quarta-feira, julho 07, 2010

filipinas

Depois de passar por São Paulo, a mostra “Descobrindo o Cinema Filipino” aterrizou no CCBB do Rio, semana passada. Além dos cineastas contemporâneos (Raya Martin, Lav Diaz, John Torres, Brillante Mendoza, etc), a mostra (com a curadoria de Leonardo Levis e Raphael Mesquista) ainda exibe obras de realizadores importantes dos anos 70 e 80 (como Lino Brocka e Ishmael Bernal). Vou participar do debate nesta quinta e tenho visto alguns filmes. Abaixo algumas breves anotações. Outras virão.

- O cinema filipino começa em 1897, quando o soldado espanhol Antonio Ramos trouxe de Paris uma câmera. No entanto, apenas em 1919, um filme foi dirigido por um filipino: “Dalagang Bukid”, de Jose Nepumuceno. Daí já dá pra perceber: a tragédia filipina é também cinematográfica.

- Em 1930, com a ajuda financeira e técnica dos colonizadores norte-americanos (as Filipinas foram colonizadas por Espanha e EUA, e tiveram seu território ocupado pelo Japão durante a Segunda Guerra) uma pequena indústria já havia sido formada. Em 1950, o país vive a chamada Primeira Época de Ouro do cinema, com uma indústria sólida e uma nova geração de cineastas.

- Muito pouco resta desses filmes. Outros ainda resistem, embora não em seu formato original. Em uma entrevista, Raya Martin conta que do período anterior à Segunda Guerra, sobraram apenas quatro filmes (todos falados). Martin cursou cinema em Manila e sublinha que mesmo na universidade só é possível estudar a história do cinema nacional a partir dos anos 70.

- Em 1970: o cinema filipino vive sua Segunda Era de Ouro. Surgem novos cineastas como Lino Brocka, Ishmael Bernal, Mike de Leon e Kidlat Tahimik. No geral, se tratava de um cinema popular, numa mescla de melodrama, realismo social, personagens marginalizados (muito bem delineados, diga-se logo de passagem), entre outros elementos. Brocka e Bernal operavam na indústria, e, pelo que dizem os filipinos, eram como que antagonistas. Quem gostava de um, não queria ver o outro. Para eles, falar de Brocka (muito mais famoso internacionalmente) é falar de Bernal, e vice-versa. Já Tahimik marca talvez o início de um cinema independente. Seu “Pesadelo perfumado” (1977), dirigido com seus próprios recursos, ganhou o Prêmio Internacional da Crítica no Festival de Berlim.

- Apesar das diversas diferenças entre os realizadores, essa geração expressa de uma maneira geral o desejo, em pleno regime ditatorial de Ferdinand Marcos (1971/1987), de registrar a realidade crua do país. Não é difícil traçar semelhanças com o nosso cinema novo. Mas elas enganam. Os filipinos não se afirmavam como movimento e não pareciam ter um projeto de cinema filipino ou para o país.

- Os anos 80 foram seguidos por um longo período de decadência. O market-share do cinema filipino despencou, a indústria nacional acirrou a disputa na captação e passou apostar em produções similares as dos americanos.

- Com o advento do cinema digital, o final dos anos 90 viu nascer uma nova geração de cineastas independentes, filmados e finalizados com orçamentos baixíssimos, quase sempre entre amigos: Raya Martin (com suas crônicas sobre a história do país), Brillante Mendoza (vencedor do prêmio de direção em Cannes), Lav Diaz (com seus épicos de longa duração), John Torres (com seus diários/ensaios)... O cinema filipino jamais foi tão visto e discutido internacionalmente.

- O mundo fala em uma “new wave filipina”. É preciso ter cuidado. Estamos falando de obras muito diferentes e que acabam caindo no ocidente sob a classificação redutora de realismo social. Em matéria no “Globo”, o jornalista traça outra escorregadia associação com o boom do cinema iraniano... Essa mostra nos ajuda a entender os perigos dessas associações ao por o cinema filipino contemporâneo em perspectiva, ao lado de produções dos anos 70 e 80, e ao revelar a diversidade de motivações estéticas e artísticas que compõem esse novo “movimento”.

- Esta é uma geração unida (talvez Brillante Mendoza seja o único um pouco mais afastado do grupo). Eles conseguem realizar filmes na marra, com recursos próprios, entre amigos.

- Além da nova geração de cineastas, nasce também uma nova geração de críticos (assim como no Brasil). Posso citar três deles: Noel Vera, Francis Oggs Cruz e Alex Tioseco (recentemente assassinado em Manila). Estes três foram muito importantes na promoção desses novos filmes, dentro e fora das Filipinas (lembrem-se que eles escrevem em inglês).

- Agora, com a popularização das câmeras digitais, qualquer um pode fazer filmes: mas porque esses jovens cineastas resolveram filma-los? a quem eles se dirigem?

- Em primeiro lugar, essa não é uma geração preocupada em ressuscitar a indústria de cinema filipina. É importante que se diga isso. O cinema (incluindo o Filipino) é para eles uma caixa de ferramentas. E o que prevalece é um gesto de liberdade e independência. Este novo cinema não tem uma identidade (ao contrário de nós brasileiros, ainda às voltas com o termo). Ter identidade cinematográfica é uma impossibilidade virtuosa, nos dizem os filmes.

- Ainda no que concerne ao “porque”: este é um cinema assombrado pela história das Filipinas. Estes cineastas apostam na sétima arte como uma maneira de se refazer história. Para eles, rememorar o passado do país é uma tentativa, sempre renovada, de uma fidelidade àquilo que nele pedia um outro devir. Neste sentido, estes cineastas estão bem distantes do nosso. O que se vê ainda hoje no Brasil, ao contrário, é uma espécie disseminada de má consciência: os filmes nacionais parecem muitas vezes contaminados por um tom solene, em que os personagens (inocentes ou culpados, justos ou injustos) se vêem sempre responsabilizados pela situação do país.

- Em segundo, é importante observar que quase todos esses filmes independentes estréiam por lá. Os realizadores estão por trás de um circuito alternativo de exibição. Não fazem sucesso, mas são vistos, viajam pelo país... Algo que nós brasileiros ainda não temos.

- O cinema independente filipino ainda é pouco visto em casa, às voltas com a censura (vários dos filmes que vão aos festivais internacionais estréiam em Manila em versões diferentes) e com o desinteresse do circuito comercial de distribuição e exibição mais tradicional. Neste sentido, vale lembrar de um dos lemas de Lino Brocka, que, certa vez, disse: “Não estou interessado em criar o Grande Cinema Filipino, estou interessado em criar o Grande Público Filipino”.

- Pelo que eu apurei brevemente, existem três grandes festivais de cinema em Manila. Todos eles dão atenção especial ao cinema local. Dois deles ainda financiam a produção de alguns filmes, em especial de estreantes.

- O cinema filipino produz hoje algo em torno de 40 a 50 filmes por ano – em oposição aos mais de 100 longas de décadas atrás. O cinema filipino pode ser divido entre aquele independente e o realizado em estúdios, em geral comédias românticas ou dramas açucarados. Ainda que as categorias de “cinema de arte filipino” e “cinema popular” me pareçam mais flexíveis por lá (em comparação ao Brasil, onde a insistente tentativa de defini-las acaba gerando uma certa esquizofrenia), essa separação entre “cinema independente” e “cinema industrial” é bem demarcada e reafirmada por ambas as partes.

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