sexta-feira, janeiro 03, 2014

uma questão de pecado ****

Se “Azul é a cor mais quente” fica menor a cada lembrança, este novo filme de Jia Zhang-ke cresce sempre que o revisito. Eu já tinha gostado de “Uma questão de pecado”. Em geral, os filmes de Zhange-Ke são muito marcados por dois elementos: os personagens principais e as locações. É o caso de “Em busca da vida” (2006), seus dois protagonistas e região da represa. “Uma questão de pecado” é menos background e mais imediato e direto. As locações e a modulação dos espaços são de extrema importância, mas o que se privilegia é a relação entre os personagens. A China continua em quadro. É ela que move a história. O dado humano, contudo, é o ponto nevrálgico deste cinema. Varridos pelo desenvolvimento desenfreado, pela abertura econômica sem precedentes, pelo capitalismo em sua versão mais feroz.

“Uma questão de pecado” é de natureza líquida. Quer dizer, o filme tem uma propensão à dissolução, seja no que diz respeito aos acontecimentos, aos personagens, aos espaços. Esta liquidez aponta em um crescente pouco harmônico para violência. A violência gráfica, sangrenta, chocante. Ela, afinal, talvez também seja direcionada a nós espectadores.  Ela também nos concerne. É preciso ainda sublinhar a construção dos espaços, a riqueza “cenográfica” das locações, e, talvez, sobretudo, a precisão dos movimentos de câmera. Os movimentos aprisionam os personagens em um ir e vir que eles não controlam, não entendem.

O tempo fez muito bem a “Uma questão de pecado”, e vez ou outra me pego pensando em alguma cena, em algum dado. São coisas que, espalhadas pelo filme, não chamam muita atenção para si em uma primeira experiência. Refiro-me, por exemplo, ao fato dos personagens jamais estarem onde nasceram, à questão da migração. O que mais me impressiona, contudo, é a condição de maleabilidade moral que permeia os personagens, o estado de corrupção iminente ao qual todos neste filme estão fadados. As memórias, os laços, a tradição, ainda estão por lá. Muitos dos problemas nascem de uma espécie de guerra travada no imaginário dos personagens. É algo muito forte o que Zhange-Ke consegue alcançar neste filme.

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