quincas” é um filme enamorado pelo fantástico, embora cheio de verdade; um longa que beira por vez o surreal, mas se afirma realista na encenação – uma mescla que faz lembrar o cinema de Kusturica e algumas comédias italianas de Mario e Dino Risi. Vejamos as atuações. Os atores são os grandes propulsores de “Quincas”. E Sérgio demonstra mais uma vez um enorme apreço por seus personagens, abraçando todas as suas falhas de caráter e enganos. Como em “Cidade Baixa”, o cineasta se interessa profundamente pela falibilidade do ser humano. O que nos impressiona, no entanto, é que, no caso deste longa, falar sobre a qualidade da interpretação dos personagem não é defender um realismo-naturalista. Muito pelo contrário. As atuações de “Quincas” parecem irmanadas com as atuações de seus personagens em cena. A carnavalização como uma maneira de ver o mundo pelo avesso, como manifestação de desvios e inversão de costumes. A sensação é curiosa: estamos no terreno dos adereços, das fantasias, da farra e do insólito, embora “Quincas” pareça por vezes reivindicar fidelidade em relação aos comportamentos humanos, um compromisso com o retrato de um espaço ou de uma comunidade. Em alguns momentos, “Quincas” é delirante na sua energia, como se o filme entrasse em transe e sublimasse seus temas. Esta energia que emana dos quatro súditos de Quincas e de Manuela não se mantém por muito tempo. Neste sentido, este é um filme de alguns hiatos. Mas mais do que isso. “Quincas” é um filme extremamente “pensado”. Um longa que, ao se desenrolar, pensa a sua própria caminhada. Uma carnavalização controlada.
Um comentário:
Os atores que fazem os amigos inseparáveis do Quincas, por si só, já valem o filme. Mais uma vez adorei o trabalho do Sergio Machado (que já tinha me deixado extasiado no ótimo Cidade Baixa).
Cultura? O lugar é aqui:
http://culturaexmachina.blogspot.com
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