“Uma questão de pecado” é de natureza líquida. Quer dizer, o filme tem uma propensão à dissolução, seja no que diz respeito aos acontecimentos, aos personagens, aos espaços. Esta liquidez aponta em um crescente pouco harmônico para violência. A violência gráfica, sangrenta, chocante. Ela, afinal, talvez também seja direcionada a nós espectadores. Ela também nos concerne. É preciso ainda sublinhar a construção dos espaços, a riqueza “cenográfica” das locações, e, talvez, sobretudo, a precisão dos movimentos de câmera. Os movimentos aprisionam os personagens em um ir e vir que eles não controlam, não entendem.
O tempo fez muito bem a “Uma questão de pecado”, e vez ou outra me pego pensando em alguma cena, em algum dado. São coisas que, espalhadas pelo filme, não chamam muita atenção para si em uma primeira experiência. Refiro-me, por exemplo, ao fato dos personagens jamais estarem onde nasceram, à questão da migração. O que mais me impressiona, contudo, é a condição de maleabilidade moral que permeia os personagens, o estado de corrupção iminente ao qual todos neste filme estão fadados. As memórias, os laços, a tradição, ainda estão por lá. Muitos dos problemas nascem de uma espécie de guerra travada no imaginário dos personagens. É algo muito forte o que Zhange-Ke consegue alcançar neste filme.
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