sábado, dezembro 04, 2010

a vida durante a guerra *

Se em “Storytelling” (2004) e “Palindromes” (2001), Todd Solondz parecia almejar temas e questões maiores, “A vida durante a guerra” retoma “Felicidade” – mas sem mais aquele "frescor" de novidade que embriagou meio mundo cinematográfico. Solondz enxerga seus personagens como estudos de caso. Eles clamam por atenção, pintados sempre cores fortes. Uma criança diz a mãe que o rivotril dela havia acabado. A mãe manda a menina buscar outro frasco no banheiro. Fora do quadro, a criança grita não estar encontrando o rivotril. Sua mãe lista então uma série de remédios tarja preta à altura da filha. Ok: há um problema sério de medicação infantil nos EUA, mas Solondz o sublinha de tal maneira que a crítica acaba virando cinismo.

Os seus personagens jamais serão merecedores de nossa compaixão. O mesmo já acontecia lá em 1998 com “Felicidade”. Em um filme em que esbarrávamos em questões como pedofilia, suicídio, assassinato, masturbação, divórcio, Solondz testava os nossos limites. Cineasta e espectador se dão as mãos, rimos juntos de toda aquela gente. Solondz nunca perde a oportunidade de uma piada a respeito de um personagem. A mais cruel delas vem lá pela metade do filme, quando Joy deixa uma mensagem na secretária de Allen. Ela admite ter cometido um erro ao tê-lo deixado e expressa seu desejo por reatar o casamento. Enquanto isso, em uma vagarosa panorâmica, a câmera nos mostra Allen deitado no chão em meio ao seu próprio sangue, logo após o suicídio. E estamos falando de um filme ostensivamente sobre o perdão.

É preciso dizer, no entanto, que Solondz permanece um ótimo diretor de atores. Alison Janney, Shirley Henderson, e, principalmente, Ciarán Hinds, não me deixam mentir. É também acertada a fotografia de Ed Lachman. Os longas de Solondz nunca foram distinguidos pelo seu estilo visual. Muito pelo contrário. Mas “A vida durante a guerra” sabe tirar bom proveito de uma certa artificialidade da tecnologia digital – embora o filme seja essencialmente uma série de conversas e a forma com a qual Solondz enquadra (a aposta é nos closes) e edita esses diálogos (sempre, religiosamente, no campo, contra-campo) demonstre suas fraquezas como diretor.

"Algumas pessoas vão, naturalmente, acusar-me de misantropia e cinismo", disse Solondz no Festival de Veneza (onde o filme levou o prêmio de melhor roteiro). "Não posso celebrar a humanidade e eu não estou aqui para induzir a as pessoas a pensarem como eu. Só quero expor algumas verdades”. Mas vem cá: que verdades são essas? Que criminosos não conseguem deixar o crime? Que os que seguem famosos são vazios e sem personalidade? Este é um cinema de catarse disfarçado de cinema de revelações.

Nenhum comentário: