Acho mesmo que um cineasta deve ser responsabilizado pelo mundo e pelas criaturas que ele põe em movimento. Neste sentido, Michael Haneke é uma espécie de Dr. Mabuse do cinema contemporâneo. É uma espécie de gênio do mal. Reconheço seu enorme talento, mas tenho um profundo desprezo pelo mundo que ele constitui em filme. Revi “Caché” (2005) outro dia. E aqui o projeto cinematográfico de Haneke atinge seu ápice de manipulação. Entre as muitas questões que o filme levanta, eu me vi nessa revisão pensando no processo de identificação com o imaginário representado na tela e mais propriamente na maneira pela qual europeus e argelinos convivem na mise-en-scène de Haneke. Destacaria ainda para uma análise mais sistemática do longa a pergunta pela autoria das imagens de vigilância (uma pergunta, na minha opinião, mais do válida), e o tipo de identificação que o filme alimenta entre o aparato cinematográfico e o espectador.
Acho cada vez mais que “Caché” desfila um multiculturalismo um tanto míope. Se o discurso nacionalista dos anos 60 traçava linhas demarcatórias bastante nítidas entre o Primeiro e o Terceiro Mundos, entre opressor e oprimido, o discurso pós-colonial e multiculturalista substitui esses dualismos binaristas por um espectro mais nuançado de sutis diferenciações. Mas em “Caché” não há ambiguidades. Há toda uma vitimização do personagem argelino, enquanto Georges é acusado de todos os males do filme. Apesar de não podermos falar numa pureza na representação destas identidades, os paradigmas permanecem rígidos, não se contaminam.
Neste sentido, parece-me haver por vezes uma certa nostalgia pelo retorno a uma política bem definida de oposições binárias, em que, teoricamente, se podia distinguir com maior clareza os bonzinhos dos malvados. Eu fico por fim com a suspeita de um narcisismo europeu às avessas - “Caché”, então, se aproximaria estranhamente de uma cada vez mais vasta produção hollywoodiana empenhada em “compreender” o problema da África (“Diamante de sangue”, “O senhor das armas”, “Jardineiro fiel”, entre outros). Haneke parece situar a Europa como fonte de todos os males sociais do mundo. Uma perspectiva que não deixa de ser eurocêntrica, reduzindo a vida fora da Europa a uma resposta passiva/patológica à “invasão” ocidental.
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